CASO N.º 6: O GATUNO É O SETENTA

Compartilhe

VÍTIMA: Eduardo Mbuta Mbindiangani “Tonton”, 36 anos, natural do Uíge

DATA: 12 de Abril de 2017

LOCAL: bairro da Mabor, município do Cazenga

OCORRÊNCIA:

Após ter assistido o jogo de futebol entre o Barcelona e a Juventus, para a Liga dos Campeões, Tonton e amigos puseram-se à conversa na rua, para comentar o resultado da partida e falar de assuntos da igreja a que todos pertenciam.

“O meu sobrinho [Tonton] estava a conversar quando esse gatuno afamado do bairro, conhecido como Setenta, apareceu e ficou a ouvi-los.

Três polícias fardados, que tinham deixado o carro escondido junto à igreja muçulmana, vieram”, descreve o tio Lucau.

A seguir, “o senhor da DNIC [SIC] aproximou-se do grupo. Não deu boa noite e disparou logo contra o meu sobrinho, atingindo-o na perna com uma bala incendiária. O meu sobrinho gritou logo e perguntou por que razão lhe estavam a dar um tiro, se o gatuno estava ali ao lado”, continua Lucau.

“Então, os polícias deram conta do engano. O que disparou deixou o meu sobrinho e foi contra o gatuno, que já estava a fugir. Deu-lhe um tiro nas costas e outro no fígado. Ele caiu no outro quintal”, afirma o tio, porta-voz da família.

Os agentes policiais deram Setenta como morto e, quando se retiravam do local, foram confrontados por Tando, irmão de Lucau, que assistiu ao episódio: “O meu irmão disse-lhes ‘vocês deram tiro a um inocente. Deixaram o gatuno e agora vão embora sem socorrerem o inocente?’”

Entretanto, Setenta foi socorrido pela mãe e levado para o Hospital Américo Boavida. Sobreviveu. Tonton faleceu no mesmo hospital, 24 horas após ter sido alvejado.

De acordo com família e vizinhos, Eduardo Buta Mbindiangani “Tonton” dedicava-se ao comércio na fronteira do Luvo (Mbanza-Kongo), Kinshasa (RDC) e Congo. “O meu sobrinho estava para viajar na mesma semana para Londres. Já o tinha visto, tinha tudo organizado para ir viver lá”, conta o tio.

A família nota que Tonton “nunca esteve detido, nunca teve problemas. Era muito conhecido na Mabor. Mataram-no por engano”.

O tio Lucau afirma que os executores provinham da Esquadra da D. Amália, “que está sob comando da Esquadra do Kimakieto”.

“Apresentámos queixa à DNIC [SIC] e não obtivemos nenhum resultado. Na Esquadra da D. Amália disseram-nos apenas ‘eh pá, isso aconteceu. Pronto’. Não deram importância nenhuma”, explica.

Persistente, a família dirigiu-se à Direcção Provincial de Investigação Criminal (DPIC), onde apresentou nova queixa. “Tiraram umas notas sobre o que dissemos e mais nada. Esses homens não dão valor à vida humana”, lamenta.

 

Fonte: «O campo da morte – Relatório sobre execuções sumárias em Luanda, 2016/2017», Rafael Marques de Morais