FISCAIS DA ADMINISTRAÇÃO MUNICIPAL DO CUANGO HÁ 21 ANOS SEM SALÁRIO

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Mais de 35 fiscais afectos à secção de fiscalização municipal do Cuango, na Lunda-Norte, queixam-se de não receberem salário há 21 anos.

Texto de Jordan Muacabinza

A trabalhar na referida secção desde 1997, data da reposição da administração local, à época do conflito armado, os fiscais começaram por frisar a sua dedicação e zelo nos serviços da administração e lembraram que trabalharam inicialmente como militantes do partido no poder. Contudo, de acordo com a narração de responsáveis do grupo de  fiscais, afirmam que estão a denunciar este facto porque “aqui já passaram mais de cinco administradores e dois governadores, e eles dominam este assunto”.

“Se nós chegamos até este ponto é porque a situação cada vez mais está a piorar, e não só, também constitui violação de direitos humanos e subsequentemente viola a lei geral de trabalho e a constituição  desta república de Angola”, enquadraram e acrescentaram: “Também, nota-se a ausência de dirigentes responsáveis e com capacidade para destroçar este problema que já vínhamos a descrever  ao longo dos 21 anos, obviamente este assunto quase todos dominam, sem medo de errar, todos órgãos do Estado conhecem esta realidade, assim como partidos políticos”.

Os fiscais fazem referência ao lema de governação de João Lourenço – corrigir o que está mal,  melhorar o que está bem – como a motivação para denunciar os 21 longos anos sem salário, pois “as coisas na Lunda-Norte não correm bem”. Acusam os responsáveis provinciais de falta de vontade e insensibilidade para resolverem os problemas locais.

Várias cartas foram enviadas à Procuradoria Geral da República e ao Executivo central. A primeira foi enviada à PGR no dia 17 de Janeiro de 2015, ao mesmo tempo encaminhada para outras instituições do Estado e organizações não governamentais. Nunca obtiveram resposta. No mesmo ano foram aconselhados a se dirigirem ao governador provincial, Ernesto Muangala, mas “fomos alimentados com palavras saciáveis mas que não enchem a nossa barriga”.

Foi preciso mais reuniões para, finalmente, o governo provincial emitir uma declaração formal, que surgiu no dia 7 de Setembro de 2015 em ofício N/RFª Nº 275/SGPLN/2015, com o seguinte teor:

“Em cumprimento das orientações saídas da reunião realizada no pretérito dia 27.08.015, orientada por S/Excia, o governador  Provincial, Dr. Ernesto Muangala, onde se fizeram presentes os senhores António Júlio da Graça Barros Hespanhol, Afonso Anacleto Baribanga, Alexandre Pequenino, secretário do Governo, director do Gabinete do governador, director provincial da Administração, Trabalho e Segurança Social, e representantes da secção de fiscalização, os membros Manuel Muatxingungo, Fonseca Moisés, e Amorinho Bernardo, respectivamente.

  1. O processo refere-se aos 35 colaboradores da secção de fiscalização da administração municipal do cuango cuja a inquietação se cinge, no enquadramento dos mesmos no quadro do pessoal da função publica da Administração municipal do cuango , onde labutam, há mais de 18 anos, sem qualquer vinculo não usufruindo de igual modo, qualquer remuneração, inerente actividade que exercem:
  2. para normalizar-se desideratos vigente entre o empregador e o empregado, nos termos legais urge a contratação termo certo, cuja aplicação está suspensa de momento e/ou candidatarem-se ao concurso publico, no período em que este ocorre;

Propostas:

  • Nesta conformidade, propomos [como] solução a responsabilização da Administração Municipal do Cuango em assumir os encargos salariais, no valor mensal de AKZ 15.000.00(Quinze Mil Kwanzas/Mês/ colaborador), com efeito à partir do mês de Abril de 2014;
  • A origem dos recursos financeiros será, dentre outros, os emolumentos da Actividade Fiscal e Comparticipação da Administração Municipal, sendo: emolumentos AKZ 200.000.00 ( Duzentos Mil Kwanzas) e comparticipação AKZ 325.000.00 (Trezentos e Vinte Cinco Mil Kwanzas), respectivamente, totalizando; 525.000.00 (Quinhentos e Vinte Cinco Mil Kwanzas/Mês) para cobrir os custos inerentes.”

Ao analisarem a proposta, os fiscais recusaram a saída apresentada pelo governo provincial alegando que “não devia propor que a responsabilização da administração municipal do Cuango em assumir os encargos salariais, no valor mensal de AKZ 15.000.00 por mês, com efeito à partir do mês de Abril de 2014”. Questionaram pela remuneração dos anos anteriores em que labutaram com fome e “o tempo todo foi desgastado nessa actividade”.

Insistiram que o salário a ser pago deveria corresponder ao mês em que o empregado teve acesso ao emprego. Também discordaram do ponto 2 do despacho do governador, em se refere a um enquadramento no serviço de fiscalização mediante concurso público, pois, adiantam, “os fiscais gozam de seus credenciais de enquadramento”, e denunciaram que “essas vagas na Lunda-Norte tem vindo já preenchidas pelos responsáveis desta província, tanto na fiscalização assim como na educação, pelos seus familiares, e por isso ninguém concorda com esses concursos”.

O governo provincial desistiu da negociação e optou pelo seu longo silêncio. Desta 2014 que não se toca no assunto localmente.

Em conversa com os fiscais Manuel Muatxingungo, Jonito Pinto Candoa, Faustino Joaquim Monteiro e Fonseca Moisés, todos afirmaram que têm sobrevivido de migalhas e pela amizades com alguns vendedores nos mercados e em estabelecimentos comerciais.

“Se não tivéssemos aquela relação estaríamos a sofrer em casa com as nossas famílias. Por isso mesmo clamamos em viva voz para ver se o governo local tome iniciativas de pagar essas dividas acumuladas desde o tempo do ex-presidente José Eduardo dos Santos”, lamentaram.

Recentemente João Lourenço esteve na província da Lunda-Norte, mas os fiscais duvidam da seriedade do governador local para expor o assunto ao chefe do Executivo.

“Em todas  instituições do Estado estão a enfrentar vários problemas e se não denunciarmos será difícil corrigir o que está mal, sendo assim, essa é a nossa maior contribuição para extinguir os problemas que arruína a população na Lunda-Norte, e tudo passa como se nunca aconteceu nada. Por isso mesmo estamos a implementar o nosso lema corrigir o que está mal, melhor o que está bem”, declararam.

FISCALIZAÇÃO DO CUANGO ARRECADA MAIS DE 1 MILHÃO DE KWANZAS POR DIA

Vendedoras no Cuango

Face a situação em que os fiscais vivem, quase 22 anos sem salário, questionamos o quanto o serviço de fiscalização arrecada para os cofres do governo provincial, pelo que disseram, sem rodeios: “mais de um milhão de Kwanzas por dia”.

Perante essa informação, a nossa equipa de reportagem entrevistou comerciantes, vendedores e vendedoras nas praças e ambulantes, para nos fornecerem mais dados sobre as taxas cobradas nos mercados, assim como em outros estabelecimentos.

Segundo a camponesa Muanoca, de 40 anos de idade, afirma pagar aos fiscais da vila de Cafunfo, município do Cuango, diariamente 200 kwanzas, e refere que essa quantia é geral, pois não importa o tipo de negócio. “Mesmo se ter só  sete montes de kizaca tem de pagar o mesmo sem comentários”, lamentou. Adelina de Carvalho e Hidalina João, também vendedoras, corroboraram o valor: “Pago 200 kwanzas por dia”.

“Sendo assim, questionamos para onde vai o dinheiro cobrado nos mercados, lojas, cantinas, parques de automobilistas, câmaras frigoríficas, casas de venda de peças, dos terrenos, entre outros sectores, senhor Governador da Província da Lunda-Norte?”, perguntam os fiscais. O município do Cuango arrecada quantia suficiente para auto-sustento, dizem os fiscais e moradores.

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