Presidente João Lourenço garante contínua luta contra a corrupção em Angola

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O Presidente da República, João Lourenço, reafirmou, em entrevista ao Canal France24, o contínuo combate contra a corrupção como uma das principais bandeiras do Executivo angolano.

O estadista angolano adiantou que o mesmo empenho imprimido na luta contra a corrupção no início do primeiro mandato mantém-se. “Nada mudou”, disse.

Durante a entrevista, a partir de Londres, João Lourenço abordou vários aspectos da política interna e externa, destacando que, contrariamente ao que se verificava antes de assumir a liderança dos destinos da nação, os órgãos de justiça em Angola continuam focados na luta contra a corrupção.

“Nós repusemos aquilo que era considerado normal, por algo que não era normal na altura, que é combater a corrupção. Nunca se combateu a corrupção”, declarou, a dado momento da entrevista, antes de reiterar: O novo sistema é combater a corrupção, o antes era promover a corrupção”.

Quero começar com a situação no Sudão. Há dois líderes militares a combater e a população civil a sofrer. O mundo está a tentar parar o derrame de sangue, mas parece que nada está a funcionar. Como avalia a situação no Sudão, Sr. Presidente?

De facto, estamos todos muito preocupados com a situação que surgiu muito repentinamente no Sudão. Aparentemente, tudo parecia estar bem, mas infelizmente, de repente, surgiu esta confrontação militar entre dois generais, um dos quais o general Abdel Fatah, Presidente do Conselho Soberano, com quem falei, estando já aqui em Londres. Consegui finalmente falar com ele. Como deve compreender, numa situação de conflito e com todo o mundo a querer falar com ele, para encorajá-lo a fazer a paz, não foi fácil conseguir falar. Mas, felizmente conseguimos. A conversa foi boa. Ele agradeceu o facto de todos estarmos preocupados em querer encontrar uma solução negociada para o conflito, que é a única saída. Não existe outra saída com vista a pôr fim aos combates.

Portanto, alcançar-se o cessar-fogo, negociar-se a paz que seja definitiva e que permita o regresso do grande número de cidadãos sudaneses que neste momento estão na condição de refugiados nos países vizinhos. Como sabemos, o número de mortos já é bastante elevado, vai na ordem das seis centenas, e sem falar do número de refugiados e de feridos.

O que parece bastante óbvio é que todos os parceiros externos não conseguem parar a guerra, mesmo a União Africana parece não ter conseguido impor uma solução pacífica…

Não faltam esforços neste sentido, todos nós estamos a trabalhar arduamente. Ninguém está de braços cruzados. Como sabe, o Sudão é um Estado-membro da Conferência Internacional da Região dos Grandes Lagos, daí eu ter tido a preocupação de falar com o presidente Abdel Al Fatah.

Sei igualmente que, quer o presidente da Comissão da União Africana, quer o presidente em exercício da União Africana, o Presidente das Comores, todos eles têm-se desdobrado em esforços no sentido de colocar os dois generais em contacto para negociarem a paz. Portanto, não é por falta de vontade e de interesse em ver esta situação resolvida. Este interesse existe, mas a paz também não é algo que se negoceie num dia. Leva o seu tempo, infelizmente.

Sr. Presidente, diante da situação na República Democrática do Congo, onde está profundamente envolvido a tentar encontrar uma solução para a paz no leste, o cessar-fogo alcançado em 7 de Março, ainda não foi totalmente implementado. Até que ponto esta situação o preocupa e se pode escalar para uma guerra entre a RDC e o Rwanda?

Penso que isto não vai acontecer, pelo menos no que depender de nós, tudo faremos para evitar que se chegue a esta situação de confronto directo entre os dois países vizinhos, a RDC e o Rwanda.

Sabemos que o M23 até agora está a respeitar o cessar-fogo. O passo seguinte, que lamentavelmente, ainda não foi dado, mas depende não apenas do M23, como também do próprio país, a RDC, é, como sabemos, segundo o Roteiro de Luanda, o acantonamento das forças do M23. Portanto conseguiu-se o cessar-fogo. A seguir tem de se fazer o acantonamento, para dar-se o início do processo de desarmamento e reinserção desses cidadãos congoleses na sociedade. Estamos a trabalhar para conseguirmos que se faça o acantonamento.

Angola ficou de enviar tropas precisamente para garantir as zonas de acantonamento. Portanto, tão logo as condições sejam criadas nessas regiões, teremos o nosso contingente preparado em poucos dias para começar a desempenhar este papel de garantir a segurança dos elementos do M23 que vão ser acantonados.

Ficou decidido enviar cerca de 400 soldados. O que está a dizer é que tão logo estejam no terreno o M23 vai ser desarmado e que isso levará a uma melhoria da situação em breve?

Acreditamos que sim. Temos de ser optimistas e partir do princípio de que o M23 vai cumprir a sua palavra. Eles estiveram em Luanda antes do cessar-fogo e deram a sua palavra em como iriam cumprir o Roteiro de Luanda. Portanto, respeitar o cessar-fogo, primeiro ponto; Segundo ponto, acantonamento: depois todo o processo que levará à sua desmobilização. O M23 é apenas um dos grupos que actuam ali na zona Leste e Nordeste da RDC. Portanto só resolver o problema do M23 não é tudo.

Mas é melhor do que nada. Pelo menos, é uma questão que se resolve, mas depois teremos de olhar para os outros grupos que igualmente ameaçam a segurança das populações e a economia daquela região.

Estou a referir-me, por exemplo, ao caso da Aliança das Forças Democráticas (ADF), que têm realizado acções bastante negativas naquela região circundante da cidade de Ngoma e praticamente dos Kivus, Norte e Sul.

Disse que o M23 aplaudiu o cessar-fogo, o que dizer do Exército congolês? Porque as autoridades da RDC estão constantemente a acusar o M23, o Rwanda de não quererem a paz. Estão a cumprir o compromisso ou também há problemas?

As autoridades congolesas estão a cumprir. É evidente que gostaríamos que o timing para a criação das condições para o acantonamento fosse encurtado o máximo possível. Não é o que está a acontecer, mas vamos confiar em que daqui para a frente as coisas vão ser feitas com maior rapidez. Temos estado em contacto permanente com as autoridades congolesas ao mais alto nível. O Presidente Tshisekedi tem ultimamente se deslocado a Luanda com alguma frequência para tratarmos, exclusivamente, deste caso do M23.

O que dizer do Presidente Paul Kagame? Tem estado comprometido com estes esforços para alcançar a paz?

Não temos razões de queixa em relação ao Rwanda depois da última Cimeira de Addis Abeba. Portanto, foi o Presidente Paul Kagame, a meu pedido, que pôs Angola em contacto com a direcção do M23. Estávamos com alguma dificuldade em contactar o M23, porque recebemos esta incumbência de fazer este contacto, e quem facilitou foi o Presidente Kagame. Logo a seguir, dias depois, a liderança do M23 foi a Luanda e com eles trabalhamos. Temos de ser justos a reconhecer que quem tem um gesto neste sentido está em princípio de boa vontade. Não temos razões de queixa.

Quero falar do envolvimento da Rússia em África. A França e os Estados Unidos têm condenado o papel da Rússia, principalmente o denominado Grupo Wagner, que está presente na República Centro Africana e no Mali. Concorda com as críticas que a França e os Estados Unidos fazem da actuação destes mercenários ou acha que não é um problema?

As Nações Unidas consideram o mercenarismo um crime. Agora, põe-se a questão de saber a classificação a que se deve dar ao Grupo Wagner, se é mesmo um grupo de mercenários ou não. Eles estão, de facto, na RCA, mas esta é uma questão que só depende das autoridades do próprio país.

Penso que estão lá a convite das autoridades da RCA, Angola está envolvida neste processo de pacificação da RCA, mas nunca abordamos o problema do Grupo Wagner. Porque entendemos que é um assunto que as autoridades do país devem resolver directamente.

A França, como sabe, retirou-se de alguns países aí da região do Sahel, nomeadamente, o Mali. As autoridades malianas na sequência do golpe de Estado, chamemos-lhes assim que teve lugar, entenderam convidar o Grupo Wagner. A responsabilidade em princípio é deles. Deve-lhes ser imputada. Esta é a nossa posição.

A França gastou muito tempo, energia, dinheiro e vidas nesta operação na região do Sahel e decidiram retirar-se e, com um resultado, obviamente, nada convincente. Se olharmos a posição dos outros grupos, parece haver maior controlo. Não será isso um fracasso da França decidir envolver-se nesta guerra e depois retirar-se?

Não, a França não decidiu retirar-se dos países onde esteve. É que a partir de uma determinada altura, por razões que só eles podem explicar, entenderam que a presença já não era necessária. Nalguns casos limitavam-se a dizer que já não era necessária. Noutros casos, diziam mesmo que até era perniciosa.

Com razão ou sem razão, a responsabilidade da saída das tropas francesas dessa parte do nosso continente é dos países. A França não se retirou por vontade própria, mas foi, digamos, convidada a retirar-se.

Até que ponto o preocupa o regresso dos golpes militares em África Ocidental e agora o que está a acontecer no Sudão. A resposta contra estes golpes tem sido adequada ou julga que as pessoas aceitam de forma passiva?

É óbvio que os golpes de estado são condenáveis. Não se pode pensar sequer que os africanos estão satisfeitos com esta situação dos golpes de estado que estão a acontecer num número cada vez mais elevado, numa região muito bem identificada, na África Ocidental, onde pelo menos, três países já foram vítimas desse fenómeno: Burkina Faso, Mali e a Guiné. O continente tem de lutar contra esta tendência que parece estar a voltar.

Como sabem, os golpes de estado eram bastante vulgares, na década de 1960. Imediatamente após as independências dos nossos países, houve um período longo em que a situação se estabilizou, porque houve um combate acérrimo, com a comunidade internacional a condenar de forma muito firme o surgimento de golpes de estado, mas ultimamente o fenómeno regressou.

A União Africana, portanto, e as organizações regionais têm feito aquilo que está ao seu alcance, no sentido de reverter a situação e fazer com que a normalidade constitucional seja reposta nesses países.

Há quem diga que não basta fazer conferências, não basta mandar delegações nesses países contactar as lideranças políticas que tomaram o poder pela força, ou União Africana ou organizações regionais deviam, talvez, mobilizar contingentes militares para desalojar essas novas lideranças. Isso deve ser visto com alguma cautela e não nos podemos limitar a dizer que a solução é esta. Em princípio cada caso é um caso.

Quando chegou, a luta contra a corrupção esteve no centro do seu Programa de Governo. Em Dezembro último, a Justiça declarou que Isabel dos Santos, a filha do antigo Presidente da República, estava sob investigação por corrupção e desvio de fundos públicos. A Interpol emitiu um alerta vermelho para a sua detenção. Mas publicamente, ela parece viver livremente no Dubai ou Londres e não parece ter receio de ser detida, se calhar pensa que não há hipótese de ser detida…
Está em Londres? Não sabia (risos).

Esteve no Dubai. O que quero dizer é que ela não parece ter receio de ser detida…

Para responder à sua pergunta, o mesmo empenho com que imprimimos na luta contra a corrupção no início do nosso mandato, esse empenho mantém-se. Nada mudou. Em relação a este caso concreto, o assunto está entregue à Interpol. Nós fazemos fé que a Interpol vai cumprir o papel que lhe compete e nós não queremos, em princípio, interferir.

A família dos Santos diz que isso não é investigação e sim uma perseguição política. Alguns observadores dizem que o Sr. Presidente substituiu o anterior sistema com o seu sistema. Como responde a estas críticas?

Ela tem contas a ajustar perante a Justiça e é com a Justiça que ela se deve defender. Costuma-se dizer que “quem não deve não teme”. Deve responder perante a Justiça e alegar o que bem entender na Justiça e não na comunicação social. Fala em reposição do sistema anterior. O actual sistema é de combate à corrupção. Portanto, diz bem: é mesmo uma reposição! Não é uma continuidade, é uma reposição. Nós repusemos aquilo que era considerado normal, por algo que não era normal na altura, que era combater a corrupção. Nunca se combateu a corrupção!

A corrupção só está a ser combatida agora no meu mandato. Os órgãos de Justiça nunca tiveram tanto trabalho a tratar deste tipo de crime específico. Em todos os países há “n” tipo de crimes, mas os órgãos de Justiça em Angola: PGR, os tribunais de todas as categorias, de todos os níveis, nunca se dedicaram tanto a tratar de casos de combate à corrupção como agora no meu mandato.

O que houve foi, de facto, uma reposição e não uma continuidade. Se se diz que repôs o sistema antigo pelo novo, está bem-dito. E eu estou de acordo. O novo sistema é combater a corrupção, o antes era promover a corrupção.

Uma questão ligada ao fim dos mandatos. Sabemos que em alguns casos devem ser dois mandatos, mas tomam decisões de alterar a Constituição. A nova Constituição trouxe algumas tensões no seu país, quando decidiu concorrer para o segundo mandato. Talvez decida concorrer para um terceiro mandato ou esta questão está clara em Angola, neste ponto específico?

Não há razão nenhuma que justifique um golpe de estado. Absolutamente nenhuma. Portanto, se alguém não está a governar bem, os eleitores devem castigá-lo nas urnas. Aguardar que haja eleições e esse partido político, este candidato que se apresente para governar o país nos anos que se seguem às eleições se não está a governar bem, será penalizado.

Repito e gostaria de sublinhar, que nada justifica, absolutamente nada, nenhum argumento pode surgir a favor da necessidade de se dar um golpe de estado. No caso concreto de Angola, eu penso que é cedo para se falar no assunto. Acabamos de sair das eleições agora. As próximas serão em 2027. A minha resposta está dada, se calhar podemos falar disso mais lá para 2027.

Quero falar da guerra na Ucrânia. O Presidente Lula, do Brasil, há alguns meses, disse que o Presidente da Ucrânia, Zelensky, tem tanta responsabilidade quanto o Presidente da Rússia, Vladmir Putin. Este ponto de vista foi fortemente criticado por muitos países. Partilha das palavras do Presidente Lula?

Não é elegante que um Chefe de Estado comente as posições de outro Chefe de Estado. Mas posso responder doutra forma: dizer qual é a posição de Angola. E depois o senhor compare e veja se as posições coincidem ou não. A posição de Angola neste conflito que opõe a Rússia à Ucrânia é que o mundo deve tudo fazer no sentido de garantir, respeitar, quer a soberania, quer a integridade territorial dos países. São duas categorias que devem ser consideradas sagradas, uma vez que a Carta das Nações Unidas assim o define. O Direito Internacional define que a independência, a soberania e a integridade territorial dos países devem ser respeitadas.

No caso desse conflito, é evidente que a soberania e a integridade territorial da Ucrânia foi violentada, não foi respeitada pelo país vizinho, que é a Rússia e nós não podemos estar de acordo com isso. Agora compare uma posição e a outra, de Angola e do Brasil, e tire as suas conclusões.

Sente que esta guerra na Europa, com a NATO envolvida, os Estados Unidos envolvidos, grande parte da Europa, mas o Sul está, através das sanções, a pagar as consequências desta guerra?

O mundo todo está a pagar as consequências desta guerra, não apenas o Sul. A Europa em primeiro lugar, está a pagar as consequências desta guerra. Mas de uma forma geral, o mundo está a pagar as consequências, uma vez que ela provocou várias crises. Uma crise de segurança, uma crise humanitária, crise financeira, crise alimentar e crise energética. Portanto, uma sucessão de crises que não se limitam às fronteiras da Europa. O mundo todo está a sentir, de forma dura, as consequências desta guerra.

Daí, ser isso uma das razões por que todos apelem para que se chegue a um cessar-fogo o mais rápido possível; que se negoceie uma paz que seja duradoura, não apenas entre esses dois países que devem ser amigos, a Rússia e a Ucrânia, mas uma paz que deixe o povo europeu sem sobressaltos durante séculos.

Tem de ser uma paz para a Ucrânia, uma paz para a Europa e, de alguma forma, uma paz para o mundo. Essa guerra da Ucrânia ameaça a paz e a segurança, não apenas europeia, mas universal.

Todos sofremos. Como não queremos continuar a sofrer, todos estamos envolvidos em cada um, a seu jeito, na medida da sua dimensão, procurar ajudar a encontrar uma solução para esta guerra na Ucrânia. A China pode ser um bom mediador?

A China pode sim, conforme eu dizia, numa das minhas intervenções públicas, que pela influência que os Estados Unidos têm sobre o Ocidente, pela influência que a China tem sobre a Rússia, portanto, não só a China mas os dois, de um lado os Estados Unidos e do outro lado a China, se chegarem a um entendimento, essas duas grandes potências podem jogar um papel decisivo na busca da paz definitiva deste conflito russo-ucraniano.

Não olhemos só para a China, mas os Estados Unidos também têm parte da responsabilidade, no sentido de que, se quiserem, quer os Estados Unidos, quer a China, juntando energias, podem ser determinantes para um bom desfecho deste conflito russo-ucraniano.

Presidente João Lourenço, muito obrigado pelo seu tempo e por ter respondido às nossas perguntas.

Muito obrigado!

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