CAMPO DA MORTE: CASO N.º 22: “A CABEÇA DELE JÁ NÃO TRABALHAVA”
VÍTIMAS: Salomão Bernardo Kissanga Sacaia “Mestre Deque”, 29 anos, natural de Luanda; Kleber Monteiro José Bernardo, 17 anos, natural de Malanje
DATA: 27 de Janeiro de 2017
LOCAL: bairro do Cauelele, município de Cacuaco
OCORRÊNCIA:
“O meu filho foi baleado frente à minha casa. Ele tentou correr e acabou por morrer no quintal do vizinho, com um tiro na mão e outro nas costas”, denuncia António Bernardo.
Por volta das 19h00, Mestre Deque foi encontrado sentado à porta de casa, em conversa com Kleber, que se encontrava de visita. Viera da Lunda-Norte, onde residia e estudava no Pré-Universitário do Dundo-Central.
Ironicamente, de acordo com informações prestadas pelos vizinhos, o pai de Kleber é um oficial do SIC destacado na Lunda-Norte.
“Os DNIC [SIC] eram três e apareceram outra vez e pediram ao meu irmão para acompanhá-los. Ele recusou e um dos agentes sacou da pistola e deu-lhe o primeiro tiro no braço direito”, refere o irmão Pedro.
Segundo os vizinhos, Kleber foi morto onde estava, sentado, com um tiro no pescoço.
António Bernardo revisita os últimos anos de vida do filho: “Ele tinha trabalhado numa empresa de segurança, numa embaixada, mas depois ficou maluco. Todos sabiam que a cabeça dele já não trabalhava. A polícia sabia e nós tentámos tudo para o ajudar, mas não deu resultado”.
Durante o mês de Janeiro, Mestre Deque foi detido duas vezes em casa.
“Na primeira semana, a polícia da Esquadra do Bate Nu [bairro Uíge] veio buscá-lo. Passadas muitas horas, soltaram-no, afirmando que ele não tinha feito nada. No dia 15 de Janeiro levaram-no outra vez, para a Esquadra do Cauelele, sem qualquer justificação, mas libertaram-no.”
Segundo o pai, a 20 de Janeiro, efectivos da Polícia Nacional foram detê-lo pela terceira vez, em casa, mas não o encontraram. “Os polícias vieram com o queixoso, que disse que tinha oferecido cerveja ao meu filho e a mais três amigos seus na rua e que [durante o convívio] estes lhe tinham tirado 40 mil kwanzas”, afirma o pai.
“Depois de matarem o meu filho, o comandante [da Esquadra do Cauelele] veio pessoalmente tirar os dados, enquanto os seus homens recolhiam os corpos. Deu-me o seu número de telefone, nem sequer disse o seu nome, ninguém aqui conhece o seu nome.”
“São mesmo os do SIC. Eles matam e depois os polícias da esquadra vêm recolher os corpos. Eles estão a matar por bairros. Iniciaram no Compão e agora passaram para o nosso bairro”, denuncia António Bernardo.
“Se alguém que mata tem direito a julgamento, como é que o meu filho não teve? Temos medo de, se falarmos, também sermos mortos. Sabíamos que o rapaz mexia [praticava furtos]. Ficamos assim”, conclui.
Fonte: «O campo da morte – Relatório sobre execuções sumárias em Luanda, 2016/2017», Rafael Marques de Morais