Luanda em Estado de Abandono: A Cólera como Retrato do Fracasso Institucional

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Por Florindo Chivucute

Luanda vive, neste momento, uma das mais graves crises sanitárias das últimas décadas. A epidemia de cólera, que desde o início do ano se espalha por várias províncias de Angola, encontrou na capital um terreno fértil para se propagar — consequência direta da negligência institucional e do colapso dos serviços públicos básicos.

Segundo dados divulgados por vários órgãos de comunicação social, Angola já registou mais de 12.600 casos de cólera e 475 mortes confirmadas. A província de Luanda lidera em número de infecções, com mais de 5.000 casos, seguida por Bengo, com 2.832. Especialistas alertam que estes números estão muito aquém da realidade, uma vez que a subnotificação é generalizada — estima-se que existam quatro casos não registados para cada diagnóstico laboratorial confirmado.

A Face Visível da Negligência

Esta tragédia não se deve apenas à propagação de uma bactéria. Ela é, acima de tudo, o reflexo direto do fracasso das instituições públicas encarregues de proteger a vida e o bem-estar da população. O Ministério da Saúde, o Governo Provincial de Luanda, as Administrações Municipais, bem como as empresas responsáveis pela limpeza urbana, como a Empresa de Limpeza e Saneamento de Luanda (Elisal) têm falhado — e continuam a falhar — de forma sistemática.

Um dos exemplos mais alarmantes desta omissão é o caso da Rua do Suba, no bairro Marçal, mesmo em frente ao conhecido “Prédio dos Soviéticos”, onde, ironicamente, vivem médicos estrangeiros. A zona está mergulhada no lixo, que se acumula por dias sem recolha, transformando-se em um verdadeiro foco de infeção num espaço densamente habitado. A Elizal, empresa supostamente encarregue da gestão do lixo, tem ignorado por completo as suas responsabilidades, agravando a crise sanitária e colocando milhares de vidas em risco.

O Silêncio das Autoridades e o Peso da Constituição

A Constituição da República de Angola é clara ao afirmar que o Estado tem o dever de garantir o direito à vida e o acesso à saúde pública. No entanto, a realidade de Luanda desmente, na prática, esta premissa. A ausência de políticas públicas eficazes, a falta de saneamento básico, a gestão ineficiente do lixo e a apatia das autoridades traçam um retrato sombrio de abandono institucional e desrespeito pela dignidade humana.

Importa sublinhar que a cólera é uma doença evitável, que pode ser controlada com medidas simples de higiene, saneamento e educação sanitária. A passividade do governo face ao crescimento dos casos e à morte de centenas de angolanos é, no mínimo, chocante. Para os que deveriam proteger a população, a saúde pública parece ter-se tornado apenas mais uma estatística.

Um Apelo Urgente à Responsabilidade

Perante este cenário trágico, impõe-se uma resposta urgente e responsável das autoridades públicas – medidas concretas e imediatas:

  • Recolha sistemática e eficiente do lixo urbano;
  • Campanhas massivas de sensibilização e prevenção da cólera;
  • Garantia de acesso à água potável e saneamento básico;
  • Responsabilização legal e administrativa dos gestores públicos e das empresas concessionadas que negligenciaram os seus deveres.

Basta de Promessas Vazias

Os cidadãos, especialmente os moradores de Luanda, devem exigir respeito pelos seus direitos fundamentais. O preço da omissão governamental está a ser pago com vidas humanas — e esse custo é alto demais para continuar a ser ignorado.

A cólera, em Angola, não é apenas uma crise sanitária. É o espelho cruel e doloroso de um Estado ausente, de instituições públicas inoperantes e de uma gestão que tem falhado, repetidamente, com o seu povo.

É tempo de dizer, de forma clara e firme: basta.

 

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