No Bengo: Encerramento de apartamentos da Centralidade do Kapari leva mais de 500 famílias passar noites ao relento
Há dois dias que mais de 500 pessoas dormem na rua na centralidade do Kapari, depois do Tribunal da Comarca do Dande, em Caxito, ter encerrado 67 apartamentos, na província do Bengo.
Numa ronda efectuada na noite desta terça-feira, 18, pelo Correio da Kianda, foi possível observar várias famílias ao relento, incluindo crianças e idosos a dormirem nas ruas em frente aos edifícios dos quais foram expulsos, e sujeitos a qualquer perigo durante a noite. Também ficamos a saber, que todos os pertences dos habitantes continuam trancados nos apartamentos.
O morador Paulo Jorge justifica as razões que lhes levaram a ocupar de forma ilegal os apartamentos. “Estamos sem residências fixas, ao ocuparmos, encontramos os apartamentos vandalizados, sem portas, janelas, sanitas, lâmpadas e muito mais, remodelamos e estamos aqui há mais de 10, 7 e 5 anos. Só hoje é que estão a nos chamar de invasores?”, questionou e disse que estão dispostos a pagar pelas residências.
A idosa Maria Rosa, de 69 anos, antiga combatente e veterana de guerra, disse que não foi para isso, que deu a sua juventude e lutou pela independência deste país. “Eu não me sinto bem, a luta que eu fiz, não mereço passar pelo que estou passar hoje”, lamentou, explicando que ocupou de forma ilegal um apartamento porque há mais de doze anos que foi construída a centralidade e continuava inabitada.
“Nós, povo angolano, estamos sofrer. Não temos casa, por isso que ocupamos. Não somos invasores”, argumentou.
A mais velha Maria assegurou que vai lutar até ao fim, “enquanto o governo não resolver o problema do povo aqui, vou continuar a lutar, junto com os jovens que aqui se encontram em busca de uma moradia na centralidade do Capari”.
Outro morador, recorrendo a Constituição da República de Angola, no artigo 85º, que diz “todos os cidadãos tem direito à habitação e à qualidade de vida”, disse que “o executivo devia adotar medidas junto das instituições competentes para atribuir habitação aos cidadãos angolanos, porque isso é de direito, e está na constituição”.
Segundo ele, o governo devia ter maior sensibilidade no tratamento deste caso, prevendo situações do gênero em outras centralidades construídas e que continuam inabitadas, enquanto muitos angolanos, em particulares jovens, estão sem residências.
Já outra moradora, que também preferiu ocultar o seu nome, disse que “não irá sair do local, alegando que não têm para onde ir, e que está a lutar em busca do sonho da casa própria”, disse, e acrescentou, “isso está abandonado e não tem ninguém, são mais de cinco blocos que continuam sem ser habitados nesta centralidade, isso é desumano”, lamentou, apelando por uma negociação.
Moradores querem negociar
Todos moradores foram unânimes em afirmar que estão dispostos a negociar e reabilitar, com seus próprios custos, os edifícios danificados.
O coordenador do bloco 8, Paxi Silva, em declaração ao nosso jornal, lamentou pelo que estão a passar, reforçando que os habitantes estão dispostos a negociarem com o Estado.
“Os moradores deste bloco merecem ser respeitados”, disse e afirma que o bloco 8 não precisa de nenhuma requalificação, segundo ele, assim como ele, muitos outros moradores já fizeram requalificação das residências com autorização da Imogestin e tem provas documentais.
“Castigar este povo conforme estão a ser castigados, depois de muito trabalho árduo que fizeram na requalificação deste bloco 8, tirando capins, desafiando cobras e outros bichos e hoje serem considerados como vândalos ou bandidos? Isso é muita falta de respeito”, reclamou.
Paxi Silva sublinhou que já contactaram as autoridades da província, mas nunca tiveram sucesso. Segundo eles, escreveram para a governadora Mara Quiosa, até aqui sem resposta, alertando-a a estar mais próximo das pessoas as quais administra:
“A governadora tem de estar mais próximo do povo que ela administra. Este povo poderá fazer o Bengo crescer e ajudar no desenvolvimento social e económico desta província”.
O coordenador negou todas as acusações de vandalismo e acusam os seguranças da centralidade como os indivíduos que estão a roubar as portas, janelas, lâmpadas e outros pertences dos edifícios.
O bloco 8 comporta 30 edifícios, mais de 5250 habitantes que ocuparam de forma ilegal, viram seu sonho de ter uma casa própria, a ser frustrada pelo processo do Tribunal da Comarca do Dande, que orientou o encerramento dos apartamentos desde segunda-feira.