Padre Pio alerta que João Lourenço poderá ser “delfim” de JES

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Perante a indicação de João Lourenço como cabeça de lista de deputados do partido MPLA, a Rádio Angola entrevistou o padre Pio Wacussanga, angolano residente na Huíla e crítico feroz à governação levada a cabo pelo referido partido desde a independência do país, precisamente em 1975. Entretanto, apesar de ser uma decisão de carácter intrapartidário, o sacerdote começou por afirmar que é também uma questão de interesse nacional pelo modo como esta decisão implica os angolanos.

Caracterizando a nomeação como uma decisão de emergência, isto devido à condição de saúde do actual presidente da República e do MPLA, José Eduardo dos Santos, Pio Wacussanga realçou que “isto ainda não é transição política”, pois “a simples nomeação não significa que realmente este venha a operar a transição em Angola”. Adiante, o clérigo destacou que “é apenas uma sucessão”. “A mudança, ainda assim, é cosmética. Não é uma mudança estrutural”, frisou.

Sem saber exactamente as razões que levaram José Eduardo dos Santos, deixando espaço para especulações, desde problemas de saúde a afirmações de que seja por desgaste pela longevidade na presidência, padre Pio foi categórico ao dizer que “o tempo de governação foi prolongado demais, e a falta de um processo de alternância regular prejudicou o crescimento da democracia, o funcionamento das estruturas políticas, económicas e sociais, e trouxe como legado a endémica corrupção, a partidarização das instituições públicas, incluindo as igrejas”.

A ausência de José Eduardo dos Santos nas eleições previstas constitucionalmente para este ano é uma oportunidade para a oposição mas, avançou o padre, só se a mesma parta para o pleito unida em termos de ideais e consiga convencer o eleitorado.

Questionado sobre o que se espera em caso de eventual vitória de João Lourenço, Pio Wacussanga afirmou: “Ele tem duas possibilidades. Ou fica um delfim de Eduardo dos Santos, fecha uma vista à corrupção, vira para o lado em relação ao facto de boa parte de parentes de Eduardo dos Santos ter assumido a riqueza do país, as instituições que gerem o erário público, o tesouro que vem da riqueza nacional, e vai continuando a varrer o lixo para debaixo do tapete, ou então, a certa altura, ele faz uma rotura e nessa altura a função e papel de João Lourenço não será facilitada”.

O facto de João Lourenço não falar nenhuma língua nacional, de acordo com a sua nota biográfica divulgada, mereceu menção do padre, que disse não defender que o mesmo tenha conhecimento profundo de alguma língua nativa. Porém, o sacerdote defende que ele deve conhecer a matriz cultural da diversidade de Angola. “Se ele vier a perceber isso, então fará uma grande diferença com o seu predecessor”, notou.

 

Anteriormente tido como persona non grata por José Eduardo dos Santos, isto por no passado se ter disponibilizado para substituir o presidente no cargo partidário, Pio Wacussanga pensa que essa reviravolta talvez seja fruto de “um consenso possível entre os militantes”.

O padre disse ainda ser conflito de interesse o facto de Bornito de Sousa, ministro da Administração do Território, órgão ministerial que está a realizar o registo eleitoral, ser ao mesmo tempo candidato a vice-presidente da República pelo MPLA.

“Então alguém que é candidato a vice-presidente de Angola, é parte de um jogo que organiza essa mesma vice-presidência através das eleições, como é que se pode distanciar de uma coisa que ele mesmo está a organizar. Há incompatibilidades, claro. Se ele quiser oferecer maior transparência ao processo, é só questão de ele renunciar ao cargo de ministro do MAT e teria resolvido esse problema de falta de lisura e conflito de interesse”, esclareceu.

Ainda sobre as eleições programadas para este ano, Pio Wacussanga exortou os angolanos a participarem activamente no pleito eleitoral.

“Sei que muitas pessoas estão desanimadas, muitas não querem se registar, mas não devemos fazer isso. Deveremos nos registar para realmente não sermos acusados de refractários, e se quisermos desencadear a alternância temos de necessariamente votar. Mais tarde o resultado mostrará o quão forte é o nosso voto, ou o quão estão corrompidas as instituições, as tentativas de corrupção, como esta da incompatibilidade entre ser o ministro que organiza as eleições e ao mesmo tempo ser candidato a vice-presidência resultante das próprias eleições”, encorajou.

Apelou ainda os angolanos a desencadearem a transição de Angola de um Estado ditatorial, em forma de democracia disfarçada, para um Estado verdadeiramente democrático e de direito.

Padre Pio é também uma das vozes crítica ao regime quando se trata de usurpação das terras de angolanos, com destaque para os casos que ocorrem na região dos Gambos, mais ao sul do país. Recentemente foi ameaçado pelo governador do Cunene, o general Kundi Paihama. Entretanto, Pio Wacussanga garantiu que continuará a elevar a voz da comunidade e fazer com que essa voz se faça elevar, se faça ouvir, permitindo que as pessoas contactem as instituições para resolução dos seus problemas.

Perguntas e sugestões podem ser enviadas para [email protected]. A Rádio Angola – uma rádio sem fronteiras – é um dos projectos da Friends of Angola, onde as suas opiniões e sugestões são validas e respeitadas.

Radio Angola

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