SENHOR PRESIDENTE, 2 ANOS DEPOIS, EU “NÃO GOSTEI”!
O activista cívico, professor e investigador, Nuno Álvaro Dala, escreveu nesta quinta-feira, 26 de Setembro, uma “carta aberta” ao Presidente da República, num dia em que João Lourenço completa dois (2) anos de governação desde que foi empossado ao cargo de Titular do Poder Executivo.
Por: Nuno Álvaro Dala
Excelência,
Aceite primeiramente os meus melhores cumprimentos.
Há 2 anos, a 26 de Setembro de 2017, o Senhor tomou posse como Presidente de Angola, o novo Chefe de Estado e de Governo.
As expectativas dos cidadãos eram altas. Os Angolanos viam a si como aquele que salvaria o País da hecatombe em que se encontrava por obra de José Eduardo dos Santos, que, no momento em que escrevo este texto, encontra-se na Espanha, longe do crisol que ele (com ajuda de indivíduos que o senhor conhece muito bem) criou e consolidou em 38 anos de brutal má governação.
Hoje, 26 de Setembro de 2019, devo dizer-lhe que, para usar as suas palavras, “não gostei” do seu desempenho. Vejamos:
- REPATRIAMENTO DE CAPITAIS: 2 anos depois, o muito badalado processo de repatriamento de capitais revela-se uma montanha muito grande que pariu um rato muito pequeno. No melhor dos casos, alguns poucos grandes gatunos, ou marimbondos, como os chamou, devolveram algumas dezenas de milhões de dólares, tais como José Pedro de Morais, Ana Paula dos Santos e Ismael da Silva Diogo. Na verdade, nenhum deles sequer devolveu 10% da fortuna que possui, conseguida à saque. Cada um dos poucos que procederam à devolução de valores possui uma fortuna de centenas de milhões a milhares de milhões de dólares americanos. Ou seja, o processo de repatriamento de capitais está longe de ajudar a tirar o País da tragédia económica em que se encontra graças aos muitos marimbondos, todos do seu MPLA, que deixaram Angola de tangas. Perante os resultados deprimentes do processo, posso dizer com segurança que “não gostei”.
- INFLACÇÃO E CUSTO DE VIDA: 2 anos depois, o saco de arroz, a caixa de óleo alimentar, a caixa de esparguete, o saco de feijão, a caixa de frango, a lata ou o pacote de leite, o quilograma de peixe, de carne, a lata ou o pacote de manteiga, o quilograma de tomate, a cebola e a água estão mais caros. Em média, o preço dos referidos produtos aumentou em 40%, o que representa uma espécie de violência económica contra os cidadãos. Por outro lado, os preços dos combustíveis aumentaram em mais de 30%. O custo de vida é elevado. Os rendimentos da vasta maioria dos cidadãos tornaram-se quase insignificantes. A maioria está limitada à satisfação das necessidades primárias. Isto para os pobres. Porque os miseráveis, que também aumentaram, levam uma vida resumida na seguinte palavra: apocalipse. O número de mendigos aumentou astronomicamente. A perda de empregos e a queda violentíssima dos rendimentos levaram à destruição de centenas de milhares de famílias. Enquanto isso, a prostituição aumentou em níveis pornográficos. Como nunca antes, as filhas de Angola estão disponíveis nas ruas, bares, restaurantes e discotecas a preço de pão – ninharia. De facto “não gostei”.
- DESEMPENHO DA ECONOMIA: 2 anos depois, a economia angolana está estagnada. Sim, E-S-T-A-G-N-A-D-A. Mais de 400 empresas encerraram as portas entre Setembro de 2017 e Setembro de 2019, tanto por conta da crise como por conta da asfixiante política fiscal do seu Governo, que, através da AGT, tem aplicado uma estratégia fiscal quase draconiana. É verdade que a diversificação da economia é um processo a longo prazo, mas nota-se que, salvo equívoco, o seu Governo está a perder fôlego neste aspecto. Os níveis de desemprego aumentam violentamente todos os dias. A juventude está desesperada, e isto ficou evidente na desastrosa Feira do Emprego. Uma tragédia inenarrável. Um insulto do seu Governo a essa juventude sem perspectivas. Onde estão os 500 000 empregos? Não se trata de afirmar que em 2 anos tal número de empregos seria alcançável. Mas uma fracção seria possível, não havendo, porém, qualquer indício de que, pelo menos 100 000 tenham sido criados. Senhor Presidente, enquanto a economia continuar estagnada e o custo de vida continuar a aumentar, discurso nenhum seu ou de membros do seu Governo será levado a sério. “Não gostei”.
- LUTA CONTRA O PECULATO E A CORRUPÇÃO: Senhor Presidente, como pode esperar que os Angolanos acreditem que o mesmo grupo que destruiu economicamente o País consiga ser bem-sucedido no combate ao peculato e à corrupção? Cerca de 2% da população angolana possui 90% da riqueza produzida no País. Acontece que estas pessoas são exactamente os homens e mulheres a quem o senhor chamou de marimbondos, membros do seu partido. Neste sentido, acredita mesmo que todos esses gatunos e corruptos, ou pelo menos grande parte deles, vão ser responsabilizados política, civil e criminalmente? Já viu um leão comer a si próprio ou as suas crias? Francamente, “não gostei”.
- DÍVIDA PÚBLICA: 2 anos depois, os Angolanos não conhecem quem são os credores da Dívida Pública. Quem são? Os credores são maioritariamente individualidades e instituições angolanas ou estrangeiras? Como é que a Dívida Pública chegou a quase 100 000 000 000 00 de dólares americanos? Quais são os termos da negociação da Dívida Pública? O senhor fez uma campanha eleitoral prenhe de promessas de transparência governativa, mas o seu Governo não diz até hoje quem são os credores da Dívida Pública. Francamente, “não gostei”.
- SECA, SEDE E FOME: em 2 anos, o País vive a segunda seca na sua região Sul. A resposta do seu Governo tem sido um desastre. Os cidadãos simplesmente não sabem ao certo o que as autoridades têm feito para acudir as Angolanas e os Angolanos que passam fome e sede nas províncias da Huila, do Cunene e do Kwando Kubango. Por outro lado, por que o senhor não decreta Estado de Emergência Nacional? Cerca de 3 000 000 de pessoas sofrem e o senhor não decreta Estado de Emergência Nacional?
- ESTRATÉGIA DE “ERRAR-PARA-CORRIGIR”: ao longo dos seus 2 anos de presidência, o Senhor fez uso abundante da estratégia de “errar-para-corrigir”, traduzida em os membros do seu Governo errarem confrangedoramente tanto política quanto tecnicamente. Daí, o senhor enquanto chefe do Governo, emerge corrigindo os erros – e afirmar-se como “João, o Salvador”. Foi assim no caso do escandaloso Concurso Público para Apuramento da Quarta Operadora de Telefonia Móvel, foi assim no caso do megalómano Bairro dos Ministérios e foi assim no caso do escândalo dos Aviões da TAAG. Os Angolanos querem que os problemas económicos e do acesso aos serviços sociais básicos sejam resolvidos. Não estão interessados em operações de charme político. Francamente, “não gostei”.
Senhor Presidente, eu poderia citar outros aspectos críticos da sua gestão que igualmente confirmam que não é possível concluir que os 2 anos da sua presidência são positivos. E, aliás, não deixa de ser intrigante que o senhor, em 2 anos, viajou para 23 países. Todas essas viagens foram essenciais ao esforço de reforma e salvação do País?
Felizmente, conheço este País de Cabinda ao Cunene e de Benguela ao Moxico, e digo-lhe que a maioria dos 30 000 000 de Angolanos vive numa pobreza e miséria inadjectiváveis.
Embora nem tudo dos seus 2 anos se resuma a fracassos, é importante que Sua Excelência compreenda que as promessas e as jogadas de charme não enchem a barriga dos famintos nem trazem escolas aos 2 000 000 de crianças deste País que não têm acesso às mesmas.
Ainda faltam 3 anos para a conclusão do seu mandato (o primeiro de dois, creio), mas fica evidente que esperar de si um desempenho melhor é mais um exercício de fé do que de razão.
Entre governar para os Angolanos e governar para o MPLA, o senhor preferiu governar para o MPLA. Isto está evidente.
O senhor está condicionado. Leva a cabo uma presidência preocupada em salvar o grupo hegemónico da hecatombe nacional que ele mesmo criou.
Dois anos depois, digo-lhe, “não gostei”.