MUNICÍPIO DO CAZENGA: MAIS DE DUAS MIL FAMÍLIAS DEIXARAM AS RESIDÊNCIAS DEVIDO ÀS INUNDAÇÕES

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O arquitecto urbanístico da ONU-Habitat alerta que o problema das inundações pode piorar se as construções anárquicas não forem travadas e lamenta que os planos e gestão urbana não sejam capazes de absorver o crescimento populacional de forma sustentável

Mais de duas mil famílias que viviam em aproximadamente 300 casas do Bairro 11 de Novembro, município do Cazenga, estão agora em casas de familiares por as suas continuarem inundadas pelas águas das últimas chuvas.

As casas permanecem inabitadas porque na rua do Mabululu, onde se situam, há uma bacia de retenção da água da chuva e faltam canais de saída. Alguns moradores, que disseram ao Jornal de Angola que sempre que chove a zona fica completamente inundada, culparam a administração municipal por “tudo isto”, pois permitiu que “várias famílias construíssem casas nas linhas de saída da água”. Agora, sublinhou um deles, “nós é que pagamos”.

João Marques é vitima a dobrar. Além de a casa ter sido afectada, a sua padaria está encerrada

João Marques, 82 anos, residente há 42 na Rua do Mabululu, lembrou que, até 2008, “quando não havia ainda casas sobre as linhas por onde passa a água da bacia de retenção, os moradores não tinham este problema”.

“Não se pode culpar as famílias que construíram sobre aqueles pontos. A responsabilidade é da administração municipal”, afirmou revoltado.

João Marques é vítima a dobrar. Além de a casa ter sido afectada pela chuva, tem uma padaria, que era o único meio de sustento, praticamente inoperante desde 2009, devido igualmente às inundações.

“Agora, para comer, tenho de mendigar. A minha esposa tem de ir aos supermercado pedir restos de comida para nos alimentarmos”, lamentou, para acrescentar que devido “a esta situação” está “muito endividado e não sabe “onde encontrar dinheiro para pagar as dívidas”.

A padaria do senhor João Marques foi, no tempo do partido único, supermercado mandado construir pelo Ministério do Comércio Interno. O ancião, que vive com a mulher, uma filha e um irmão, referiu que, além do estabelecimento estar encerrado, perdeu um gerador de sete KVA e uma electrobomba, que deixaram de funcionar em consequência das últimas chuvas.

Cabine submersa

A Empresa Nacional de Distribuição de Energia (ENDE) instalou na zona adjacente à bacia de retenção uma cabine que fornece, quando não chove, energia eléctrica a mais de 20 bairros do município do Cazenga. Quando chove, fica submersa.

Quando chove a empresa de distribuição retira energia ao bairro porque a cabine fica submersa

Tany Narciso disse ao Jornal de Angola que aquelas famílias têm as casas inundadas por as terem construído à volta da bacia de retenção e que, além da Rua do Mabululu, há mais duas do mesmo bairro nas mesmas condições.

O administrador declarou que parte das famílias com casas à volta da bacia de retenção foram realojadas em zonas seguras, mas que acabaram por as vender ou arrendar para regressarem à Rua do Mabululu. “Estamos à espera das casas que estão a ser erguidas na zona de requalificação do Cazenga que vão ser entregues às pessoas que vivem em áreas de risco”, garantiu.

“Apagar fogo com gasolina”

A administração instalou uma motobomba na lagoa para diminuir a quantidade de água na bacia de retenção e, posteriormente, a das casas afectadas, mas alguns moradores contestam a decisão: “Ao invés de solucionar o problema, a administração está a criar um outro, pois a água sugada pela motobomba é mandada para a avenida que vai dar à Textang II, o que pode deteriorar o asfalto e condicionar a normal circulação automóvel naquele troço.

Inundações aumentam

O arquitecto urbanístico da ONU-Habitat, Claudio Acioly, que esteve em Angola a convite da Imogestin, disse que o problema das inundações no país pode agravar-se se não se acabar com “o crescimento de bairros desordenados”.

Angola, recordou, faz parte da África subsariana, onde se registam as mais altas taxas de urbanização informal, o que significa que os processos sociais e políticos estão a determinar a forma das cidades.

“Os planos e gestão urbana nesta região não estão a ser capazes de absorver o crescimento populacional de uma forma sustentável, reflexo de uma urbanização não planeada”, referiu.

Com o problema da ocupação informal, acentuou, Angola arrisca-se a criar áreas de inundações, porque essas zonas não deviam ser ocupadas, como, por exemplo, as de preservação do meio ambiente, pelas quais não deve passar estrada nem outras redes de infra-estruturas importantes para as cidades.

Claudio Acioly disse que Luanda perde muito no capítulo da produção e prosperidade porque várias partes da cidade estão isoladas do resto das infra-estruturas, como rede de electricidade, vias de circulação de pessoas e veículos e redes de drenagem, importantes para uma urbe do seu tamanho. “Fazer um plano de urbanização depois de ocupação é muito mais caro e difícil por ter de envolver a população”, alertou.

Claudio Acioly disse que as cidades que dispõem de uma malha urbana acessível são as que produzem os maiores índices de prosperidade.

Fonte: Jornal de Angola

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