Marcha do MPLA: Liberdade de expressão ou ambição do poder? – Rafael Morais
A marcha do MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) em apoio ao seu líder, destinada a contrariar a contestação interna, reflete tensões recentes dentro do partido. Nos últimos dias, alguns militantes têm expressado descontentamento em relação à liderança atual, levantando questões sobre a direção política do MPLA.
A marcha, então, seria uma demonstração pública de apoio ao presidente do partido, visando neutralizar a dissidência interna e reafirmar a força da liderança. Embora essas manifestações sejam comuns em partidos que enfrentam crises internas, onde as lideranças utilizam apoio popular para mostrar unidade e controle.
No entanto, também pode sinalizar um aprofundamento das divisões, com uma ala insatisfeita ganhando voz e criticando a gestão. A reação do partido à contestação interna, especialmente por meio de marchas e outras demonstrações de apoio, pode ser vista como uma tentativa de consolidar a base e preservar a hegemonia dentro do partido e do cenário político angolano. Ambição do poder
Nos últimos anos, Angola tem testemunhado uma série de manifestações pacíficas, com destaque para os atos promovidos por militantes do MPLA e os protestos organizados por grupos da oposição ou movimentos da sociedade civil. A leitura dessas manifestações tem gerado um debate acirrado no país, levantando questões sobre o real significado da liberdade de expressão e o papel da lei na proteção do direito à manifestação e de reuniões.
Por um lado, as manifestações pró-governo, encabeçadas por militantes do MPLA, muitas vezes ocorrem com a anuência das autoridades, embora a lei não exige nenhuma autorização e, em geral, são descritas como expressões legítimas de apoio ao partido no poder. Esses atos tendem a ser organizados de maneira pacífica, com ampla cobertura mediática e com protecção dos agentes policiais.
Por outro lado, protestos organizados por grupos da oposição ou por movimentos civis são frequentemente vistos sob uma óptica diferente. Embora pacíficos, essas manifestações são rotuladas como “arruaceiras” por setores ligados ao poder, com acusações de que colocam em risco a ordem pública.
Em muitas ocasiões, essas manifestações são dispersas pela polícia, que alega a necessidade de manter a segurança pública. Esse contraste de tratamento levanta uma questão fundamental: Será que há uma interpretação inconsistente da lei ou a ambição do partido no poder influencia a resposta do Estado?
A Constituição da República de Angola no seu artigo 47º e 40º garante o direito à liberdade de manifestação e de reunião e à liberdade de expressão e de informação. No entanto, a aplicação dessas garantias parece variar dependendo da identidade dos manifestantes e do teor de suas demandas.
A Lei que regula o exercício desses direitos, é muitas vezes invocada para justificar a repressão de protestos da oposição. Alegações de “risco à ordem pública” ou “desacato” são frequentemente utilizadas para legitimar a dispersão, perseguição e até mesmo acabando em alguns casos com a morte de manifestantes.
Entretanto, entendemos que essas justificações são sempre subjetivas e seletivas. Quando manifestações favoráveis ao MPLA ocorrem, mesmo que envolvam grandes multidões, o argumento de “manutenção da ordem” raramente é invocado. Isso sugere que o problema não reside necessariamente na interpretação da lei, mas sim em sua aplicação tendenciosa, favorecendo o partido no poder.
Esse cenário reflete uma ambição maior de controle por parte do MPLA, partido que governa Angola desde a independência, em 1975. Ao longo das décadas, o MPLA consolidou uma máquina política e estatal que se entrelaça de maneira íntima, dificultando a separação entre o partido e as instituições do Estado.
Essa sobreposição muitas vezes resulta em um ambiente onde a oposição política encontra-se em desvantagem, com suas vozes sendo abafadas ou classificadas como “subversivas”.
No entanto, a crescente pressão internacional e interna por reformas políticas e maior transparência tem gerado desafios para o partido no poder. Organizações de direitos humanos em movimentos sociais angolanos têm denunciado a repressão das liberdades civis e exigido um espaço mais equitativo para a expressão política.
Ainda assim, entendo que a dinâmica das manifestações em Angola revela um dilema fundamental: será que o Estado angolano, controlado pelo MPLA, está verdadeiramente comprometido com a pluralidade política e a liberdade de expressão, ou está utilizando a lei.
Como ferramenta de repressão para manter o seu domínio sobre o cenário político? A resposta a essa questão pode moldar o futuro político do país nos próximos anos, especialmente em um momento em que a sociedade civil não é aquela dos anos anteriores, hoje ela está despertada e se organiza cada vez mais em busca de maior participação e democracia.