“Paz no prato a gente não tem”, diz activista Eduardo Ngumbe

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Eduardo Ngumbe, activista cívico e jornalista comunitário sedeado em Benguela, precisamente no município do Lobito, falou à RA sobre o desemprego que tem assolado sobretudo a juventude benguelense.

Na “época das vacas gordas”, como Eduardo Ngumbe chama o período em que o barril de petróleo era vendido a preços altíssimos, o governo angolano não conseguiu criar postos de trabalho suficientes para que, através do trabalho, os cidadãos usufruíssem de bem-estar social. Agora que o país enfrenta uma crise financeira catastrófica, pois economicamente depende em mais de 70 por cento dos lucros do petróleo, o activista lamenta o desemprego dos jovens que agudizou na província das acácias rubras.

Ngumbe trabalhava numa empresa petrolífera, a Sonamet. Há dois anos a empresa começou a demitir trabalhadores para fazer face à crise financeira, poupando em pagamentos salariais. Eduardo Ngumbe foi abrangido.

“Segundo eles [direcção da Sonamet], a produção petrolífera baixou e não podiam ter meios para suportar todos os funcionários que tinham”, contou Eduardo.

A Sonamet, bem como a construtora Odebretch, são duas empresas privadas que empregavam muitos jovens na província de Benguela. Actualmente, a construtora brasileira praticamente encerrou os trabalhos naquela província. Os projectos de refinaria, construção de estradas e outros que a empresa que enfrenta problemas judiciais no Brasil tinha em Benguela paralisaram.

“Pelos dados que tenho, lá só há um número restrito de funcionários que estão a conseguir manter a empresa para não ir à falência”, disse Ngumbe, acrescentando que muitas decretaram mesmo falência.

O alto nível de desemprego fez subir também o índice de criminalidade na província. Eduardo garantiu que só não enveredou pela delinquência graças ao activismo.

“Nunca optei pela via do crime porque o activismo na qual estou inserido me põe a reflectir muito. Sempre que penso nisso, pois há dias que passo fome e imagina que sou o primeiro filho dos seis que os pais têm, e já constitui uma família, quando olho o sofrimento da minha mãe que não tem nada para comer em casa dela, olho para minha casa e não tem nada, várias vezes já chorei. Nunca enveredei para onda de criminalidade porque o activismo me educa”, assegurou.

Mas a maioria dos jovens desempregados de Benguela não têm a educação cívica que Eduardo tem. Os assaltos aos bancos, roubos de telemóveis a mão armada, à luz do dia ou à noite, e roubos de botijas de gás aumentaram no Lobito. A cidade está apinhada de mendigos a pedir esmolas como há muito não se via. É também possível assistir indivíduos que realizam trabalhos precários a andar pelas ruas para contactar eventuais clientes de porta em porta.

“Naquele tempo havia precariedade, a guerra impedia o desenvolvimento, mas havia comida e dinheiro. Agora não há comida, não há dinheiro, mas temos paz. Eles andam a dizer nos seus discursos que temos paz, mas paz no prato a gente não tem, paz na teoria”, frisou.

Tal como na capital do país, em Benguela também muitos estudantes universitários desistiram da formação superior. Há relatos de finalistas da licenciatura que abandonaram as universidades por falta de dinheiro para pagar as mensalidades, pois foram demitidos dos empregos que serviam para pagar as contas.

Aconselhado pela mãe, Eduardo Ngumbe chegou a solicitar emprego num membro do regime angolano. Profissionalmente o activista é soldador industrial, e foi nessa qualidade que solicitou trabalho. Dias depois, quando foi entregar a documentação, o dono da empresa lhe disse que tinha receio em lhe empregar para não comprometer a sua empresa.

Quando o administrador municipal do Lobito chamou Eduardo, os familiares do activista disseram para não ir por temerem que fosse morto. A família ficou tranquila com o argumento segundo a qual a administração municipal não podia chamar-lhe para o matar. A conversa com o administrador foi no sentido de silenciar o activista. Foram feitas propostas de emprego mas cuja contrapartida seria o não envolvimento em protestos contra o governo.

“Eu lhe disse que não posso. Isso é algo que não faço por mim. Amanhã estou bem mas vai me doer ver outras pessoas a passar pelas mesmas dificuldades que passo”, retorquiu.

“NÃO EXISTE IGUALDADE DE OPORTUNIDADES”

A forma como o presidente da República José Eduardo dos Santos “cafricou” o país, dando tudo “à sua família e seu grupo que lhe protege”, é prova de que “não existe igualdade de oportunidade aqui e nunca existiu”.

Tanto agora como no tempo em que havia emprego, a apresentação do cartão de militante do partido MPLA para preenchimento de vagas em algum sector é exigido também em Benguela.

A JMPLA, braço juvenil do partido-governo, recentemente organizou um curso de empreendedorismo na província. Sob a capa da propalada diversificação da economia, o secretariado juvenil da organização partidária prometeu aos participantes distribuir dinheiro para que investissem em projectos. Até agora, segundo Eduardo, os participantes não receberam dinheiro algum. Apenas foram apresentados novos militantes no final da “formação em empreendedorismo”.

“Eles obrigam as pessoas a serem do MPLA, e se não quiser, então fica o último da fila e nunca terá acesso a nada”, frisou.

O governador provincial, Isaac dos Anjos, quando questionado sobre a falta de empregos, tem admitido que a razão é porque o Estado faliu. Em contrapartida, diz aos jovens que “procurem fazer qualquer coisa”.

Ao finalizar a entrevista, Eduardo Ngumbe lembrou aos povos de Angola que as eleições estão às portas, pelo que “quem realmente sente que está a sofrer que vote na mudança”.

“O MPLA vem ali com a propaganda, carnes, pinchos e tudo mais… mas não é por me dar um jantar hoje que vou esquecer que passei fome durante um ano. Na hora do voto votem de forma consciente e ordeira na oposição, esta é a melhor saída”, apelou o activista e jornalista comunitário.

Radio Angola

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