Friends of Angola denuncia à ONU violação de direitos humanos em Angola
A organização não-governamental Friends of Angola (FoA) exorta o Governo angolano a abster-se de acções que possam constituir assédio, perseguição ou interferência indevida no trabalho dos defensores dos direitos humanos, nomeadamente através de assédio judicial.
Em carta enviada à Organização das Nações Unidas (ONU), a organização angolana defensora dos direitos humanos, descreve os últimos acontecimentos que resultaram na detenção e julgamento sumário de jovens activistas, quando tentam protestar contra proibição de circulação de mototaxis na cidade de Luanda e o custo de vida das famílias.
Abaixo a carta endereçada aos relatores, comissários e grupos de trabalho de peritos da ONU:
Senhores Relatores Especiais, Comissários e membros do Grupo de Trabalho de Peritos,
RE: Julgamento sumário e penas de prisão para manifestantes pacíficos em Angola
A Friends of Angola-FOA (Amigos de Angola), é uma organização de advocacia com sede em Washington D.C., com estatuto consultivo especial no Conselho Económico e Social das Nações
Unidas (ECOSOC), que capacita e apoia a sociedade civil angolana na promoção da democracia, dos direitos humanos, da transparência e da boa governação.
Escrevemos para informar sobre o recente julgamento sumário e condenação de quatro defensores dos direitos humanos – Adolfo Campos, Gildo da Silva Moreira, Hermenegildo André e Abrão Pedro Santos – em Angola.
Foram detidos em 16 de setembro de 2023 por planearem uma marcha pacífica contra as restrições impostas aos mototaxistas em Luanda. Três dias depois, foram condenados a dois anos e cinco meses de prisão, pelos crimes de desobediência e resistência. O caso evidencia uma tendência preocupante de aumento das represálias, intimidação e perseguição judicial dos defensores dos direitos humanos em Angola.
Solicitamos aos vossos honoráveis mandatos que lancem um apelo urgente às autoridades angolanas, instando-as a tomar medidas imediatas para perdoar os defensores e garantir a sua libertação urgente. Solicitamos ainda que exortem as autoridades a cessar o assédio judicial aos defensores dos direitos humanos e a garantir que a intimidação e as acusações criminais não sejam usadas para silenciar vozes críticas, de acordo com os direitos dos cidadãos à liberdade de expressão, reunião e associação.
Antecedentes factuais
No dia 16 de setembro de 2023, os activistas Adolfo Campos, Gildo da Silva Moreira (também conhecido por “Tanaice Neutro”), Hermenegildo André (também conhecido por “Gildo das Ruas”) e Abrão Pedro Santos, tinham planeado realizar uma manifestação contra as restrições impostas aos mototaxistas em Luanda. No entanto, foram detidos com outros dois manifestantes antes do início da manifestação, inicialmente sob a acusação de terem insultado o Presidente da República, ao abrigo do artigo 333º do Código Penal angolano.
Os activistas foram detidos em condições desumanas, com falta de alimentação, e segundo Adolfo Campos, durante a sua detenção, lhe foi apontada uma arma à cabeça e que lhe foi dito para assinar um documento sob coação.
Quando chegaram ao tribunal, a 19 de setembro de 2023, as suas acusações foram alteradas de insulto ao Presidente da República para o crime de desobediência e resistência, contrário aos artigos 340º e 342º do Código Penal. Foram submetidos a um julgamento sumário no Tribunal Provincial de Luanda, que não respeitou o seu direito a um julgamento justo. Em termos críticos, não foi apresentada qualquer prova substantiva contra eles – apenas um relatório da polícia – para provar a infração. O seu advogado só recebeu o relatório da polícia horas antes do início do julgamento. Três dias após a sua detenção, em 19 de setembro de 2023, foram condenados pelos crimes de desobediência e resistência, e sentenciados a dois anos e cinco meses de prisão. A sua condenação e sentença foram descritas como um grave erro judiciário. De acordo com a lei angolana, um crime passível de prisão não pode ser determinado com base num relatório policial, sem provas, mas o tribunal recusou-se a converter a sentença em multa. Quando o advogado levantou as suas preocupações durante o julgamento, foi ameaçado pelo juiz.
Apesar de numerosos atrasos processuais por parte do tribunal, que frustraram o processo de interposição de recurso, os seus advogados conseguiram finalmente apresentar um recurso contra a sua condenação e sentença em 9 de outubro de 2023. Prevêem uma resposta no prazo de três meses.
A condenação destes quatro activistas ocorre num contexto de crescente intimidação e detenções de manifestantes e activistas em Angola. Um dos activistas, Tanaece Neutro, tinha sido recentemente libertado por uma condenação semelhante. (Tinha sido condenado pelo Tribunal Distrital de Luanda, em outubro de 2021, a uma pena de prisão de um ano e três meses e a uma taxa de justiça de 50.000 Kwanzas, entretanto suspensa, pelo crime de insulto à imagem da figura do presidente da República ou de qualquer outro órgão de soberania, contrariando o artigo 333.º). A agenda política tem sido descrita como tendo como objetivo intimidar os críticos para proteger a imagem do Presidente da República a todo o custo.
Violações de direitos
A perseguição judicial de manifestantes pacíficos em Angola neste caso viola numerosas normas nacionais, regionais e internacionais. A Constituição angolana garante o direito à liberdade de expressão (artigo 40.º), reunião pacífica (artigo 47.º) e associação (artigo 48.º). O artigo 47º permite que os cidadãos protestem sem autorização, embora exija que notifiquem previamente as autoridades sobre reuniões e manifestações públicas. Estes direitos são ainda protegidos nos tratados internacionais de que Angola é Estado Parte. Os artigos 19º, 21º e 22º do Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos (PIDCP) e os artigos 9º, 10º e 11º da Carta Africana dos Direitos Humanos e dos Povos (CADHP) protegem os direitos à liberdade de expressão, reunião pacífica e associação.
As Directrizes da Comissão Africana dos Direitos Humanos e dos Povos sobre a Liberdade de Associação e de Reunião em África, também prevêem que “Participar e organizar assembleias é um direito e não um privilégio, pelo que o seu exercício não requer a autorização do Estado” … “a presunção é sempre a favor da realização de assembleias, e estas não devem ser automaticamente penalizadas, através de dispersão ou sanção, [por exemplo] devido à falta de notificação”.
A Declaração das Nações Unidas sobre o Direito e a Responsabilidade dos Indivíduos, Grupos ou Órgãos da Sociedade de Promover e Proteger os Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais Universalmente Reconhecidos, também conhecida como Declaração sobre os Defensores dos Direitos Humanos (1998), afirma ainda que os defensores dos direitos humanos, tal como os outros cidadãos, têm direito à liberdade de expressão, associação e reunião. A Declaração estabelece que lhes deve ser concedida a liberdade de exercerem legalmente a sua ocupação ou profissão, bem como a proteção efectiva das leis nacionais para se oporem, por meios pacíficos, a actos ou omissões imputáveis ao Estado que resultem em violações dos direitos humanos.
A detenção, o julgamento sumário e a condenação dos quatro activistas violam os direitos consagrados e as liberdades fundamentais acima referidos. Para desempenharem as suas funções de defesa do Estado de direito, da igualdade e do respeito pelos direitos e liberdades fundamentais, os defensores dos direitos humanos em Angola devem poder realizar o seu trabalho e a sua defesa num ambiente seguro e propício, sem receio de assédio, criminalização, ameaças ou actos de intimidação.
Apelo urgente
Tendo em conta a gravidade da situação acima descrita, solicitamos aos vossos honoráveis mandatos que lancem um apelo urgente às autoridades angolanas para que
– Perdoem e libertem Adolfo Campos, Gildo da Silva Moreira, Hermenegildo André e Abrão Pedro Santos na sequência do seu julgamento e condenação ilegais por terem exercido os seus direitos à liberdade de reunião pacífica, associação e expressão.
– Abster-se de acções que possam constituir assédio, perseguição ou interferência indevida no trabalho dos defensores dos direitos humanos, nomeadamente através de assédio judicial.
– Tomar medidas imediatas para assegurar a existência de salvaguardas suficientes, tanto na lei como na prática, para garantir a plena independência e segurança dos defensores dos direitos humanos, bem como a sua proteção efectiva contra qualquer forma de retaliação relacionada com a sua atividade profissional.
– Tomar medidas imediatas para garantir a segurança e a proteção dos defensores dos direitos humanos em Angola, assegurando um ambiente seguro e propício ao seu trabalho, sem receio de represálias ou intimidações.
Agradecemos antecipadamente a vossa assistência urgente.
Com os melhores cumprimentos,
Florindo Chivucute
Diretor Executivo
Friends of Angola