DAVID MENDES: “NÃO ADMITO QUE OS ESTRANGEIROS TENHAM MAIS VANTAGENS DO QUE OS ANGOLANOS”

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Dezasseis dias depois de ter afirmado no parlamento angolano como estando contra a privatização de empresas angolanas por portugueses, cuja afirmação teve ecos a favor e contra, o deputado independente pela bancada da UNITA, David Mendes, diz que não retira nenhuma virgula nas suas declarações, segundo afirmou em entrevista a OPAÍS, durante a qual falou também do actual Presidente da República, João Lourenço, e do seu antecessor, José Eduardo dos Santos

A liderança da bancada parlamentar da UNITA diz não se rever no seu pronunciamento feito na Assembleia Nacional no dia 11 deste mês, em que não aceitava que os portugueses “tomassem de assalto” as privatizações das empresas nacionais em detrimento dos angolanos…

Mantenho e reafirmo as minhas declarações. Falei por mim e não pelo presidente da bancada parlamentar da UNITA. Reassumo na plenitude o que eu disse.

Mas a liderança da bancada não gostou…

O líder da bancada pode ter o seu pensamento, eu tenho o meu. Cada um vê Angola como vê, por isso, não retiro uma única vírgula das minhas declarações feitas na Assembleia Nacional.

Alguns dos seus colegas dizem em surdina que o seu pronunciamento é uma “declaração” de xenofobia contra os portugueses.

Lamento que o Congo do falecido Mobutu, agora RDC, tivesse defendido, apoiado e inclusive dado bases à UNITA, e eu não ouvi nenhum deputado desta bancada a reclamar quando trataram de forma indigna e dura os congoleses que foram recentemente escorraçados das zonas de garimpo.

O senhor é contra os portugueses?

Não. É uma má interpretação de alguns deputados que têm interesses em Portugal e que fazem negócios com esses mesmos portugueses. Uma boa parte de deputados da UNITA tem interesses nesse país e pensam que Portugal é algo intocável.

Há quem diga que isto é ingratidão, pois o senhor possui bens nesse país também…

Mentira. Eu não tenho património em Portugal. Quando me posicionei contra os chineses em Angola, que queriam açambarcar a nossa terra para fins inconfessos, não vi ninguém a acusar-me de ódio ou xenofobia. Usei uma frase do Presidente Agostinho Neto: “Ao inimigo nem um palmo da nossa terra e quem tentar será vencido”. Esses chineses estavam a devastar as nossas florestas no Moxico e no Cuando Cubango, retirando ilegalmente madeira.

Mas o que pensa então sobre os portugueses?

Paulo Portas ofendeu os angolanos, mas quando veio a Angola foi recebido com pompa e circunstância. O nosso Presidente da República foi à Assembleia da República em Lisboa, o Bloco de Esquerda não se levantou para saudá-lo. Não ouvi nenhum deputado do MPLA ou da Oposição a questionar esta falta de respeito ao nosso Chefe de Estado.

Devido às suas posições, há quem diga que o senhor esteja ao serviço do principal adversário político da UNITA, o MPLA, apesar de ser deputado independente. Até porque o senhor foi do MPLA…

Eu nunca fui do MPLA. Fui sim da OPA e da JMPLA. Mas isto não é importante. O importante é dizer que João Lourenço pode ter sido eleito pelo MPLA, mas desde o momento em que assume a liderança do país é o Presidente de todos os angolanos. E qualquer desrespeito ao nosso Chefe de Estado é um desrespeito aos angolanos.

O senhor está a interpretar os cidadãos que estão a criticar a sua afirmação como sendo defensores dos portugueses?

Acho estranho que haja angolanos a defender os portugueses. Há muita coisa por reclamar, mas ninguém o faz. Vou dar um exemplo: O Brasil tem mais de 200 milhões de habitantes, tem isenção de visto de Portugal. Angola tem 24 milhões, mas não tem isenção de visto. Ainda assim dizemos que somos irmãos com Portugal.

Há quem justifique países “irmãos” devido aos laços históricos…

Segundo estatísticas, dizem que em Portugal vivem 14 mil angolanos, mas em situação de miséria e em bairros pobres, enquanto em Angola vivem 170 mil portugueses e ocupam lugares de destaque nos bancos e nas grandes empresas. Ganham salários acima dos angolanos. Por isso, os defensores do portugueses deviam pensar antes de falarem. Não admito que os estrangeiros tenham mais vantagens do que os angolanos.

Correm informações segundo as quais a bancada da UNITA diz-se arrependida por ter um deputado independente como o senhor, que, em alguns casos, não se revê nas posições tomadas, apesar de reconhecer em si muitas vantagens?

Eu não sou um político qualquer. Também não sou uma pessoa qualquer. Tenho pensamento próprio, sou independente e tenho ideias independentes. O facto de estar na bancada da UNITA não quer dizer que tudo tem que
convergir. Não.

Porquê?

Eu disse várias vezes que os meus pronunciamentos não vinculam a UNITA, porque vinculam a mim mesmo, porque eu não sou da UNITA. É preciso fazer esta distinção. Agora, o que diz o presidente da bancada da UNITA vinculao a este partido porque ele é deste partido. Ele é dirigente deste partido e deve submeter-se aos estatutos, mas eu apenas me submeto à minha consciência.

Quando o senhor foi convidado para integrar a lista de candidatos a deputados, apesar de ser independente, nada foi acertado sobre as suas intervenções no Parlamento?

Eu não permito censura. Não estou à procura de emprego. Eu faço política dentro de uma visão nacionalista. Aderi à UNITA porque acredito que ela pode ser poder. E eu posso ajudar nesse sentido. Mas uma coisa fique claro: Vou continuar a pensar pela própria cabeça.

O senhor foi muito crítico em relação à governação do ex-Presidente da República, José Eduardo dos Santos, mas agora é citado como sendo seu defensor.

Diz-se que em política tem que se saber posicionar-se. José Eduardo dos Santos já não está no poder e não se deve continuar, como se diz na gíria, a “bater no velhinho porque já não consegue se defender”. É precioso reconhecer o papel de José Eduardo dos Santos enquanto patriota. Ele é um homem sereno, calmo, e sem ódio. Tive uma relação de proximidade com ele enquanto membro do Governo de Unidade e de Reconciliação Nacional (GURN). É preciso, também, ter em conta a sua experiência governativa de vários anos. Hoje, nota-se uma aparente banalização de José Eduardo dos Santos. Ele é um estadista de referência a nível africano e deve ser respeitado. Aliás, o Presidente Marcelo Rebelo Sousa de Portugal diz que é um estadista brilhante em África.

Com essa situação de “independência” na bancada parlamentar da UNITA, qual é a sua relação com o chefe desta, o deputado Adalberto Costa Júnior?

Tenho uma relação boa. Ele é meu amigo pessoal. Respeitamo-nos um ao outro. Também sou amigo pessoal do general Numa e do Raul Danda. Este último é um grande companheiro, trato-o como meu irmão de sangue, mesmo não termos nascido do mesmo ventre.

Fonte: OPaís | Ireneu Mujoco

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