Académico Nelson Domingos declara“A provável saída de JES não implicará em mudança no regime político que vigora em Angola”
Nelson Domingos, professor universitário, autor da obra “Transição pela transação: uma análise da democratização em Angola”, analisa nesta entrevista a suposta sucessão presidencial em Angola. Pessimista, o académico é categórico ao afirmar que o discurso de João Lourenço feito no acto central das comemorações de mais um aniversário do partido MPLA “revela um Estado altamente militarizado, cujos destinos estão nas mãos dos generais”.
Texto: Nelson Domingos
RA – Qual significado político, em termos de governação, terá a substituição do presidente José Eduardo dos Santos pelo actual ministro da Defesa, João Lourenço?
ND – A provável substituição do Presidente José Eduardo dos Santos pelo ministro da Defesa, o general João Lourenço, pode apontar para o reconhecimento do desgaste da figura do Presidente e da sua governação ou, ainda, a cedência à certas pressões internas e externas, ou mesmo familiar.
Por outro lado, talvez se queira passar a ideia de existência de alternância na direção do Partido e na Presidência da República, com a entrada de novos actores e novas dinâmicas na governação. Entretanto, não acredito que ocorram mudanças muito significativas na governação em caso de vitória eleitoral do MPLA, pelas seguintes razões:
- Grande parte das decisões, no âmbito da governação, emana da estrutura do MPLA, que tenderá a continuar a ditar os rumos da governação do país, para a manutenção do seu status quo;
- O discurso proferido pelo ministro da Defesa, o general João Lourenço, no pretérito dia 10 de Dezembro, aponta para a continuidade da retórica partidocrata e excludente. Na ocasião, afirmou que “Só com o MPLA o povo angolano conhecerá dias melhores”;
- O discurso continuou a atribuir grande importância aos generais para que Angola se desenvolva. Segundo ele, “Os generais que vão organizar a nossa economia, a tal ponto de passarmos a ter mais energia, água, educação, estradas, ensino, saúde. Em muitos casos, não podemos contar com os generais do passado, em muitos casos para esta nova fase de luta temos que descobrir outros generais-gestores”. Isto revela um Estado altamente militarizado, cujos destinos estão nas mãos dos generais, sendo o próprio João Lourenço um general.
Em contrapartida, em seu discurso, João Lourenço afirmou que “Temos que descobrir os gestores que com transparência, sabedoria, vão garantir que Angola se possa desenvolver nos próximos anos, mesmo que o preço do petróleo não suba”. É disto que Angola precisa: transparência na gestão da coisa pública e gestores competentes e comprometidos verdadeiramente com esta pátria. Gestores contrários à corrupção. Gestores que sejam promovidos em razão do mérito e não porque têm “padrinhos na cozinha”.
RA – Muitos têm interpretado esta substituição como “mudança de poder.” Será que está a se confundir substituição com mudança de poder?
ND – Existe a tendência de olharmos apenas para a ponta do iceberg e nos esquecemos que a estrutura mais robusta que não está visível é que a sustenta. Removendo a ponta, a estrutura do iceberg continua a existir. Ou seja, a provável saída do Presidente da República José Eduardo dos Santos não põe fim a estrutura que o sustenta. Por outro lado, a provável saída de José Eduardo dos Santos não significa que ele deixará de influenciar ou mesmo determinar as decisões do MPLA e consequentemente a governação do país.
Em outras palavras, tudo indica que a provável saída de José Eduardo dos Santos não implicará em mudança significativa na forma de governação, nem no regime político que vigora em Angola.
RA – O que os angolanos e o mundo devem esperar desta substituição em termos de transparência, direitos humanos e boa governação em geral?
ND – Algumas melhorias poderão ser constatadas, mas no cômputo geral, devemos esperar mais do mesmo, pois não se pode esperar boa governação, com transparência com as mesmas pessoas viciadas em “gasosas”, “cunhas” e “corredores”. Não se pode esperar boa governação quando a riqueza do país está concentrada nas mãos de alguns que governam, maioritariamente, em proveito próprio, em desfavor da maioria dos cidadãos. Não se pode esperar que se respeitem, que se protejam e se promovam os Direitos Humanos com os mesmos actores, que acreditam que “Direitos Humanos não enchem a barriga de ninguém”; que acreditam que exigir direitos é ser “inimigo da paz”, é ser “frustrado”, é ser “arruaceiro”.
É urgente que os governantes angolanos adotem a cultura do respeito, proteção e promoção dos Direitos Humanos, pois tem-se feito pouco. Há uma tendência legislativa de restringi-los cada vez mais, com a aprovação da Lei da Segurança do Estado, da Lei das Associações, do Pacote Legislativo da Comunicação Social.
É urgente que os governantes angolanos adotem a cultura de transparência governativa, que envolve a prestação de contas, a responsabilização administrativa, civil e criminal daqueles que atentam contra a coisa pública.
É urgente que os governantes angolanos adotem a cultura da governação participativa, envolvendo os cidadãos na concepção das políticas públicas, na sua execução e na fiscalização das mesmas depois de serem implementadas.
É urgente despartidarizar e desmilitarizar o governo, a sociedade e a administração pública se quisermos ter um país digno e próspero.
Acompanhe a entrevista completa na página da Rádio Angola.