HITLER SAMUSSUKU: O NOVO PRESO POLÍTICO DETIDO POR CRITICAR JOÃO LOURENÇO

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Hitler Jessy Tshikonde, que tem uma página dinâmica no Facebook com o pseudónimo Lwenapithekus, é o novo preso político em Angola, juntando-se aos presos políticos em Cabinda. É Lwenapithekus no Facebook, e não Hitler, porque a rede social de Mark Zuckerberg não permitiu registar-se com o seu nome oficial, uma censura à utilização do nome do ditador nazista Adolf Hitler, protagonista da segunda grande guerra que perseguiu e assassinou impiedosamente os judeus com a sua ideia de “solução final”. Zukerberg é filho de judeu e foi criado como judeu, disse ele em entrevista à revista Recode em 2018.

Texto de Rádio Angola

Foi a partir das redes sociais que Hitler publicou um vídeo que está na origem de mais uma prisão que agora enfrenta. Sim, é mais uma, pois Lwena, como também é chamado por amigos, é um dos 15 jovens activistas que em 2015 foram presos acusados de tentativa de golpe de Estado e associação de malfeitores, tendo o ex-presidente da República José Eduardo dos Santos se pronunciado publicamente sobre o assunto poucos dias depois da detenção, onde comparou a situação ao alegado golpe de Estado de 27 de Maio de 1977.

Foi condenado a 4 anos e seis meses de prisão pelo regime angolano, à igualdade dos demais companheiros do processo 15+2, que incluiu as duas mulheres que enfrentaram o processo em liberdade, nomeadamente Rosa Conde e Laurinda Gouveia.

Recém-licenciado em Ciências Políticas, Hitler é também membro da associação cívica Handeka, da qual é vice-presidente. Entre os seus membros-fundadores estão o ex-primeiro-ministro e actual administrador não-executivo da Sonangol Marcolino Moco e o advogado Luís Nascimento, que defendeu-lhe e à maioria dos activistas em 2015. A Handeka é uma das organizações que o presidente da República João Lourenço recebeu no final de 2018 no seu encontro com a sociedade civil. A presidente Alexandra Simeão e Luaty Beirão foram os seus representantes, estranhamente dois, ao contrário de todas as outras organizações. E, ao terem sido permitido exclusivamente dois para a Handeka, era suposto ser o vice-presidente a acompanhar.

O RAPTO DO SIC

O “recluso do Zedú”, como escreveu no seu uniforme prisional durante o julgamento, é conhecido por usar sempre a frase “estrutura apodrecida” quando se refere ao partido MPLA, da qual João Lourenço é agora o chefe plenipotenciário. E é por ter criticado o chefe da “estrutura apodrecida” que foi raptado por agentes do Serviço de Investigação Criminal (SIC), organismo subordinado ao ministério do Interior, na manhã do dia 10 do mês em curso quando se deslocava ao posto médico acompanhado da tia.

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Hitler Jessy, na 14.ª Secção do Tribunal Provincial de Luanda | Foto: DW

Sem qualquer identificação, uma viatura parou repentinamente bloqueando o caminho e de lá saíram indivíduos armados que obrigaram Hitler e sua tia a entrarem no veículo. Era aproximadamente 8h, e só às 15h dissipou-se o paradeiro: estavam, ambos, detidos pelo SIC na Direcção Provincial de Investigação Criminal (DPIC) Luanda, no interior do comando provincial da Polícia Nacional. Essa confirmação surgiu quando a tia de Hitler foi colocada em liberdade e imediatamente ligou ao esposo a informar que o sobrinho permanecia detido.

Hitler padece de gastrite, e por isso se deslocava ao posto médico com a tia quando foi raptado, problema de saúde contraído aquando da prisão em 2015. Enquanto a tia era libertada, Hitler foi transportado ao hospital prisão do São Paulo para observação médica face às fortes dores de que se queixava, acompanhadas de febres. A célebre cadeia é onde o vice-presidente da Handeka passou a maior parte da prisão política anterior, e agora revisitava na mesma condição. Mas foi uma passagem rápida, pois no princípio da noite regressou à DPIC e lá continua.

Familiares e amigos permaneceram à porta da instituição policial. Tentaram entregar alimentação, sem sucesso, e consequentemente Hitler ficou mais de 24h sem comer, o que agrava o seu débil estado de saúde. Apenas no dia seguinte, segundo Mbanza Hanza, foi possível a família entregar a comida.

ADVOGADOS IMPEDIDOS

Na manhã de sábado, dia 11, os advogados Luís Nascimento e Zola Bambi rapidamente acorreram à DPIC com o propósito de iniciar as diligências para a libertação do detido, começando por compreender a acusação. Ficaram à porta porque não havia “ordens superiores” a permitir visita ao detido, nem mesmo de advogados.

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Advogados e amigos à porta da DPIC | Foto: Mbanza Hanza, no Facebook

Em 2015, a maioria dos 15 jovens activistas foram interrogados pela Procuradoria-Geral da República sem a presença de advogados, em violação à lei, isto porque não lhes foi dada a oportunidade de contactarem quem quer que fosse. Nos primeiros dias nem se sabia o paradeiro da maioria, o que levou os familiares a procurarem até em morgues.

Quando foram localizados, os advogados não tinham “autorização superior” para estarem com os presos. Foi preciso imensa pressão para que a “ordem superior” aparecesse, vários dias depois.

É o mesmo tratamento que os advogados enfrentam para conseguirem ter acesso ao seu constituinte, e disto certamente os causídicos lembram pois foram ambos advogados dos 15+2.

O VÍDEO DE HITLER

Hitler não é o primeiro dos 15+2 jovens detido novamente. No dia 1 de Maio foram julgados e condenados a 2 meses e 15 dias de pena suspensa e ao pagamento de multa no valor de 250 mil Kwanzas três activistas, nomeadamente, Arante Kivuvu, Utukidi Scott e José da Silva Alfredo, detidos quando participavam de uma manifestação contra o sócio do banco BIC Fernando Teles, acusado de usurpar terras de cidadãos no Kwanza Norte.

Solidário com os activistas estava, entre muitos, outro activista: Dito Dalí, um dos integrantes do processo 15+2, da qual fez parte também Arante Kivuku. No pátio do tribunal contestou a actuação dos agentes da Polícia Nacional, sobretudo do comandante queixoso, apontado como antigo membro do grupo criminoso HDA. Este ordenou a detenção imediata de Dito, e então foi julgado também sumariamente dias depois, acabado condenado a seis meses de pena suspensa e ao pagamento de mais de 200 mil Kwanzas.

É esta a situação precedente que motivou a gravação do vídeo onde Hitler no qual exige a João Lourenço: “Tira já os meus tropas da cadeia”. É com essa linguagem, sem filtros e vulgar entre a esmagadora maioria pobre da população angolana, que Hitler se dirigiu directa e frontalmente ao presidente da República, conforme vídeo abaixo.

O activista reconhece que aplaudiu as acções de João Lourenço, como as detenções dos apelidados de marimbondos. Mas demonstra o seu descontentamento com a libertação de Zenú dos Santos, “que desgraçou esse país”. 

“Wey, como é então você? Já estávamos a te aplaudir, estás a ir no bom caminho, no sei lá que, estavas a tentar fazer algumas manobras. Nós até estamos do teu lado. Você está mbora se meter connosco? E por outra, você disse na RTP que já não costumam reprimir manifestação [mas] você está a prender mós tropas por causa de manifestação?”, questiona Hitler no vídeo.

O momento em que começa a avisar João Lourenço para que “se mete a pau”, deixando claro que “o José Eduardo dos Santos que tinha mais segurança do que você, que tinha mais poder do que você, nós lhe tiramos”, constitui o ponto tido pelos aduladores do costume como um crime de ultraje a honra e ao bom nome do presidente, acusações já várias proferidas contra jornalistas e activistas durante o longevo mandato de JES.

“Você connosco não és ninguém. Você só tem 2 anos, ele [JES] tinha 32 anos quando começamos a lhe combater. É preciso se concentrar, João Lourenço. Nós não queremos problemas contigo, você é que estás a começar. Nós estamos já a te meter consciente, nós não temos problemas contigo, você quer ter problemas connosco”, continuou Hitler.

O activista toca no processo infrutífero de repatriamento de capitais levado a cabo com toda a pompa pelo presidente quando compara ao dinheiro que os jovens condenados tiveram de pagar para serem libertados, quase meio milhão de Kwanzas, enquanto aqueles que “roubaram [e] levaram lá fora [não] estás a conseguir repatriar os capitais. Ameaçaste bué, porque combate a corrupção, repatriamento coercivo, ninguém está a te dar dinheiro, agora queres vir roubar nosso dinheiro. Wey, você no mínimo está a gozar com a cara da tropa”.

Hitler lembrou que “nós tiramos o Zédú [que] tinha muito poder”, por isso pergunta: “Quem é você diante do José Eduardo dos Santos? É agora que você está a mandar boca porque nós demos iniciativa. Onde é que você estava durante esse tempo?”

Recordou que “em 2001 levantaste o braço porque querias ser presidente”, e desde aquela data foi relegado ao esquecimento, atirado em desgraça ao parlamento como humilhação. “Se não fosse nós [irmos] presos você devia ser presidente de Angola?”, pergunta mais uma vez. E, em comparação a JES, Hitler frisou que João Lourenço “não dá medo aqui a ninguém [porque] você não dá trabalho”.

Ao terminar o vídeo de quase três minutos, Tshikonde diz: “Estávamos a te aplaudir mas agora estamos a ver que você afinal também é outro malandro, e malandro com malandro vamos se dar bem. Também vais nos chamar de frustrado. Contínuas assim [e] vais ver”.

É esse o resumo da afronta a João Lourenço que ditou o raptou de Hitler, sem qualquer mandado judicial, ao arrepio da lei e em mais uma violação arbitrária à constituição que consagra a liberdade de expressão. Sim, estamos perante uma gravosa violação à liberdade de expressão, pois, ao ser detido por essas declarações, está mais uma vez reafirmada a existência do crime de opinião em Angola. E a liberdade de expressão é um direito humano.

OS CASOS ISOLADOS

Há quem diga que a detenção de Hitler e de outros activistas, como estão em Cabinda, sejam “casos isolados”, com razões legais que as justificam, pois o ambiente político nacional é de mudança para a democracia, com maior abertura, e para isso apontam o encontro de João Lourenço com os activistas no palácio, onde esteve também o reputado jornalista e activista Rafael Marques de Morais.

José Eduardo dos Santos também passou os anos a prender diversos jornalistas, activistas e políticos na oposição e até da situação e, porém, com a mesma justificação: casos isolados em que os detidos queriam colocar em causa a estabilidade nacional.

Eram tantos os “casos isolados” que chegou-se ao ponto de cidadãos indefesos terem sido mortos e atirados aos jacarés e matarem o jovem Hilbert Ganga por colar panfletos nos arredores do palácio. Até por colar panfletos mataram! Os executores foram sempre promovidos, e mais uma vez João Lourenço os tem promovido, como denunciou Rafael Marques de Morais. Matar recompensa! E prender também, com capa de “casos isolados”.

Continua…

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