Manuel Pereira da Silva “Manico” afastado da presidência da CNE pelo Tribunal Constitucional

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O Tribunal Constitucional decidiu anular o concurso realizado pelo Juiz Presidente do Tribunal Supremo que escolheu Manuel Pereira da Silva “Manico” como Presidente da Comissão Nacional Eleitoral por detectar graves irregularidades e violações cometidas.

A decisão, segundo o portal Club-K, consta de um acórdão em resposta a um Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade movido pelo candidato Agostinho António Santos, “em virtude da omissão de julgamento em face do processo n.º05/20 da Câmara do Cível e Administrativo do Tribunal Supremo”.

De acordo com documento que o Club-K teve acesso, o Tribunal Constitucional decidiu “Julgar inconstitucional, por denegação de justiça, a inércia do Tribunal Supremo, no julgamento da Acção Popular sob o processo n.º 05/20, que impugna o concurso para o provimento do Presidente da CNE”, e por outro lado “baixar o processo para o Tribunal Supremo, devendo operar o julgamento da questão no prazo de 30 dias, vertidos no artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 4-A/96, de 05 de Abril”. Por conseguinte o TC declarou sem efeito a tomada de posse do candidato designado no concurso em pauta.

O Club-K reproduz na integra o conteúdo do acórdão que está em vias de ser tornado público:

REPÚBLICA DE ANGOLA
TRIBUNAL CONSTITUCIONAL

PROJECTO DE ACÓRDÃO Nº ____/2020

PROCESSO N.º 812-D/2020

Recurso Extraordinário de Inconstitucionalidade

Irene Mateus António Tucala; Tatiana de Nascimento Jaime António; Ufánia Clementina Pinto Vieira e Agostinho António Santos, vêm interpor o presente recurso, em virtude da omissão de julgamento em face do processo n.º05/20 da Câmara do Cível e Administrativo do Tribunal Supremo.

Para tanto alegam o seguinte:

I. Os Recorrentes intentaram aos 23 de Janeiro de 2020, com fundamento no artigo 74.º da CRA, providência de Acção Popular contra a decisão do Conselho Superior da Magistratura Judicial que, designa o candidato Manuel Pereira da Silva como vencedor do concurso curricular, para o provimento do cargo de Presidente da Comissão Nacional Eleitoral.

II. Passados mais de 180 dias e não obstante as sucessivas reclamações apresentadas pelos Recorrentes, nos dias 28 de Abril de 2020; 19 de Maio de 2020, o Tribunal Supremo recusa-se deliberadamente em julgar o processo, violando os artigos 56.º do Decreto-Lei 4-A/96, de 05 de Abril, nº 2.º e 159.º do Código do Processo Civil.

III. A Providência da Acção Popular assentou no seguinte:

IV. O Conselho Superior da Magistratura Judicial ao não ter introduzido, deliberadamente, no artigo 5.º do Regulamento do concurso, os requisitos que impediriam a que os candidatos Manuel Pereira da Silva e Sebastião Diogo Bessa apresentassem candidatura ao concurso, por, o primeiro, ter excedido os prazos legalmente estabelecidos para o exercício dos mandatos na CNE, isto é, 10 (dez) anos; e o segundo encontrar-se no fim do exercício do segundo mandato, violou, assim, o disposto no n.º 3 do artigo 151.º da Lei 36/11, de 21 de Dezembro- Lei Orgânica Sobre as Eleições Gerais em Angola, conjugado com o n.º1 do artigo 8.º da Lei 12/12 de 13 de Abril (Lei que aprova a Organização e Funcionamento da (CNE);

V. O requerido violou ainda a Lei, ao ter admitido, fora do prazo de 20 dias, a acta de defesa de Doutoramento, aos invés do certificado do candidato Manuel Pereira da Silva, violando-se a al. c) do n.º 2 do artigo 10.º, conjugado com n.º1 do artigo10.º do Regulamento do Concurso;

VI. Por conseguinte, o CSMJ violou a al. c) n.º 2 do artigo 10.º do Regulamento do Concurso ao atribuir a classificação máxima de 20 pontos ao candidato Manuel Pereira da Silva, ao invés de 15 pontos, porquanto, à data da abertura do concurso até ao término do prazo para candidatura, o mesmo ostentava apenas o grau académico de Mestre. A admissão da acta de defesa do doutoramento e do consequente certificado foi feita de forma ilegal, porque extemporânea. Por conseguinte, devem ser declarados nulos os 5 pontos atribuídos pelo doutoramento.

VII. Foi ainda violada a lei, ao se admitir documentos comprovativos de avaliações como magistrados nos 3 três últimos anos, dos candidatos Manuel Pereira da Silva e Sebastião Diogo Bessa, sem a devida fundamentação e homologação imposta pelo artigo 73.º da Resolução n.º 7/15, de 03 de Dezembro- diploma que aprova o Regulamento do Conselho Superior da Magistratura Judicial, o qual exige que as avaliações sejam fundamentadas e homologadas pela comissão permanente;

VIII. Ademais, verifica-se contradição insanável entre a avaliação feita pelo Presidente da CNE e aquela que foi feita pela Comissão de auditoria à gestão do candidato Manuel Pereira da Silva, sobre a qual recaiu despacho do mesmo Presidente, nos termos do qual, no ano de 2017, o referido candidato teve uma gestão danosa, conforme atesta o ofício n.º121/GAB.PR/CNE/2018, de 14 de Setembro 2018, assinado pelo Presidente André da Silva Neto;

IX. O CSMJ, no artigo 12.º do Regulamento do Concurso, ao não ter distinguido as diferentes categorias em se enquadram os concorrentes, violou o disposto no artigo 63.º, da Lei n.º7/94, de 29 de Abril, que aprova o Estatuto dos Magistrados Judiciais, nos termos do qual….Ou seja, o CSMJ deveria ter classificado os candidatos de acordo com as categorias em que se encontram inseridos, isto é, Tribunal Supremo 20 pontos; Tribunais da Relação 15 pontos e tribunais de Comarca 10 pontos, tal como o fez em relação ao critério habilitações literárias. Não o tendo feito, um dos candidatos ficou prejudicado em 17 pontos, razão por que se requer a reposição da legalidade;

X. O CSMJ introduziu no regulamento do concurso o critério experiência eleitoral, que não consta da Lei 36/11, de 12 de Dezembro, Lei Geral Sobre as Eleições em Angola; nem na Lei 12/12 de 13 de Abril ( Lei Sobre a Organização e Funcionamento da CNE). Trata-se de um critério que foi introduzido para favorecer alguns dos concorrentes. Entretanto, o CSMJ ignorou o facto de um dos candidatos ter sido Juiz Conselheiro do Tribunal Constitucional, de 2008 a 2016, único tribunal com jurisdição eleitoral em Angola; Ser fundador e Presidente do Instituto Angolano dos Sistemas Eleitorais e Democracia (2006); Co-fundador do Observatório Eleitoral de Angola (OBEIA) 2012, ter experiência eleitoral Internacional. Tal ilegalidade fez com que um dos candidatos aqui co-Recorrente ficasse prejudicado em 15 pontos, tendo-se-lhe atribuído apenas 5 pontos, enquanto observador.

XI. O CSMJ quanto ao critério do mérito profissional, atribui ilegalmente aos candidatos Manuel Pereira da Silva, Sebastião Diogo Bessa e ao Co-Recorrente Agostinho António Santos, a classificação de 12 pontos, o que contraria o disposto nos artigos 57.º a 60.º da Lei 7/94 de 29 de Abril, já mencionada, combinados com os artigos 6.º e 62.º do mesmo Diploma, na medida em que o último não se encontra na mesma categoria com os demais candidatos;

XII. Quanto ao critério de outras actividades, o n.º 5 do artigo 179.º da CRA estabelece que os Juízes em exercício de funções não podem desempenhar outras actividades públicas ou privadas, excepto as de docência e investigação científica de natureza jurídica. Neste contexto, o CSMJ atribuiu de forma arbitrária, porque destituído de fundamento legal, 15 pontos ao candidato Manuel Pereira da Silva e 12 pontos ao candidato Sebastião Jorge Diogo Bessa, sem que lhes reconheça experiência alguma em docência ou investigação científica. Contrariamente, ao candidato Agostinho Santos, foi-lhe atribuído 12 pontos, mesmo sendo Docente universitário e regente de Ciência Política e Direito Constitucional há mais de 20 anos, com obra publicada, ficando prejudicado em 08 pontos.

Terminaram as alegações pedindo o seguinte:

a) Que se dê provimento ao presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade;

b) Que se declare inconstitucional e ilegal a omissão de julgar, praticada pelo Tribunal Supremo;

c) Que se declare nulo, porque inconstitucional e ilegal, a admissão ao concurso, dos candidatos Manuel Pereira da Silva e Sebastião Jorge Diogo Bessa, por falta de homologação e fundamentação das avaliações e por terem vencido ou esgotado o prazo de validade dos mandatos (10 anos)

d) Que seja declarada nula, porque inconstitucional e ilegal, a avaliação e graduação dos candidatos, efectuada pelo CSMJ, e, consequentemente, a designação e tomada de posse do candidato Manuel Pereira da Silva;

e) Que se conforme a avaliação e graduação dos candidatos ao concurso e por consequência se declare o candidato Agostinho António Santos, como justo, legítimo e digno vencedor do concurso para o provimento do cargo de Presidente da Comissão Nacional Eleitoral.

O processo foi à vista do Ministério Público.

Colhidos os vistos legais, cumpre, agora, apreciar para decidir.

I. COMPETÊNCIA DO TRIBUNAL

Em princípio, por mera legalidade formal, o Tribunal Constitucional (TC) estaria vedado de apreciar o presente recurso, pois, não houve uma decisão do Tribunal Supremo, conforme os termos e fundamentos da alínea a) do artigo 49.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho – Lei do Processo Constitucional (LPC), norma que estabelece o âmbito do recurso extraordinário de inconstitucionalidade, para o TC “as sentenças dos demais tribunais que contenham fundamentos de direito e decisões que contrariem princípios, direitos, liberdades e garantias previstos na Constituição da República de Angola”.

Todavia, o caso em análise encerra particulares gravidades constitucionais que justificam o afastamento da norma vetusta, e isso é evidenciado pelos seguintes elementos: contra lei, volvidos mais de 100 dias sobre a propositura da Acção Popular, o tribunal sequer emitiu um despacho liminar admitindo ou indeferindo a acção; feitas três reclamações sobre o silêncio em relação a demanda, o tribunal recorrido não se dignou em responder.

Neste contexto, o Tribunal Constitucional, enquanto guardião último da constitucionalidade das leis e da actuação dos poderes públicos, não pode silenciar-se diante de patente e ostensiva denegação de justiça operada pelo Tribunal Supremo. Pois, no caso em análise, não se está perante uma mera mora do julgamento ou as demoras normais do processo, mas sim diante de uma obstaculização ou recusa objectiva de julgar a Acção Popular.

In casu, sublinhar apenas que, por falta de uma decisão não se deve apreciar, pelo menos parcialmente o presente recurso, seria desvirtuar a essência do artigo supra e adiar o direito de acesso ao direito e tutela jurisdicional efectiva dos Recorrentes, consagrado no artigo 29.º CRA, e sujeitar a Acção Popular a uma alia de nunca vir a ser julgada.

Ademais, não julgar o silêncio do Tribunal ad quem, seria confirmar uma injustiça constitucional e fazer prevalecer uma norma infra-constitucional que no caso em concreto não permite a realização da Constituição.

No caso vertente, o ónus do esgotamento da jurisdição comum imposto aos Recorrentes, não foi cumprido por razões imputáveis exclusivamente ao Tribunal Supremo que se recusa em julgar a acção instaurada, esta ausência de decisão, não deve correr em prejuízo do direito daqueles de aceder aos Tribunais e de obter destes uma decisão que componha a sua demanda, em tempo razoável.

O Tribunal Constitucional não é um tribunal de mera proclamação ou instância que actua mediante apelos, é uma verdadeira instância de justiça constitucional a quem a Constituição reserva um importante e crucial papel de proteger a Constituição, em última instância, a ele recorreram os interessados porque já estavam despojados de alternativa para obter a justiça que clamam.

De salientar, que este Tribunal, enquanto guardião da Constituição e da concretização dos direitos fundamentais, é chamado a pronunciar-se de forma imperativa, sempre que existam acções ou omissões que atentem contra a constituição e coartem os direitos, liberdades e garantias fundamentais, como sucede no caso em análise.

Partindo da construção de E. Stein (E. Stein, 1972, 485 ss.), o Tribunal Constitucional, “enquanto órgão de justiça constitucional é chamado a desempenhar uma função estabilizadora da Constituição, simultaneamente facilitando uma mudança social controlada (função evolutiva);

Actua também como uma válvula capaz de prevenir (ou remediar) fenómenos de estagnação de forças política e social (função-válvula);

Na qualidade de órgão fiscalizador competente para verificar se o processo de formação da vontade política e de outros poderes públicos, se dá no próprio leito e nos limites que lhe são atribuídos, o Tribunal Constitucional corrige de forma vinculativa os comportamentos conflituantes com a Constituição (função de controle);

A de resolução de conflitos levada a cabo pelo órgão constitucional de justiça contribui para a formação da paz social e resolve os conflitos políticos e sociais através de um procedimento de tipo judicial (função de pacificação);

A de implementação dos direitos fundamentais, promove a activação da liberdade (função educativa).

Ademais, o princípio da adequação funcional, de que muito se apoia esta instância, apregoa que, sempre que a norma ordinária, processual ou material, não permita efectivar a materialidade constitucional, a referida norma deve ser afastada para que a Constituição seja realizada.

Nesta esteira, o artigo 49.º da Lei 3/08, de 17 de Junho, não deve prevalecer sobre o artigo 29.º; 72.º da CRA, e com base nestes artigos, este tribunal é competente para julgar a omissão de julgamento e conexos, por forma a garantir-se a reposição da constitucionalidade material e efectivar-se o comando da justiça constitucional material.

II. LEGITIMIDADE

Nos termos da alínea a) do artigo 50.º da LPC, têm legitimidade para interpor recurso extraordinário de inconstitucionalidade para o TC “as pessoas que, de acordo com a lei reguladora do processo em que a sentença foi proferida, tenham legitimidade para dela interpor recurso ordinário”.

Os Recorrentes foram os requerentes da providência de Acção Popular sob o Processo n.º 05/20, ao abrigo do artigo 73.º da CRA, logo têm legitimidade.

III. OBJECTO

O presente recurso assenta num duplo objecto, nomeadamente: apreciação da omissão do dever de julgar pelo Tribunal Supremo; e a apreciação da conformidade constitucional e legal do concurso para o provimento de Presidente da Comissão Nacional Eleitoral.

Questão Prévia

A República de Angola é um Estado democrático de direito, fundado no primado da Constituição e da lei, conforme o n.º 1 do artigo 2.º da CRA, densificado pelo artigo 6.º do mesmo diploma, traduzindo a ideia de que, na República de Angola, a actuação dos poderes públicos é sancionada pela Constituição e a lei, ou seja, a Constituição e a lei são o critério e limite de actuação. Vigorando assim o império da lei e não o império da vontade ou o arbítrio dos sujeitos.

O artigo 175.º da CRA clarifica: “no exercício da função jurisdicional, os tribunais… estão apenas sujeitos à Constituição e à lei”.

Com isto, para referir que os tribunais, Constitucional e Supremo, sendo, embora, ambos tribunais superiores, este último está igualmente vinculado ao dever de cooperação ou colaboração para com o Tribunal Constitucional, no exercício da sua função, v.g. executando as decisões, respondendo às diligências que lhe são solicitadas, conforme o disposto no n.º4 do artigo 174.º da CRA e do artigo 9.º da Lei n.º 2/08 de 17 de Junho – Lei Orgânica do Tribunal Constitucional.

No caso em análise, o recurso extraordinário de inconstitucionalidade foi precedido de reclamação contra retenção do recurso, que segue os termos estabelecidos pelo artigo 688.º e 689.º, com as devidas ressalvas, do Código de Processo Civil (CPC).

Admitido o recurso, o Venerando Juiz Conselheiro Presidente, requisitou a subida do processo principal, por despacho de fls. 07 dos autos, cumprido por ofício n.º37/OT/SJ/TC/2020, aquela solicitação não foi cumprida pelo Tribunal Supremo, tendo sido apresentada uma justificação sem respaldo legal, visto que, a subida deve ser imediata, sem mais termos.

Não obstante a inobservância supra, a Relatora por cautela e prudência que demanda uma melhor decisão, mesmo sem obrigação legal, repetiu a solicitação dos autos junto do Tribunal Supremo, num prazo de 15 dias, através do despacho de fls. 14 dos autos, tendo sido entregue por ofício n.º 49/SJ/TC/2020. Igualmente, não houve resposta nem houve expedição do processo.

Ocorrências do género, para além de atentar contra o Estado democrático de direito, constitui uma forma de obstrução da justiça, dificultando o cumprimento do poder-dever público de administração da justiça com base na Constituição e na lei.

Com efeito, salientamos que, postura desta natureza sejam expurgadas do seio do poder judiciário, máxime, do Tribunal Supremo, enquanto instância máxima da jurisdição comum, de quem não se espera menos que uma actuação que espelhe o cumprimento exemplar da Constituição e da lei, participando desta forma na consolidação do Estado de direito.

IV. APRECIANDO

Os Recorrentes vêm nos presentes autos solicitar ao Tribunal Constitucional a declaração de inconstitucionalidade da omissão do Tribunal Supremo em relação à Acção Popular instaurada; e a apreciação da constitucionalidade e legalidade do concurso para provimento do cargo de Presidente, da Comissão Nacional Eleitoral (CNE), conduzido pelo Conselho Superior da Magistratura Judicial (CSMJ).

A) Sobre a denegação de justiça por omissão do dever de julgar

Os Recorrentes socorreram-se ao Tribunal Constitucional, impugnando a inércia do Tribunal Supremo em relação a Acção Popular instaurada contra o concurso conduzido pelo CSMJ, para provimento do Presidente da CNE.

Entendem ser inconstitucional o silêncio do Tribunal Supremo, porquanto, passados mais de 100 dias sobre a propositura da Acção Popular, não houve qualquer actuação do Tribunal Supremo sobre o mesmo, não foi emitido qualquer despacho liminar (admitindo ou indeferindo a acção), e apresentadas três sucessivas reclamações, outrossim, não houve resposta.

Consideram que tal facto configura uma recusa objectiva de julgar a Acção Popular, o que traduz uma forma de denegação de justiça aos Recorrentes, em violação da Constituição da República de Angola (CRA).

Ante à invocada inconstitucionalidade, é irrevogável questionar o seguinte:

a) A falta de emissão de qualquer despacho em relação a Acção Popular, mesmo passados mais de 100 dias, é ilegal?

b) Tratando-se de uma acção popular que impugna uma decisão materialmente administrativa, o tribunal tinha algum prazo para decidir?

Uma adequada resposta às questões supra suscitadas, carece de um prévio enquadramento do regime processual da Acção Popular em Angola.

Ao abrigo do disposto no artigo 74.º da CRA, sob a epígrafe “Direito de acção popular”, qualquer cidadão, individualmente ou através de associações de interesses específicos, tem direito à acção judicial, nos casos e termos estabelecidos por lei…

Da disposição supra decorre que, a acção popular segue um regime processual especial, a ser estabelecido em diploma próprio ou específico. Todavia, na ordem jurídica angolana ainda não se materializou aquele comando constitucional, pelo que, há ainda uma lacuna neste aspecto.

Nesta esteira, sem prejuízo às especificidades da acção popular, a inexistência daquela lei deve ser suprida recorrendo às normas processuais administrativas vigentes, conquanto, trata-se do regime que lhe é supletivo, aliás o próprio regulamento do concurso ora impugnado pode-se verificar o mesmo sentido no artigo 15.º.

Com efeito, no caso em análise, o facto da acção popular ser impugnatória de actos materialmente administrativos, no que for aplicável, a lacuna deve ser suprida com recurso ao regime do contencioso de impugnação de acto administrativo, vertido no Decreto-Lei n.º 4-A/96, de 5 de Abril, que aprova o Regulamento do Processo do Contencioso Administrativo.

Nesta conformidade, respondendo à questão colocada na al. a) ao abrigo do n.º 1 do artigo
45.º do Decreto-Lei n.º4-A/96, podemos constatar o seguinte: “ o juiz deve lavrar despacho ou exposição no prazo de 10 dias (sublinhado nosso), do qual conste:

a) Se o tribunal tem jurisdição ou competência para conhecer do processo;

b) Se o demandante está devidamente representado…;

c) Se o acto impugnado é susceptível de impugnação …;

d) Se o recurso foi interposto dentro ou fora do prazo.

Desde artigo, resulta claro e inegável que, o despacho liminar neste processo deveria ser exarado no prazo de 10 dias, a contar da recepção da petição dos Recorrentes.

O Tribunal Constitucional entende e reforça que o silêncio na emissão do despacho liminar, de admissão ou indeferimento da acção popular em pauta, volvidos mais de 100 dias sobre a propositura da acção, com a agravante, de a inércia ter sido objecto de reclamações dos Recorrentes que também não mereceram qualquer reacção ou resposta da parte do Tribunal Supremo, viola a Constituição, sendo que, o silêncio do Tribunal Supremo denega justiça aos Recorrentes, porque relega a acção popular instaurada a uma estagnação, inércia ou situação de não continuidade processual.

Tal posicionamento, viola inequivocamente princípios constitucionais, do direito de acessar aos tribunais e de obter destes uma decisão em tempo processual oportuno; igualmente, a falta de emissão de qualquer despacho sobre a acção instaurada violada ostensivamente o direito a um julgamento justo e conforme, nos termos do artigo 72.º da CRA, que estabelece a obrigação para os juízes observarem a correcção, a justiça, objectividade e legalidade em toda a sua actuação no processo, de modo que, a conduta quer seja comissiva ou omissa não falte com o dever de obediência à Constituição e as leis que sejam aplicáveis.

Tratando-se de acção popular impugnatória de actos materialmente administrativos, o tribunal está sujeito a prazo para proferir decisão (sentença ou acórdão)?

Decorre do artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 4-A/96, de 5 de Abril, que o prazo para a prolação do acórdão é de 30 dias.

No caso vertente, a acção popular foi instaurada no Tribunal Supremo a 23 de Janeiro de 2020, conforme fls. 35 a 48 dos autos.

Não obstante, até à interposição do presente recurso extraordinário de inconstitucionalidade, a 19 de Maio de 2020, já havia decorrido mais de 100 dias, sobre a proposição da acção popular, porém, não houve qualquer pronunciamento do Tribunal Supremo, nem mesmo em relação as sucessivas reclamações que foram dirigidas.

Destarte, o Tribunal Constitucional considera que, ao não ter sido prolatada nenhuma decisão, nem dentro do prazo legal, nem mesmo extemporaneamente, o Tribunal denegou justiça aos Recorrentes, pois, relegou à indefinição jurídica uma acção instaurada, desatendeu ao ónus imposto aos tribunais, em geral, de a justiça dever ser eficaz, célere, legal e as decisões proferidas em tempo razoável, sendo que, no caso em análise, a cláusula do razoável é superada com a fixação de um prazo certo para que o Tribunal profira uma decisão, isto é, 30 dias, ao abrigo do disposto no artigo 56.º do Decreto-Lei n.º4-A/96, de 5 de Abril.

O silêncio do Tribunal Supremo em relação a presente acção popular, que ataca um concurso de que resultou a designação do Presidente da CNE, longe de atacar interesses próprios dos Recorrentes vulnera um interesse público de grande relevo, conexo com a estabilidade e credibilidade daquela instituição, pelo que a urgência na decisão e o encerramento da contenda jurídica se impunha com maior pujança.

Com isso, é dever do Tribunal Constitucional acudir e repelir actos públicos que atentam contra as garantias constitucionais dos cidadãos.

Neste sentido, esta instância declara inconstitucional a inércia do Tribunal Supremo em relação ao Proc. 05/20 Acção Popular, porque, violadora dos artigos 2.º; 6.º; 29.º;72.º; 74.º; n.º2 do artigo 174.º; n.º 1 do 177.º, todos da CRA, conjugados com o artigo 8º da Declaração Universal dos Direitos Homem, n.º 1 do artigo 45.º e artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 4-A/96, de 5 de Abril.

B) Sobre a inconstitucionalidade e ilegalidade do concurso para o provimento do cargo de Presidente da CNE.

Os Recorrentes vieram à terreiro, suscitar uma série de inconstitucionalidades e ilegalidades que, pretensamente, viciaram ou inquinaram o concurso para provimento do cargo de Presidente da CNE, conduzidos pelo CSMJ, juntando vários documentos tendentes a fazer prova das invocadas ilegalidades do concurso e consequente decisão para o provimento e tomada de posse.

Não obstante, face ao exposto na apreciação da competência, o Tribunal Constitucional entende não ser ainda judicioso o conhecimento do mérito ou fundo da demanda, pelo que, devolve-se a apreciação das inconstitucionalidades e ilegalidades do concurso, prima facie, ao Tribunal Supremo, dando-se-lhe, desta forma, a oportunidade de motu proprium corrigir a sua inércia e julgar as questões suscitadas na Acção Popular, dentro dos prazos estabelecidos na lei.

Por conseguinte, deve o processo baixar e ser julgado no prazo de 30 (trinta) dias vertido no artigo 56.º do Decreto-lei retro mencionado.

C) Sobre a tomada de posse, estando pendente uma Acção Popular

Decorre dos autos, a fls. 75, cópia da peça processual, na qual os Recorrentes suscitaram a suspensão da eficácia da deliberação do concurso em pauta, a 23 de Janeiro de 2020.

Sucede porém que, o Tribunal recorrido fitou-se ao silêncio e em consequência foi conferida posse ao candidato Manuel da Silva Pereira, como Presidente da Comissão Nacional Eleitoral, aos 19 de Fevereiro de 2020.

Nos termos n.º 3 do artigo 15.º, do regulamento do concurso, “os termos e efeitos do recurso contencioso da deliberação da avaliação são os previstos na legislação reguladora da impugnação dos actos administrativos…”.

Porém, não devemos perder de vista que, o processo em análise assenta numa acção popular, cujo regime legal do contencioso administrativo em vigor é aplicável apenas supletivamente, e na parte em que não contrariar a essência ou especificidades da acção popular.

Nesta conformidade, a norma referida serve apenas como referência e não determina em si o regime processual da acção popular.

Estando pendente uma acção popular, com o respectivo pedido de suspensão da eficácia da decisão (que ela impugna), a tomada de posse necessariamente deveria ficar suspensa, até a decisão judicial da acção proposta, com fundamento nos n.ºs 1 e 2 do artigo 60.º do Decreto-Lei n.º4-A/96, de 5 de Abril, aqui aplicável subsidiariamente.

Pois, a acção popular assentou em factos graves, cuja comprovação dos mesmos, importam necessariamente a declaração da nulidade da deliberação do concurso. E o interesse público da legalidade, transparência e imparcialidade dos actos administrativos do Estado não é compaginável com a legitimação pública (tomada de posse) de processos e actos imbuídos de elevada suspeição, estribadas na violação de normas imperativas proibitivas, v.g, limites de mandatos.

Outrossim, constitui praxis administrativa nos concursos curriculares, de e para os tribunais, a regra segundo a qual, a tomada de posse fica suspensa, enquanto não transitar em julgado as acções judiciais ou recursos interpostos.

No caso vertente, tratando-se de provimento para o cargo de Presidente da CNE, uma instituição com elevada responsabilidade para o processo democrático, de pacificação e equilíbrio de poderes, é exigível que o provimento dos cargos operem sem máculas legais ou suspeições em relação aos membros, perante os cidadãos, que só poderão ser expurgadas após apreciação judicial.

Pelo que, o Tribunal Constitucional declara inválida e sem efeito a tomada de posse do candidato vencedor, até o trânsito em julgado da decisão a ser proferida sobre a Acção Popular pendente em Juízo.

Nestes termos,

DECIDINDO

Tudo visto e ponderado, acordam em Plenário, os Juízes Conselheiros do Tribunal Constitucional, em: Declarar parcialmente procedente o presente recurso.

1- Julgar inconstitucional, por denegação de justiça, a inércia do Tribunal Supremo, no julgamento da Acção Popular sob o processo n.º 05/20, que impugna o concurso para o provimento do Presidente da CNE;

2- Baixar o processo para o Tribunal Supremo, devendo operar o julgamento da questão no prazo de 30 dias, vertidos no artigo 56.º do Decreto-Lei n.º 4-A/96, de 05 de Abril;

3- Declarar sem efeito a tomada de posse do candidato designado no concurso em pauta.

Sem custas, nos termos do artigo 15.º da Lei n.º 3/08, de 17 de Junho.

Notifique.

Tribunal Constitucional, em Luanda, aos ____ de Dezembro de 2020.

Os Juízes Conselheiros

Dr. Manuel Miguel da Costa Aragão (Presidente)________________
Dra. Guilhermina Prata (Vice-Presidente)_____________________
Dr. Carlos Magalhães_____________________________________
Dr. Carlos Manuel dos Santos Teixeira_______________________
Dr. Carlos Burity_________________________________________
Dra. Josefa António dos Santos Neto________________________
Dra. Júlia de Fátima Leite da Silva Ferreira___________________
Dra. Maria Conceição A. Sango (relatora)____________________
Dra. Maria de Fátima de Lima B. A. Da Silva__________________
Dr. Simão de Sousa Victor_________________________________
Dra. Victória Manuel da Silva Izata_________________________

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