Paradoxo de Angola: Maior produtor mundial de petróleo e gás, mas um dos países mais pobres da África Subsaariana
Angola apresenta um paradoxo surpreendente na economia global. Apesar de ser um grande produtor de petróleo e gás, continua sendo um dos países mais pobres da África Subsaariana, quase cinco décadas depois de se ter tornado independente de Portugal em 1975. Esta contradição resulta de uma complexa interação de factores, principalmente a corrupção, o desvio em grande escala de fundos públicos e a falta de diversificação económica.
Por Florindo Chivucute
A dimensão da riqueza de Angola é realçada num artigo recente de Charles Kennedy no Oilprice.com. Citando uma divulgação da Lei Dodd-Frank, Kennedy relata que a Chevron, uma grande empresa petrolífera, “pagou três vezes mais impostos em três países africanos do que no seu país”. Especificamente, “a supermajor pagou cerca de 6,25 mil milhões de dólares em impostos e partilha de produção à Nigéria, Angola e Guiné Equatorial no ano passado, informou a Bloomberg, citando a divulgação. No seu país, a fatura fiscal da Chevron foi de 1,99 mil milhões de dólares”.
No entanto, esta riqueza não se traduziu numa prosperidade generalizada. “A pobreza está entre os desafios mais generalizados de Angola: em 2019, três em cada cinco angolanos – mais de 19 milhões de pessoas – viviam abaixo de pobreza extrema para os países de rendimento médio-baixo (3,20 dólares por dia).
Dois em cada cinco angolanos vivem com menos de 1,90 dólares por dia, o nível de rendimento utilizado para medir o progresso global em direcção ao primeiro Objetivo de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas para eliminar a pobreza extrema até 2030.”
Estas estatísticas sublinham a grande disparidade entre a riqueza de Recursos Naturais de Angola e as condições de vida dos seus cidadãos, realçando a necessidade urgente de uma governação eficaz e de Reformas Económicas.
A corrupção continua a ser um problema importante em Angola
A corrupção continua sendo um problema em Angola, identificada há décadas como um dos principais factores que contribuem para a desigualdade económica e o atraso no desenvolvimento do país. Em 2017, o recém-eleito Presidente João Lourenço prometeu combater a corrupção no seio do governo liderado pelo seu partido político (MPLA), que governa Angola desde a independência em 1975.
No entanto, os esforços para criar agências anti-corrupção e promulgar novas leis têm enfrentado desafios significativos, particularmente por parte das elites políticas que há muito se beneficiam da grande corrupção. Consequentemente, a corrupção continua sendo um problema enraizado na governação atual.
As consequências desta corrupção endémica são devastadoras para as famílias angolanas, condenando milhões de pessoas a viver abaixo do limite da pobreza extrema. A eficácia da campanha anti-corrupção do Presidente João Lourenço, prometida em 2017, continua incerta. Do mesmo modo, o impacto dos esforços de recuperação de activos na vida dos angolanos ainda está por determinar.
Além disso, o desvio em grande escala de fundos públicos afectou gravemente o sistema educativo angolano, deixando-o subfinanciado e inacessível a milhares de estudantes, sobretudo ao nível do ensino primário.
A dimensão deste desafio é evidente nas estatísticas fornecidas pelo SINPROF. De acordo com os seus dados, Angola tem atualmente 103.599 salas de aula distribuídas por uma mistura de Escolas Públicas, Público-privadas e Privadas.
As escolas públicas representam 61% destas salas de aula, as comparticipadas ( público-privadas ) 33% e as Instituições Privadas os restantes 6%. Estas salas de aula estão agrupadas em 13.238 escolas, de acordo com os dados das Direcções Provinciais da Educação, ou em 10.084 escolas, conforme relatado pelo Departamento de Estatísticas do Ministério da Educação.
No entanto, estes números estão muito aquém das necessidades do país. Como refere o SINPROF: “No cômputo geral, o país precisa de cerca do dobro das salas de aulas das que tem atualmente, se quiser reduzir o rácio aluno/sala de aula e resolver o problema da exclusão escolar. Para isso, o Executivo terá de construir entre 1.500 e 2.000 escolas por ano, num horizonte temporal de cinco anos, com escolas que respondam ao crescimento populacional projetado nas circunstâncias em que são construídas.”
Esta situação levanta uma questão crítica: Como é que um dos maiores produtores de petróleo e gás do mundo não consegue construir escolas suficientes para dar acesso ao ensino primário a todas as suas crianças? A mesma questão estende-se ao Ensino Secundário, do Iº. e IIº. Cíclo , com falta de instalações para acomodar milhares de jovens angolanos que procuram progredir na sua educação.
A resposta está no desvio em grande escala de fundos públicos, que conduziu a uma falta sistémica de investimento em infra-estruturas públicas básicas. Esta negligência estende-se para além da educação há outras áreas críticas, como o acesso à água potável, habitação a preços acessíveis para famílias com baixos rendimentos e infra-estruturas rodoviárias.
Essencialmente, a vasta riqueza de recursos naturais de Angola, em vez de beneficiar os seus cidadãos através da melhoria da educação e das infra-estruturas, está a ser desviada pela corrupção, deixando as gerações futuras do país sem as ferramentas necessárias para prosperar e desenvolver a sua nação.
Extensão da corrupção
Embora a corrupção permeie todos os aspectos da vida pública em Angola, ocorrendo a vários níveis do governo e da sociedade, a questão mais agravante e vergonhosa é a grande corrupção praticada por funcionários de alto nível. Isto inclui políticos, líderes empresariais e pessoal militar/policial.
A grande corrupção engloba o desvio em grande escala de fundos públicos, o suborno e outras actividades ilícitas que são exclusivamente acessíveis a altos funcionários devido à complexidade dos sistemas financeiros nacionais e internacionais.
A dimensão deste problema reflecte-se no facto de Angola ocupar constantemente uma posição elevada nos índices internacionais que medem a corrupção. Um excelente exemplo da natureza sistémica desta corrupção é a empresa petrolífera estatal, a Sonangol. Esta entidade tem estado no centro de inúmeras alegações de corrupção, enfrentando acusações de má gestão, desvio de fundos e nepotismo nas suas operações.
Estas práticas não só drenam os recursos do país, como também minam a confiança do público, impedem o desenvolvimento económico e perpetuam um ciclo de pobreza e desigualdade. A natureza enraizada da corrupção nos níveis mais altos do poder representa um desafio significativo para os esforços de reforma e para a distribuição equitativa da vasta riqueza de recursos naturais de Angola.
Esforços para combater a corrupção
A eficácia das medidas anti-corrupção em Angola é objeto de debate, com avaliações contraditórias por parte de organizações internacionais e perspectivas locais.
De acordo com a Transparência Internacional, Angola continua a “registar progressos notáveis na sua luta contra a corrupção”. Este progresso é evidenciado por esforços consistentes para recuperar bens roubados e responsabilizar abertamente os alegados perpetradores através dos sistemas de justiça nacionais. Angola implementou uma estratégia anticorrupção que abrange o período de 2018-2022, a qual, juntamente com outras reformas judiciais, conduziu a uma recuperação significativa de activos.
O fundo soberano recuperou 3,3 mil milhões de dólares americanos em activos, enquanto a investigação e a acusação de altos funcionários culminou na recuperação de aproximadamente 7 mil milhões de dólares americanos em activos financeiros e tangíveis.
No entanto, contrariamente a estes relatórios positivos, os angolanos locais e o Afrobarómetro apresentam uma visão mais cética. Num relatório de 2023 intitulado “Angolans see growing corruption, government failure to contain it”, o Afrobarómetro destaca os desafios persistentes.
As suas conclusões revelam que uma proporção considerável de cidadãos considera que a corrupção está a aumentar no país, particularmente em instituições públicas como a polícia nacional e a Presidência. A maioria dos angolanos classifica o desempenho do governo no combate à corrupção como fraco.
O relatório também observa que muitos “angolanos relatam ter de pagar subornos para obter serviços do governo e a maioria acredita que as pessoas comuns correm o risco de retaliação se denunciarem a corrupção”.
Apesar destas diferentes avaliações dos esforços anti-corrupção, existe um consenso de que a corrupção continua a ser um problema em Angola. Continua sendo identificada como um dos principais factores que contribuem para a desigualdade económica e a falta de desenvolvimento do país. A disparidade entre os relatórios oficiais de progresso e a percepção pública sublinha a complexidade da abordagem da corrupção profundamente enraizada nas estruturas governamentais e sociais. Este desafio permanente sublinha a necessidade de esforços contínuos e transparentes para combater a corrupção a todos os níveis da sociedade angolana, com enfoque tanto nas reformas sistémicas como na mudança da perceção pública.
Falta de diversificação da economia
Durante quase cinco décadas, a economia de Angola foi dominada pela indústria do petróleo e do gás, uma situação perpetuada pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), no poder.
Desde a independência em 1975, o MPLA tem falhado sistematicamente na diversificação da base económica do país, apesar das repetidas promessas políticas. Esta falta de diversificação manteve-se durante o longo reinado do antigo Presidente José Eduardo dos Santos, que governou Angola com mão-de-ferro durante quase quatro décadas.
A tendência manteve-se com o atual Presidente Lourenço, também do MPLA, cujos dois mandatos (de 10 anos) terminarão em 2027 sem que se tenha conseguido uma diversificação económica significativa.
A negligência do desenvolvimento de sectores fora da indústria do petróleo e do gás pode ainda ser explicada por um fenómeno chamado “doença holandesa”, que é um “fenómeno económico em que o rápido desenvolvimento de um sector da economia, em particular dos recursos naturais, leva a um declínio noutros sectores”.[8] No entanto, esta não é a única explicação. O desvio de fundos públicos em grande escala também desempenhou um papel crucial. Os fundos destinados ao desenvolvimento de infra-estruturas cruciais nos sectores dos transportes, da educação, dos cuidados de saúde e da indústria transformadora são frequentemente mal geridos pelos funcionários públicos ou desviados para proveito pessoal através de esquemas de privatização.
Como resultado, a riqueza gerada pela indústria do petróleo e do gás está concentrada nas mãos de poucos, principalmente de indivíduos com poder político e ligações ao partido no poder. Esta concentração de riqueza conduziu a uma desigualdade desastradora , que, por sua vez, prejudica o desenvolvimento económico do país em geral. Os efeitos desta má gestão económica vão para além das meras preocupações financeiras. A falta de desenvolvimento em diversos sectores contribuiu para elevadas taxas de desemprego. Juntamente com o declínio dos processos democráticos e dos direitos humanos, estes factores ameaçam corroer a frágil paz que Angola alcançou desde a sua longa guerra civil.
Esta complexa interação entre má gestão económica, corrupção e estagnação política representa um desafio significativo para o futuro desenvolvimento e estabilidade de Angola. A resolução destas questões exigirá não só reformas económicas, mas também vontade política para implementar mudanças genuínas na governação e na afetação de recursos.
Sobre o autor
Florindo Chivucute é o fundador e Diretor Executivo da Friends of Angola (FOA), e um activista com 15 anos de experiência como Gestor de Programas. O Sr. Chivucute obteve o seu Bacharelato em Governo e Política Internacional e o Mestrado em Análise e Resolução de Conflitos na Universidade George Mason, Estados Unidos.