CAMPO DA MORTE: CASO N.º 43: A CORRIDA

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VÍTIMA: Daniel Soempia Cambalo “Bruno Lamba”, 18 anos; Tomás Bonifácio “923”

DATA: 6 de Setembro de 2016

LOCAL: bairro 6, município de Viana

OCORRÊNCIA:

Dois indivíduos circulavam em motorizadas próximo do mercado da Mamá Gorda em busca de dois gatunos. Um dos jovens que interpelaram para obter informações falou com o Maka Angola. O jovem, que prefere o anonimato, identificou os indivíduos: um era agente da Polícia Nacional, fardado; outro era do SIC, ambos alegadamente afectos à 44ª Esquadra.

“Disseram-me que estavam a perseguir dois gatunos. Vinham a reboque, em duas motorizadas diferentes. Conheço bem os rostos deles”, afirma o jovem, que lhes indicou o caminho por deveriam seguir.

“Um deles [dos alvos] foi esconder-se em minha casa. Mal o meu pai o viu, expulsou-o logo. Ele nem sequer conseguiu falar, não estava armado e não tinha nada consigo”, conta a testemunha. “O meu pai não se atreveria a expulsar alguém que tivesse uma arma ou que fosse ameaçador. Lá fora, o rapaz foi logo baleado.”

Segundo a activista Laurinda Gouveia, que esteve no local minutos após o sucedido, os jovens foram encurralados num quintal de muros altos, que não conseguiram saltar, e ficaram à mercê dos agentes: “Os corpos estavam mesmo ao lado do muro. O jovem de t-shirt amarela, identificado como Bruno Lamba, levou um tiro na testa, outro no peito e mais outro no braço direito. O do casaco azul, conhecido como Tomás 923, do grupo Perturbados, foi executado com um tiro na nuca.”

Os corpos estiveram expostos durante quatro horas no referido quintal, que é habitualmente usado para a prática de judo, até que foram removidos pelo SIC.

O jovem-testemunha afirma peremptoriamente que o acto foi cometido por agentes da Polícia.

“Todos nós aqui podemos comprovar que são polícias. O da ordem pública andou aqui a correr com a pistola em punho na mão direita. O do SIC também. Todos nós vimos.”

“Segundo nos disse um dos agentes com quem falámos, de outra unidade e que seguiu o caso, a matança foi intencional”, revela o jovem.

Luciano Domingos, pai de Daniel Soempia Cambalo, tinha convidado o filho para o acompanhar nas suas diligências: “Ele recusou. Disse-me que tinha outros compromissos. Quando regressei a casa, fui informado da morte do meu filho.”

“O meu filho nunca teve processos de crime, nunca se envolveu em actos de delinquência. Trabalhava numa padaria. Eu sabia que ele tinha alguns amigos com desvios [delinquentes], mas um pai não pode saber e decidir sobre os amigos do seu filho”, continua.

É com gratidão que recorda como o filho ajudava muito a família: “Eu estou desempregado, sou ex-militar. O meu filho contribuía para o sustento da família com o que ganhava na padaria.”

Luciano Domingos explica por que fez o enterro do filho sem apresentar queixa às autoridades: “Se foi a polícia e o SIC quem matou o meu filho, como viram as testemunhas, achei desnecessário. Entreguei o caso às mãos de Deus e fiquei apenas com a dor.”

“A polícia e o SIC não estão a fazer um bom trabalho. Seria bom trabalho caso levassem os suspeitos à justiça para investigarem primeiro, antes de matarem. Tinham de apurar antes a verdade, não é só matar”, critica.

Para si, “as pessoas que apoiam esses assassinatos da polícia também são assassinas. O artigo 30.º da Constituição proíbe a pena de morte. Onde está o respeito pela vida humana neste país?”, questiona.

 

Fonte: «O campo da morte – Relatório sobre execuções sumárias em Luanda, 2016/2017», Rafael Marques de Morais

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