SONANGOL E FUNDO SOBERANO: O DEVER DO PGR

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Fonte: Maka Angola

Recentemente, o procurador-geral da República (PGR), general João Maria de Sousa, pareceu ter acordado do sono profundo que o impedia de ver os desmandos nacionais, pois emitiu um documento a exigir o cumprimento da Lei da Probidade Pública por todos os dirigentes recém-eleitos.

No entanto, os factos públicos e notórios que surgiram nos últimos dias acerca da Sonangol e do Fundo Soberano é que nos vão responder acerca das intenções do PGR e do seu adormecimento. Vamos ver se a tal lembrança sobre a Lei da Probidade Pública foi uma coisa a fingir que mexia, ou se indicia de facto uma nova atitude do PGR.

Referimos que são factos públicos e notórios porque estão por toda a parte e já levaram pelo menos um secretário de Estado – Carlos Saturnino – a confirmar a ilegalidade de um putativo membro do Conselho de Administração da Sonangol, Ivan de Almeida, durante uma reunião.

Nessa medida, o PGR não pode dizer que está à espera de denúncias ou de questionamentos do presidente da República ou de outras autoridades. Estando perante factos do conhecimento público e sendo o Ministério Público o garante da legalidade, ao PGR, dirigente máximo do MP, só resta a alternativa de se mexer e accionar os mecanismos adequados à constatação de que a legalidade foi efectivamente violada, e à sua reposição.

Comecemos pela Sonangol. Temos a profunda convicção de que o mandato de Isabel dos Santos na administração da empresa caducou face à entrada em vigor do novo estatuto do gigante petrolífero. E sabemos que vários administradores não tomaram posse, mas estão a efectuar actos de gestão para os quais não se encontram legalmente habilitados.

O PGR, guardião da lei, não pode deixar que o Conselho de Administração da maior e mais importante empresa pública do país opere com dúvidas sobre a sua legalidade.

Quantos milhões ou biliões em contratos e ajustes poderão ser ineficazes por causa disto? Quais os prejuízos para a nação e para a empresa devido a esta situação? Não sabemos.

Mas sabemos que compete ao PGR tomar medidas para resolver a situação. Pode até emitir um parecer a dizer que tudo está no melhor dos mundos.

O PGR tem de esclarecer o país sobre a licitude ou não da composição e do funcionamento do Conselho de Administração da Sonangol e da presidente desse mesmo órgão. Caso contrário, também ele será responsável pelos prejuízos daí advenientes.

Em relação ao Fundo Soberano, a situação é ainda mais grave, de acordo com as várias reportagens que foram publicadas, em vários países, a partir da consulta a inúmeros documentos vazados nos Paradise Papers. Estamos perante dois tipos de factos: uns com relevância penal, ligados à corrupção, ao peculato (apropriação de dinheiros públicos) e ao branqueamento de capitais em offshore; outros com relevância para o direito administrativo.

Não somos juízes, nem polícias. Respeitamos a presunção de inocência, pedra-de-toque de um Estado Democrático de Direito, mas exigimos uma investigação exaustiva aos factos ocorridos no Fundo Soberano e descritos no jornal suíço 24 Heures, entre outros.

Além dos eventuais factos com relevância criminal, os quais compete ao Ministério Público investigar, existe outro problema do foro administrativo.

Enquanto instituição pública, o Fundo Soberano está sujeito às regras da contratação pública. Por isso, para a contratação da empresa Quantum Global deveria ter seguido essas normas, que aliás são bastantes estritas e exigem uma clara fundamentação das decisões.

As várias reportagens publicadas indiciam que não ocorreu qualquer procedimento baseado nas normas da contratação pública para entregar à Quantum Global a gestão da maior parte dos activos do Fundo Soberano. Também aqui não sabemos. Mas queremos saber.

Imaginemos que as normas da contratação pública foram violadas nesta adjudicação. Então, o contrato entre o Fundo e a Quantum Global poderá estar ferido de nulidade. Se assim acontecer, a Quantum Global terá de devolver ao Fundo todas as comissões que recebeu, pois foram entregues sem fundamento. E se não devolver, o presidente do Fundo será pessoalmente responsável por entregar ao Estado angolano esses milhões que não devia ter pago.

Portanto, não estamos aqui a falar de meras questões abstractas de Direito, mas sim de decisões que, se não respeitaram as regras, custaram milhões ao erário público, milhões esses que têm de ser devolvidos.

Em suma, temos aqui, na Sonangol e no Fundo Soberano, o teste da vontade e capacidade do PGR em investigar e garantir o Estado de Direito em Angola. Será capaz?