O Juiz de Garantias e sua relação com Ministério Público – Marcolino Baptista
Da interpretação feita a alínea f) in fine do artigo 186.º da Constituição da República de Angola, mais adiante abreviada por CRA, depreende-nos aí o surgimento da figura do Juiz de Garantias (brevitatis causa JG), que 10 anos depois veio consagrado de forma expressa e com tal nomenclatura no Código de Processo Penal Angolano de 2020 (doravante CPPA).
O Juiz de Garantias ou das Liberdades, como é também designado noutras latitudes, é aquele Magistrado Judicial que na fase preliminar do processo, toma decisões que visam garantir os direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos, vide artigos 313.º e 314.º ambos do CPPA.
Pensamos que a primeira tentativa de implementação do JG em Angola foi com o surgimento da figura de Juiz de Turno consagrada na Lei nº 25/15 de 18 de Setembro, Lei das Medidas Cautelares em Processo Penal, já revogada, que não logrou o êxito desejado devido as incongruências e falta de competências claras de que se exigia de tal figura.
Com a entrada em funcionamento do JG de facto no nosso ordenamento jurídico, pensamos que em relação ao Ministério Público, adiante abreviado por MºPº, deverá existir relações de Cooperação, Subsidiariedade e Complementaridade.
Temos ciência de que o processo penal é uma sequência de actos e formalidades com vista a determinar as circunstâncias reais e pessoais aos quais o crime foi cometido, bem como, o autor da infracção penal.
Na sequência, cada interveniente processual deve praticar certos actos que lhes são atribuídos por lei, com o surgimento do JG a praticar actos na fase de Instrução Preparatória, houve por assim dizer, repartição de competências investigativas em homenagem à protecção dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos implicados com a Lei.
Assim, o JG deve cooperar com o MºPº na descoberta da verdade material, pois, o fim último do Direito é alcançar à justiça e, concomitantemente, o restabelecimento da paz social beliscada com o cometimento da infracção criminal. Por isso, deve existir uma cooperação frutífera no sentido de se alcançar os desígnios da justiça, de moldes que não se obstaculiza os fins da Instrução Preparatória.
Essa cooperação que estamos a apregoar manifesta-se, efectivamente, naqueles actos investigativos que carecem de autorização do JG para a sua efectivação, tais como: buscas e apreensões em domicílios específicos (escritórios de advogados, consultório médico e outros estabelecimentos de saúde, estações de correios e serviços de telecomunicações, bancos e estabelecimentos bancários), derrogação de sigilo Bancário (para aceder a conta do investigado), bem como Escutas telefónicas.
Quanto a subsidiariedade, depois de se determinar o autor da infracção penal (Arguido), enquanto prosseguem os actos investigativos tendentes a evitar a dedução de uma acusação “apressada” contra o cidadão, desprovidas de elementos fácticos que a sustentam, surge a necessidade premente de lhe ser aplicado alguma medida de coacção, tendo em conta a proporcionalidade, necessidade e adequação entre os factos e a sua gravidade, que muitas vezes podem restringir direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos/arguido.
Aquilatamos que há uma relação de subsidiariedade na medida em que as medidas de coacção pessoal que o MºPº não puder aplicar, o JG aplicará subsidiariamente, obviamente, só depois de verificar se estão preenchidos todos os pressupostos para tal.
Concernente a relação de complementaridade, a Instrução Preparatória obedece um raciocínio lógico sobre o qual a actividade investigativa se vai orientar, com vista a se apurar os factos que serão imputados ao arguido e, posteriormente, deduzir a acusação contra o mesmo e remeter o processo em juízo para os ulteriores termos.
Pois, sabemos que a fase de Instrução Preparatória está blindada de prazos apertados que, consequentemente devem ser escrupulosamente respeitados para evitar que haja investigações intermináveis e violação dos direitos, liberdades e garantias fundamentais dos cidadãos.
Acontece que, muitas vezes, os factos são complexos e os actos investigativos ordenados não são cumpridos na sua plenitude, tendo em atenção os prazos pré-estabelecidos na norma, o MºPº terá que deduzir a acusação na certeza de que será complementado mais tarde na instrução contraditória, porque os indícios constantes na acusação se revelam fracos, inconsistentes, poucos sustentáveis juridicamente para com segurança acusar o pacato cidadão.
Perante indícios fracos, o JG em homenagem ao princípio do aproveitamento dos actos processuais, deverá realizar a instrução contraditória, a requerimento do arguido ou do Assistente no prazo de 10 dias a contar notificação da acusação ou do despacho de arquivamento, nos termos das als. a) e b) do n.º4 do artigo 332.º e n.º1 do artigo 333.º ambos do CPP, com fito a fazer cair por terra a acusação deduzida pelo MºPº ou fortificar os factos, ordenando outras diligências complementares que julgar ser essencial para a descoberta da verdade material.
Se o JG depois de realizar a instrução contraditória entender que os factos foram complementados, então, terá de emitir o despacho de pronúncia que serve de acto confirmatório de que a acusação que o MºPº lhe apresentou tem “pernas para andar”, saindo-se do juízo de suspeita para o de probabilidade, caso não, deve ordenar o arquivamento dos autos.