ENXAGUANDO A LÍNGUA ENSABOADA – LIÇÕES DE LINGUÍSTICA E GRAMÁTICA PORTUGUESA (S)

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Texto de Alberto Sebastião “Littera-Lu” e Caetano Cambambe

DIZ-SE PONTE OU VIADUTO!?

Durante o primeiro semestre lectivo de 2018, na tentativa de adequar o que se vê nalguns livros didácticos sobre português à realidade angolana, em particular a luandense, decidimos fazer uma pesquisa sobre ‘’ponte’’ e ‘’viaduto’’.

Ao longo do trajecto ‘escola-casa’, ‘casa- escola’, decidimos, sempre que estivermos a bordo de um azul e branco, saber até que ponto os vianenses, cidadãos que vivem no município de Viana, em Luanda, em particular aqueles que fazem o serviço de táxi, sabem sobre ponte e viaduto.

Tal pesquisa começou em Março, visto que foi o mês em que se deu à abertura das aulas nalgumas instituições de Ensino Superior.

Ora, você tem a ideia de quantos táxis, de Março a Junho, subimos? Nem nós se nos recordamos!

Para começar, a gente, como é habitual, subia a um táxi. Quase 50 metros da nossa paragem, dizíamos:

– Senhor cobrador, ficamos no próximo viaduto.

Dos inúmeros táxis em que subimos, não houve, inclusive os ocupantes, quem não ficasse surpreso com a expressão “viaduto”.

Alguns ‘’cobradores’’, que por acaso actualmente são chamados de ‘’gerentes’’, assazmente preocupados, chegavam até a perguntar a um ocupante mais próximo ou até ao motorista se, eventualmente, conhecessem alguma paragem nova com o nome de “viaduto”.

Enquanto se indagavam, mais próximo da paragem ficávamos. Quando notávamos que quase nos iam deixar numa paragem errada ou avançar um pouco mais a nossa paragem, falávamos:

– Ficamos na ponte a seguir…

Logo, recebíamos um:

– Ham! Senão, não tínhamos noção de qual paragem os senhores ficariam.

De todos os táxis em que subimos, de Março a Junho, a resposta era quase idêntica.

Para José Carlos de Almeida (2011), ‘’ponte é uma construção permanente ou provisória em metal, (…) que suspensa sobre um curso de água (…) se destina à passagem de veículos ou de pessoas.

Em outras palavras, ponte é aquela armação de metal ou de betão que se situa sobre um rio, com o intuito de facilitar a transportação de mercadorias e pessoas de um lado para o outro.

Vale recordar que ponte, etimologicamente, de acordo com o A-Z, dicionário electrónico de português, deriva das expressões latinas ‘’pons’’ e ‘’pontis’’.

Viaduto, do latim ‘’via + ductus’’, por sua vez, ‘’é uma ponte sobre um vale, ribeiro, linha férrea, estrada… que serve de passagem superior‘’.  (idem, pág. 126)

Embora o padrão culto da língua diga isso, olhando um pouquinho para nossa realidade e para o que aqui se fala, não se denota uma clara distinção, pelo menos ao que temos constatado, entre ponte e viaduto, à semelhança de ‘falar’ e ‘dizer’. Aliás, tem se usado ponte para cobrir o valor semântico que, no livro, viaduto assume.

No nosso dia-a-dia, assistimos a uma enorme distância entre o que a escola e os livros dizem para ser usado e o que na realidade encontramos fora do livro e da escola. Como se notou acima, viaduto ainda é muito estranho, mas a ponte, não, não é.

Em Luanda, a realidade não é aquela que vimos nas televisões e nos livros. Parece ser montagem de uma realidade que não existe. Embora José Carlos de Almeida, autor do livro Ensaboado & Enxaguado, diga que ponte e viaduto são coisas diferentes, do ponto de vista pragmático, em Luanda, quase que a discrepância entre ambas não é existente.

Viaduto, por aqui, não é muito bem conhecido, fazendo com que o seu emprego, às vezes, chega a causar dificuldades de percepção, tal como vimos na pequena pesquisa acima. Tanto aquela construção de metal que se encontra sobre uma linha férrea, sobre uma estrada ou sobre curso de água, em Luanda recebem o nome de ‘’ponte’’, embora haja poucos que ainda fazem esforço a fim de utilizar cada elemento no seu contexto.

Não há motivo por que se deve olhar para isso como um erro e, de igual modo, não significa ‘’falar à toa’’, tal como aquela personagem fictícia, que por acaso é o senhor (José Carlos de Almeida), diz.

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