MANICO AGUARDA A MORTE
Em Agosto, depois de me aperceber de um esforço feito pelo Joaquim Namassali Inho na divulgação do caso do Manico e de o partilhar, sugeri ao MCK que, na nossa passagem pelo Lobito, lhe fizéssemos uma visita para tentar dar visibilidade e sentido de urgência na busca de uma solução (se a houvesse) para este jovem.
Fizemos um pequeno vídeo, depois o Fala Angola (TV Zimbo) fez também uma peça sobre o caso e, de repente, após um ano e dois meses a engonhar, o Hospital Geral de Benguela passou uma guia de transferência para o rapaz vir se tratar em Luanda, no Josina Machel, no início de Setembro.
Ao visitá-lo, quisemos falar com o médico que nos indicaram ser responsável pelo seu processo, Dr. Leonel, e que tínhamos sorte, pois ele aparecia apenas uma a duas vezes por semana, mas naquele exato momento estava ali.
Aguardámos que atendesse todos os que estavam à sua espera e depois ele, atencioso, recebeu-nos e deu-nos uma longa explicação técnica acerca do estado do tumor do Manico.
Quando indagámos acerca da capacidade real de reverter a situação e salvar o rapaz, se havia solução, se a havia em Angola, tranquilizou-nos afirmando categoricamente que com apenas 5 sessões de radioterapia estancava-se e secava-se o tumor, seguindo depois para a cirurgia maxilofacial para reconstrução da mandíbula. Que as únicas reservas que tinha prendiam-se com a eficácia desta segunda fase porque a pele dos albinos tem elevada probabilidade de “reagir mal” a enxertos, mas que a progressão do carcinoma, essa, seria estancada.
Quando liguei para a mãe a meados de Outubro e ela me informou que o Manico tinha sido devolvido para Benguela, ainda pensei que já tinha ido com todo o tratamento feito. Não era o caso. O boletim de consultas mostra que ele teve 6 consultas cujos códigos tenho estado a identificar com amigos médicos, mesmo não sendo eles da área de oncologia e não parecem casar com o anunciado:
1 consulta de cirurgia (CIR)
1 consulta de CC (código por decifrar)
1 consulta de psicologia
1 consulta (não sessão) de oncologia (quimioterapia-QT)
1 consulta (não sessão) de radioterapia (RDT)
1 consulta cujo código é impercetível
Finalmente, uma requisição de raio-x por preencher, um papel manuscrito pelo Dr. Leonel com um pré-diagnóstico indicando que o tratamento devia ser feito com recurso a radioterapia e, após um mês e meio internado e sendo visto apenas por 6 vezes, uma guia de transferência para o Hospital Geral de Benguela, com a indicação de tratamento meramente paliativo, já não radiante. É tudo o que consta no processo clínico que lhe foi entregue ao sair de Luanda.
Nesse período que durou o seu internamento em Luanda, ficámos sem saber que exames (biópsias, exames citoquímicos, exames imagiológicos) concretos foram feitos para determinar exatamente que tipo de tumor e em que fase de disseminação se encontra.
Manico está fragilizado e não tem como sair do alto do morro da Boa Esperança/Bela Vista para o Hospital de Benguela, uma viagem de 40 minutos, para ir fazer tratamentos paliativos.
Cuidados paliativos não podem ser só uma forma de dizer: “o doente vai morrer”. A forma como se morre diz muito sobre a realidade de um sistema de saúde. Manico, ainda que tenha uma doença intratável merecia cuidado, atenção, esmero, empatia. Cuidados Paliativos deviam significar cuidados humanizados e não apenas ser um eufemismo para dizer caso sem solução, a ser empurrado para longe.
A transferência do Manico foi feita de carro, uma viagem com duração superior a 13 horas. O descaso, a desumanização no setor da saúde agravada pelas deploráveis condições de trabalho do sistema, turnos duplos, salários em atraso, culminam em tragédias deste tipo.
Manico vai morrer, não porque o seu caso não tivesse solução, mas porque não valia o esforço. Mais uma vítima dos implacáveis marimbondos e do rol de horrores que as suas práticas promovem na sociedade.