POTENCIAL DE ÁFRICA DESTACADO NA QUINTA EDIÇÃO DOS DIÁLOGOS CULTURAIS

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O projecto Ubuntu realizou ontem, sábado, na mediateca de Luanda, a sua quinta edição dos “Diálogos culturais” com o tema “A presença da genialidade africana na construção da civilização humana”. O espaço da mediateca foi pequeno para albergar o número de pessoas que queriam acompanhar o diálogo. O mesmo contou com a presença de mais de 150 participantes.

Texto de Pedro Gonga

O “diálogo”, que estava previsto para começar às 11H, iniciou minutos depois das 13H, atraso reconhecido por Isidro Fortunato, membro da organização, que justificou com questões organizativas devido ao número de aderentes que superou as expectativas mas que garantiu que não voltará a acontecer nas próximas edições, visto que “a ideia do projecto Ubuntu é melhorar a cada edição”.

A presidente da Handeka e ex-vice-ministra da educação no GURN, Alexandra Simeão, foi uma das palestrantes ao evento, juntamente com o músico Flagelo Urbano e o inventor Mavi Nguengo, convidado especial da edição, e teve como moderadora Mimi Malkia.

Alexandra Simeão | Foto de Rádio Angola

Falando sobre “como incentivar a genialidade africana nas sociedades africanas: o caso de Angola”, Alexandra Simeão frisou que “África foi o lugar das primeiras descobertas, daí estaríamos a falar da genialidade africana não só como berço da humanidade como também das civilizações”. Simeão esclareceu aos presentes que o homem africano já há muitos anos vem desenvolvendo as suas actividades sociais, culturais e económicas sem a necessidade da intervenção estrangeira, e apontou como exemplo a passagem da colheita de frutos silvestres (nomadismo) para a prática da agricultura (a sedentarização).

“A metalurgia, por exemplo, foi uma conquista em Africa, a matemática e a geometria são conhecimentos antigos em África. Temos o caso das pirâmides”, reforça Alexandra Simeão.

Alexandra Simeão fez ainda menção às “lutas pelo poder” que, em seu entender, terá sido “um dos grandes motivos do atraso que hoje vivemos”.

“Um outro grande problema que tivemos eram as guerras pelo poder, resultado do grande atraso que hoje vivemos. Não conseguimos ter empreendimento entre nós, mesmo já a África independente nessa altura. Os governos que ganharam as eleições nunca consideraram o ´povo´ como prioridade”, lamentou.

A activista continuou dizendo que “os governos africanos, em particular o de Angola, ao invés de investirem na sabedoria e empoderamento próprio, preferem continuarem a buscar os exemplos lá fora, preferem ir buscar empresas lá foram para virem nos ajudar, entre aspas, porque o preço que temos que pagar é muito alto diferente do verdadeiro sentido da palavra ajuda, o que quer dizer que todas essas lideranças, os seus programas que desenvolveram e continuam a desenvolver tem mais a ver com o seu apetite da manutenção do poder, tem mais a ver com a sua riqueza pessoal, com o fortalecimento do seu poder, do que com a nobre missão de salvaguardar os valores e a integridade do povo”.

A ex-vice-ministra da Educação para área social lembrou que a história do mundo aponta que “não há evolução sem educação, seja qual ela for”. O que a leva a aconselhar os dirigentes africanos, em particular os de Angola, a apostar mais nessa área, “porque só ela irá alavancar o país”. Alexandra considera grave e absurdo que um país independente já há 42 anos não tenha criado ainda um modelo próprio de educação, e acrescenta que “por uma orientação partidária criou-se um modelo educativo com base no ´copy past´ e mal feito, porque mesmo fazendo um copy past é preciso sermos inteligentes”, pois “podemos até copiar o modelo, mas não o conteúdo, porque não faz sentido nenhum um país que tem a primeira ou segunda maior taxa de mortalidade do planeta e na escola primária ensinarem apenas língua portuguesa, matemática, estudo do meio, história, geografia, etc, em pleno século XXI, isso demostra que a colonização ainda é patente”.

Ao aflorar sobre a “descolonização da escola em África”, Simeão fez saber que “temos que ter primeiro em consciência que tipo de cidadão é que queremos construir, porque o cidadão constrói-se na escola e na família, e na família nem sempre consegue ser grande o foco devido a descolarização de muitas famílias”. Com essa distinção em saber que “tipo de cidadão queremos ter será fulcral na construção da nova escola, porque nessa nova escola que queremos criar ela deve enaltecer a nossa cultura, e para isso é preciso que nós investiguemos mais”.

Ao terminar a sua abordagem, Alexandra Simeão disse: “É essencial também sabermos que tipo de aluno é que queremos ter e que é preciso termos a capacidade de distinguir onde erramos e onde queremos chegar. Por exemplo, se continuarmos a ter uma escola pobre e se os alunos continuarem a percorrer quilómetros e quilómetros para chegarem à escola, que a princípio já se alimentam mal, por mais inteligentes que eles sejam nunca terão qualidade ou sucesso escolar. Chamaríamos a isso de desigualdade manifesta. Por isso, temos que combater essa sociedade que estamos a ter, sem moral”.

O prelector Flagelo Urbano começou a sua abordagem colocando uma questão aos presentes: “O que é que nós temos aprendido nas escolas e o que é que a escolas nos têm ensinado”? Flagelo centrou-se na filosofia africana e fez saber que foram os egípcios que fundaram a filosofia, e não como se tem dito em alguns manuais do ocidente e denominavam a filosofia como “Riket”, o que significava “um homem em reflexão”, diferente do ocidente que dizem que é ” amor ao conhecimento”.

Ainda na sua explanação, Urbano falou de Imotep, filósofo africano e alquimista que desempenhou vários papeis sociais e que terá sido o primeiro homem a conceber a primeira pirâmide, a pirâmide luçacara. Disse ainda que o teorema de Pitágoras existiu antes de Pitágoras, o que o leva a crer que Pitágoras terá extraído esse legado de Imotep. E lembrou aos presentes que “Imotep é o primeiro homem a construir/fundar um hospital da humanidade”. Flagelo mostrou aos presentes vários africanos da antiguidade que são conhecidos como inventores africanos. E desmentiu a ideia de que o homem mais rico que já passou na humanidade é o rei David, como a bíblia ensina. Para ele, o homem mais rico que a humanidade já conheceu é Mansa Kankan Musa, africano, cuja riqueza foi quatro vezes maior ao homem mais rico da actualidade.

Flagelo Urbano chama atenção à frase “conhece a verdade e a verdade libertar-te-á”, dizendo que a bíblia atribui como expoente máximo da frase acima Jesus Cristo, o que constitui um erro, porque segundo ele, Jesus nunca terá dito isso, mas sim João é que terá atribuído à Jesus.

Flagelo Urbano | Foto de Rádio Angola

Para terminar a sua explanação, Flagelo Urbano levou os participantes a fazerem uma curta viagem ao ocidente, com as suas abordagens, onde mostrou também aos presentes que existe uma frase que é atribuída de forma errada ao filósofo Heráclito: “Tudo vibra, tudo se move, nada está inédito, tudo está em movimento”. Para Flagelo Urbano, Heráclito nunca o tinha dito, mas sim quem terá dito é Imotep.

“O ocidente veio tenta tapar-nos o sol com a peneira, considerando eles os únicos inventores, os únicos descobridores, isso é errado, eles vêm aqui e roubam, levam para as suas terras, para depois virem aqui dizer que são eles que criaram/inventaram, isso é errado”. E fez lembrar aos presentes que a “África não é o berço da humanidade, África é a humanidade. África não é berço das viciações, África é a civilização, porque tudo começa em África. Ocidente tem isso em mente, o africano também deve ter isso na consciência, comecemos já a despertar a nossa consciência”.

O inventor angolano Mavi Nguengo apenas apresentou as suas invenções, isto por escassez de tempo. Mavi é criador de óculos para a vigilância policial, ou seja, “óculos inteligentes” que são capazes de identificar uma carta de condução falsa, carros roubados, marginais foragidos e o comportamento de um agente regulador de trânsito e da ordem pública durante o exercício das suas funções.

Isidro Fortunato, um dos mentores do projecto Ubuntu, falando ao microfone da Rádio Angola disse que a finalidade da iniciativa é “levar o debate cultural para despertar a consciência individual ou colectiva, o resgate cultural urgentemente, porque estamos numa sociedade que não temos os nossos valores, não temos as orientações culturais e isso é um atentado para qualquer nação”. Isidro sente que o dever do projecto está a ser cumprido e acredita mesmo que os jovens estão despertando culturalmente as suas consciências.

“Conseguimos notar que há uma adesão massiva dos jovens à cada edição. Por exemplo, estamos aqui desde as 9H e os jovens não param de chegar e inclusive a mediateca se tornou tão pequena que já não há mais espaço para as pessoas sentarem. Os jovens tiveram a paciência de esperar até as 13H pelo início do diálogo. Isso demostra que o despertar cultural já começou”, vincou Fortunato.

Questionado sobre a relação do projecto com o ministério da Cultura, Isidro Fortunato lamenta a má actuação do órgão Executivo porque, segundo ele, o ministério não tem colaborado de forma eficiente na emancipação daquilo que realmente o projecto pretende alcançar.

“O ministério não insere no currículo escolar as línguas nacionais, a representação dos negros no currículo escolar, são essas e outras práticas que queremos ver o ministério a pôr em prática”, avançou, acrescentando que “é preciso romper com alguns conceitos que são incutidos nas mentes de muitos estudantes e de forma errada desde o ensino primário”.

“Por exemplo, continuamos a ter livros que afirmam que o branco descobriu tudo, o branco já nos descobriu, e ainda descobriu tudo que é ciência que existe no mundo”, exemplificou Isidro Fortunato, que questiona “onde nós estávamos afinal para sermos descobertos”. “É preciso destruirmos essas retóricas que têm travado o desenvolvimento da nossa juventude”, terminou Isidro Fortunato.

A quinta edição dos diálogos culturais contou com alguns momentos culturais, onde o poeta identificado apenas por Pedro brindou aos presentes com duas poesias declamadas em línguas nacionais. E o músico Kid MC cantou e encantou os participantes ao diálogo com uma pequena ‘a capela’ devido a falhas técnicas.

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