JLO 2003 VERSUS JLO 2018

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A polémica entrevista de há 15 anos que colocou João Lourenço entre os ‘proscritos’ de JES

No rescaldo do 6º congresso extraordinário do MPLA, o Correio Angolense  sugere um exercício interessante aos seus leitores, disponibilizando-lhes, na íntegra, a entrevista que João Lourenço concedeu ao extinto jornal “A Capital” em 2003, quando fez as conhecidas declarações que o levaram a perder o cargo de secretário-geral do MPLA.

Com a devida vénia aos seus autores, fomos resgatar essa entrevista, que estava aparentemente perdida nos ‘arquivos mortos’ do passado, por se tratar de uma peça que configura um excelente estudo de caso para a história política de Angola. A sua leitura pode, desde logo, ser um contributo para que se conheça um pouco mais a génese do pensamento político daquele que é hoje o Presidente dos angolanos.

Interessará, por exemplo, concluir se nesses quinze anos em que João Lourenço esteve, diga-se, em hibernação política, ele terá afinal evoluído ou nem tanto. Como alguém que se revelava naquela altura um dos falcões do regime, e não propriamente a pomba que parece ser hoje, encarava então questões sensíveis como o combate à corrupção, actualmente erigido como porta-estandarte da sua actuação como Presidente da República? É genuíno o seu actual comportamento político, ou se trata de mera adaptação às circunstâncias?

Quem tiver olhos que (re)leia a entrevista de João Lourenço.

“MILIONÁRIOS NÃO SÃO APENAS OS QUE ESTÃO NO PODER, SÃO-NO ATÉ OS QUE VIERAM DAS MATAS!”

A CAPITAL – Estudantes universitários manifestaram-se a favor do reinício das aulas e outros farão o mesmo pelos passes sociais. Dois exemplos de um conjunto de manifestações que têm surgido em catadupa desde que começou o ano. Na visão do MPLA porquê que isso acontece?

João Lourenço – Isto acontece porque há um conjunto de problemas que estão por resolver. Temos consciência disso. Os cidadãos recorrem a esta forma de luta que, em princípio, é legal. Estas manifestações estão previstas na lei desde que não hajam distúrbios. Se houver civismo, as manifestações públicas são direitos que cabem aos cidadãos.

Estas manifestações, assim como o surgimento de cada vez mais greves e o próprio aumento da criminalidade sugerem que a população em geral está agastada com as condições de vida . Há de concordar com isso…

Não. O aumento da criminalidade está relacionado com a falta de emprego. Sabe que a guerra terminou há pouco mais de um ano, foram desmobilizados milhares de militares, quer das forças governamentais quer da UNITA. Infelizmente a nossa economia ainda não está em condições de absorver toda esta força de trabalho. A nossa administração pública está saturada, já tem excedentes de trabalhadores. Portanto, tem de ser a economia a organizar-se no sentido de poder absorver esta força de trabalho. Isto vai levar algum tempo, mas acreditamos que, com o andar do tempo e neste ambiente de paz que é propício ao desenvolvimento da nossa economia, o sector privado vai crescer e com o seu crescimento o problema do desemprego vai ser paulatinamente solucionado.

No fundo estamos diante de problemas que indiciam a falência do regime? O MPLA assume esta falência?

Não. Penso que é uma afirmação que não corresponde à verdade. O regime não está falido, mas enfrenta alguns problemas inerentes ao facto de o país ter enfrentado uma situação de guerra muito prolongada. Poucos países no mundo sobreviveriam a três décadas de guerra, felizmente ainda estamos de pé. Temos os problemas que muitos países que nunca tiveram guerra também os têm. Os países da Europa têm taxas de emprego bastante elevadas, a África do Sul tem uma taxa de criminalidade bastante elevada, e trata-se de um país que nunca teve guerra. Acredito que, apesar de tudo, quer a taxa de emprego como a de criminalidade existentes em Angola não são das piores. Não quero com isso dizer que estamos satisfeitos com esses índices, antes pelo contrário. Devemos lutar para que as coisas melhores e acreditamos que neste ambiente de paz vamos conseguir vencer mais este desafio.

Enquanto cidadão que adjectivo atribui a um Governo incapaz de suprir as necessidades básicas da maioria da população?

O problema não pode ser posto de forma tão linear. Tem que se ver em que conjuntura é que esse Governo não conseguiu resolver as necessidades mais básicas da população. O Governo teve que estabelecer outras prioridades e graças a isso mantemos o nosso país independente e livre. A soberania foi defendida, mantida porque os recursos que deveriam resolver essas tais necessidades mais básicas da população tiveram que ser desviadas para a defesa nacional. Isto é uma realidade inquestionável e temos a certeza que o povo angolano não tem memória curta. Não têm que ser os políticos a dizer-lhes que os problemas mais elementares não foram resolvidos devido à conjuntura de guerra. Mas hoje existe a vontade, o interesse e o empenho do Governo na busca das soluções que se impõem. Acreditamos ser praticamente impossível resolver em um ano os problemas acumulados em quase três décadas de guerra. Não há Governo nenhum neste mundo que, em um ano, conseguiria resolver os problemas que a guerra impediu de resolver em três décadas.

Até agora a guerra foi usada para justificar determinadas situações. Decorrem também da guerra situações como o desaparecimento do Boeing, as obras mal executadas mesmo depois de serem gastas somas avultadas? A incompetência, visível, de alguns membros do regime continuará escudada em três décadas de guerra?

Olhe, o país ideal não existe. A questão do Boeing é lamentável, mas isso poderia acontecer em qualquer parte do mundo. Nós não poderíamos, por exemplo, aceitar que um país tão policiado como são os Estados Unidos da América, que investe biliões e biliões anualmente no seu sistema de defesa e segurança tivesse consentido, entre aspas, o que ocorreu a 11 de Setembro. Portanto, as pessoas poderiam interrogar-se e afirmar que talvez fosse normal acontecer num país que não investe tanto na segurança nacional. Mas, ironicamente,  que verificamos é que o país que mais investe na segurança nacional não conseguiu detectar a tempo toda a preparação de um atentado com a envergadura do 1q1 de Setembro. Apenas para dizer que que a questão do Boeing aconteceu. O que é preciso é que não volte a acontecer.

Persiste em utilizar a guerra como culpada por todos os males, porém, ela não impediu o enriquecimento de figuras ligadas ao poder?

Bom, algumas figuras ligadas ao poder talvez estejam a enriquecer. Mas não serão apenas elas. O enriquecimento está a acontecer numa certa franja de cidadãos angolanos. Ninguém me vai dizer que os empresários bem sucedidos nesta sociedade estão todos ligados ao poder. Não estão ligados ao poder. Estão ligados aos bancos e por via de financiamentos que conseguem estão a enriquecer, estão a criar riquezas. Entre eles alguns que, com certeza, estarão também ligados ao poder. Devo dizer que não temos que temer o surgimento de ricos, e todos os países devem promover a riqueza e não combatê-la. É verdade sim que os países devem tomar medidas no sentido de que a riqueza seja conseguida de forma lícita, mas não deve o combate puro e simples. Se as pessoas conseguirem a riqueza, mantiverem-na e fizerem-na crescer na base do seu trabalho, recorrendo a formas limpas de financiamentos de projectos, pensamos que o Estado não tem que condenar, antes pelo contrário, deve encorajar o surgimento de uma classe empresarial e de uma franja rica da sua população. A tendência deve ser fazer fazer enriquecer os pobres e não fazer empobrecer os ricos. Isso pode ser conseguido por via de fazer com que os ricos contribuam muito mais para as receitas fiscais do Estado. Quem é rico, deve pagar mais pelos impostos, deve contribuir muito mais para as receitas fiscais no sentido de o Estado, com esses recursos, poder investir em programas sociais que vão beneficiar a grande beneficiar a grande maioria da população, nomeadamente a menos favorecida.

Isso corresponde à teoria, mas a prática sugere que há uma distribuição injusta do rendimento nacional, favorável a quem está no poder, e que não é nada fácil conseguir-se financiamentos…

Essa é a sua opinião. Conhecemos muita gente que não tem absolutamente nada a ver com o poder, algumas até estão contra o poder, e são tão ricas ou mais do que as que estão no poder.

Como é que se justifica que membros do poder ostentem grande riqueza enquanto parte importante da população nada tenha para comer?

Pessoas não só do regime! Não só do regime! São cidadãos em geral. Portanto, ninguém me vai convencer que as pessoas que têm recurso em Angola são todas e apenas ligadas ao regime, isto não corresponde à verdade!

Há de convir que pessoas ligadas ao regime constituem a grande maioria dos “nossos milionários”…

Bom, as pessoas que vieram das matas há relativamente pouco tempo, há cerca de três ou quatro anos, alguns que estão no Governo de Unidade e Reconciliação Nacional talvez tenham acumulado alguma riqueza igual ou superior aos que nunca saíram daqui. Mas não me levem a citar nomes, agradeço que não façam isto.

O Presidente da República afirmou, no final de 2002, que com a chegada da paz havia finalmente chegado o momento de o MPLA mostrar que sabe governar. Um ano depois, acha que o MPLA já conseguiu demonstrar que é capaz de fazer melhor do que mostram os resultados destes anos de governação?

Vamos dar mais tempo de benefício ao MPLA porque acreditamos que um ano é tempo demasiado curto para se poder testar a nossa capacidade de governação. O período de graça, nas condições em que nós recebemos o país depois do 4 de Abril, deve ser um pouco mais dilatado.

Como é que define a situação do país do ponto de vista económico e social?

Defino como uma situação má e difícil que herdámos do período de guerra. Contudo, ao mesmo tempo defino como um momento de muita esperança,  em que começamos a ver a luz no fundo do túnel. A paz era o bem precioso que necessitávamos para começar a resolver os problemas do país. Temos actualmente condições para começarmos a pensar seriamente na recuperação das infra-estruturas que foram danificadas pela guerra, organizar melhor a nossa economia, fazer crescer o sector empresarial privado. Nenhum país se desenvolve apenas com o trabalho do Governo, a sociedade também tem a sua quota-parte. Caracterizo este momento como sendo de grande optimismo.

Insiste que, no lugar de uma lição de democracia, o congresso da UNITA foi apenas uma realização de democracia?

Insistimos nesse ponto de vista e vamos explicar porquê: fizemos o exercício de passagem de um movimento de guerrilha para um partido político há 30 anos. Quem vem fazer a mesma coisa, 30 anos depois, diz que nos está a dar lições? É um contrassenso.

Há que ter em conta as modalidades de escolha da liderança do partido, nomeadamente o número de candidatos e o sistema de votação. A história diz que se trataram de situações inéditas…

Não. Cada partido tem os seus estatutos. O mais importante é que respeitemos o que os nossos estatutos dizem. Não nos queiram impor nada que esteja fora dos nossos estatutos. Quem diz que, em 1979, por ocasião da substituição do Presidente Neto, José Eduardo dos Santos foi o único candidato? Não estávamos a viver a mesma situação de hoje, vivíamos uma situação de partido único onde a actividade política não era tão mediatizada como hoje. Mas o Presidente José Eduardo dos Santos não era o único candidato. A história está aí para dizer. Houve consultas internas no Comité Central e já naquela altura houve elementos que apresentaram, não digo outros, mas outro candidato. Acabou por vencer a candidatura do Presidente dos Santos. Portanto, o que aconteceu agora no congresso da UNITA não foi uma inovação. Foi algo que aconteceu num momento diferente, em que estamos a viver já uma democracia multipartidária, onde a vida dos partidos é mais acompanhada pela sociedade, mais mediatizada e é apenas esta a diferença.  Continuamos a considerar que não recebemos lições de ninguém. O voto no MPLA é secreto e será assim no próximo congresso.  As pessoas que dizem o contrário não sabem o que se passa na vida interna do partido.

No próximo congresso há de surgir mais de uma candidatura para a liderança do partido?

Não devemos obrigar ninguém a candidatar-se. Portanto, se surgirem outros candidatos serão bem-vindos, mas não podemos ser nós a empurrar as pessoas para que se candidatem. A possibilidade de surgimento de vários candidatos está contemplada nos estatutos. Agora, não levem a direcção do partido a ter que inventar candidatos. Eles devem aparecer de forma natural, ou na sequência da vontade das organizações de base a que eles pertencem.

Como caracteriza o relacionamento do MPLA com as demais forças políticas do país, sobretudo quando persistem as acusações de ingerência na vida interna de alguns partidos?

Isso só demonstra alguma uma falta de maturidade dessas forças políticas que assim agem. Acho que temos de encontrar as nossas insuficiências em nós mesmos e não nos outros, quando temos problemas em casa não podemos acusar o vizinho. Mas felizmente esta tendência parece estar a diminuir, já houve uma altura em que se ouvia mais essa música. Ultimamente toca menos. Diria que as nossas relações são boas, são normais e civilizadas. Conseguimos protagonizar um feito inédito no mundo, salvo opinião contrária, que foi o de termos sabido conviver no Parlamento com deputados de um partido político que, ao mesmo tempo, estava no Parlamento e nas matas a desestabilizar o país. A convivência foi boa, é evidente que no princípio não havia tanto à vontade, mas o gelo foi se quebrando de dia para dia. Hoje as nossas relações são boas com os parlamentares da oposição e os líderes de partidos sem assento parlamentar.

Não acredita que as forças políticas que vão surgindo são importantes para o reforço da democracia?

A decisão de não apoiar os partidos políticos da oposição foi tomada pela Assembleia Nacional. Em 1991 quando a sociedade se abriu para a democracia multipartidária e por que na prática haviam apenas três formações partidárias, o MPLA, a UNITA e a FNLA, porque no fundo eram as que participaram na luta de libertação nacional. Por essa razão impunha-se o incentivo para o surgimento de mais formações políticas. O Estado entendeu que deveria subsidiar a criação destas novas formações políticas. Era atribuído um subsídio de instalação e, depois, um subsídio de funcionamento aos partidos políticos formados no país. Hoje temos à volta de 150 partidos legalizados. Portanto os objectivos que se procurou alcançar em 1992 não só estão atingidos como também ultrapassados. Portanto conseguiu-se alargar o leque de formações políticas que o país necessitava.

A nova lei de financiamento dos partidos políticos revogou a criação de um fundo para apoiar novas formações. Porquê. Não serão tais formações, embora pequenas, importantes para a consolidação da democracia?

Quando se fala de democracia multipartidária, para que isso exista bastam dois partidos. Agora, não compete a ninguém, nem ao Estado, dizer quantos partidos políticos o país deve ter. A própria sociedade acabará por se ajustar e determinar, não por decreto nem por lei,  o número de partidos políticos que o país terá no futuro. Em 1991 quando a sociedade se abriu a democracia multipartidária e porque na prática existiam apenas três formações políticas, que no fundo eram as que participaram na luta de libertação nacional, impunha-se incentivar o surgimento de mais formações. O Estado entendeu que devia subsidiar a criação de novas formações políticas através da atribuição de um subsídio de instalação e outro de funcionamento. Agora, concluiu-se que era hora de não ser o Estado a continuar a financiar o surgimento de mais partidos políticos para além dos 150 já existentes. Para ser claro pode ser que daqui a três anos venhamos a ter 300 partidos, mas será sem o concurso do Estado. Esta decisão foi tomada pela Assembleia Nacional e não pelo MPLA. Com base na nova lei o Estado só financia os partidos que têm assento parlamentar.

“JES É UM HOMEM SÉRIO E, COMO TAL, HÁ DE CUMPRIR A SUA PALAVRA”

De uma vez por todas: José Eduardo dos Santos será ou não o candidato do MPLA nas futuras eleições presidenciais?

Acho que a sociedade deve fazer as suas análises, O Presidente dos Santos é muito conhecido do povo angolano e o povo tem uma opinião sobre ele, se é um presidente sério ou se não. Nós, enquanto MPLA, pensamos que e sério. E sendo sério acreditamos que vai honrar a sua palavra.

E, em função de tal seriedade, já está o MPLA a preparar o seu substituto? Que nomes, na estrutura do partido, pode indicar para substituir JES e representar o MPLA nas próximas eleições?

Se já tivéssemos resposta para esta questão não esperaríamos que nos perguntassem, nós mesmos viríamos a público e anunciaríamos a nossa decisão. Se isso não aconteceu é porque ainda não chegou o momento. Este poderá eventualmente acontecer por altura do quinto congresso. Repito: eventualmente, pode ser e pode não ser este o momento certo.

Eduardo dos Santos não disse que não seria o candidato para a liderança do MPLA no próximo congresso. Tudo indica que será do mesmo modo que, no seio do partido, parece haver muitas vozes discordantes. É isso o que constata?

Se existem vozes discordantes, elas só tê uma atitude a tomar quando chegar o dia da eleição: votarem contra. Portanto, os que dizem que discordam que o Presidente dos Santos continua à frente do partido só têm essa atitude a tomar. O voto é livre e eles podem votar a favor ou contra. Veremos qual a posição vencedora. Estamos numa fase de democracia e muito eventualmente vão surgir outros candidatos e eu, como militante do MPLA, vou exercer o meu direito e o voto é secreto.

Confirma algo dito por uma figura proeminente no partido, que a saída de figuras como a de Lopo do Nascimento do CC do MPLA teria criado um mau ambiente que ainda persiste dentro da vossa organização?

Dizer que criou mal-estar no seio do partido (…) Bem, o partido é grande. Seria um contrassenso que os mais de mil delegados ao congresso não tivessem votado a seu favor e que depois se concluísse que a situação criou mal-estar no partido. Isso seria uma contradição. Se a sua saída tivesse acontecido por força de um despacho unipessoal, provavelmente teria havido descontentamento na massa militante. Mas não foi o caso. O actual Comité Central é resultado do voto livre dos militantes do MPLA seu congresso. Ninguém foi coagido a votar a favor deste ou contra aquele. Portanto, não é verdade que criou um descontentamento. Devo ainda dizer que não se pode fazer disso um bicho-de-sete-cabeças. Já houve congressos do MPLA em que outras eminentes figuras não foram reconduzidas. Posso recordar os casos do então ministro da Defesa, e no tempo do partido único ser ministro da Defesa do regime era um cargo de muita responsabilidade, não foi reconduzido num certo congresso. O então ministro do Interior, hoje conselheiro do Presidente da República, não foi reconduzido. Algum dia alguém disse que isso criou descontentamento no seio do partido? Eles eram menos militantes e contribuíram menos para a nossa independência do que os outros camaradas? Não me parece. Portanto, o que se verificou no quarto congresso não foi um caso inédito. Teve antecedentes.

O que pode acontecer aos irmãos Pinto de Andrade depois de convocados pela comissão de disciplina do partido?

Não devo comentar este caso por que se eles estão a ser ouvidos por uma comissão de disciplina, não presido a esta comissão. Não devo ser eu a dar qualquer tipo de deliberação ou conclusão e sentença em relação à situação deles.

Serão mesmo profundas as mudanças anunciadas para o próximo congresso do MPLA?

Quando dizemos que vamos renovar em 45 por cento é porque vamos fazê-lo. Essa renovação não vai acontecer apenas a nível do Comité Central, mas também nos níveis superior, intermédio e de base. Não é um caso inédito, mas sim uma prática do partido. É prática renovarmos sempre em alguma percentagem as nossas direcções, os nossos órgãos de direcção. O que tem variado de congresso para congresso é o grau de renovação. Houve congressos em que renovamos apenas em 20 por cento, já houve congresso em que renovamos em 30 por cento. Agora decidimos renovar em 45 por cento. Essa renovação vai significar a entrada de novos militantes, do ponto de vista etário e de velhos. Vamos pôr um pouco de tudo, desde camponeses, intelectuais e empresários. Vamos procurar representar cada uma das diferentes franjas que compõem a sociedade angolana.

O que é que vai acontecer com o cargo de secretário-geral?

Em princípio nada. Sei que a imprensa está a falar muito na possibilidade de anulação deste cargo. O que eu sei é que nos níveis competentes de decisão do partido esta questão nunca foi vista. Não sabemos como é que a i prensa admite essa possibilidade. Não estou também a fechar em absoluto a possibilidade de isso vir a acontecer. Se até à realização do congresso entendermos fazer alterações das  estruturas de direcção, podemos fazer. Quem sabe possamos evoluir para a figura de vice-presidente e anulamos a do cargo de secretário-geral. Até aqui, em princípio, a estrutura vai manter-se, as designações continuarão a ser as mesmas.

“A GLOBAL WITNESS E AFINS ESTÃO AO SERVIÇO DA CIA”

Dirigentes da UNITA, em pronunciamentos públicos, têm dito que usarão a corrupção e as más condições sociais do país como arma de combate ao MPLA nas próximas eleições. Estará o MPLA em condições de contrapor tais argumentos?

Se revelarmos agora qual será a nossa arma de defesa, o nosso escudo ruiria. No seu devido tempo vão aperceber-se como nos vamos defender.

Além da UNITA há pronunciamentos internacionais que colocam Angola entre os países mais corruptos do mundo. É o caso de uma organização que nivelou o nível de corrupção em Angola ao registado nos regimes históricos  de Mobutu e Abacha. Há consciência, no seio do MPLA, de que a corrupção em Angola atingiu níveis tão alarmantes?

Nunca dissemos que não existe corrupção em Angola. O regime sempre considerou que existe corrupção da mesma  forma que existe na grande maioria dos países no mundo. Uns têm mais e outros menos. Mas não aceitamos que nos ponham ao nível de uma ex-República do Zaire, do tempo de Mobutu, ou de uma Nigéria, do general Abacha. Penso que em certa medida é injusto colocarem-nos ao mesmo nível. O problema dessas organizações que fazem este tipo de análises é que não são verdadeiramente independentes como dizem ser. Regra geral elas têm por detrás de si os respectivos governos. Portanto, se está a referir-se à Global Witness, esta organização não é tão independente como diz ser. Está ao serviço de forças que estão perfeitamente bem identificadas por nós.

Que forças são essas?

São forças que talvez não estejam muito satisfeitas com o desfecho que o conflito angolano teve. São forças externas ligadas à CIA, que talvez quisessem que o regime perdesse, que não houvesse paz em Angola ou que se houvesse não fosse nos moldes em que aconteceu, em que os próprios angolanos se sentaram e assinaram um entendimento que levou a uma paz que esperamos seja definitiva. Fala-se muito da má utilização dos recursos do petróleo. Enquanto o país esteve em guerra o regime nunca escondeu que utilizou grande parte das receitas do petróleo na defesa do país. Isto porque não tínhamos outra saída. Depois que caiu o muro de Berlim deixamos de ter a ajuda que recebíamos dos países do Leste da Europa e os países do Ocidente não nos prestavam a ajuda de que necessitávamos para fazermos frente ao movimento rebelde que, em certa medida, punha em perigo a nosso soberania. Como um estado soberano tivemos de usar esses recursos que são dos angolanos, não são dos britânicos nem dos americanos, para nos defender. Portanto, achamos que devíamos ser premiados por isso e não castigados. Os recursos do petróleo não foram parar aos bolsos de cidadãos angolanos, mas sim para o sector da defesa nacional para resolver o nosso problema e assim alcançar a paz.

Fala-se em pessoas, de renome do regime, que recebem bónus de contratos petrolíferos, além do que se passou com o badalado caso “Angolagate”… 

A questão do bónus, já o temos dito, é um disparate. Quanto ao Angolagate o Governo já deu uma informação sobre isso. O primeiro-ministro, na altura não o era ainda, foi ao Parlamento prestar esclarecimentos que impunham aos deputados e à nação. Parece que estes esclarecimentos terão sido suficientes.

Sendo que a corrupção existe e já foi considerada, ao nível mais alto do país, como o segundo mal depois da guerra, há políticas concretas defendidas pelo MPLA para o combate à corrupção?

Há uma fórmula simples e complexa ao mesmo tempo. Esta fórmula passa pelo reforço da democracia no nosso país, pelo reforço das instituições e dos poderes judiciais. Vamos combater a corrupção…

Com poderes como o Tribunal de Contas que até agora não apresentou resultados palpáveis do seu trabalho?

O Tribunal de Contas não é para julgar e condenar. Aquilo a que chama de resultados de trabalho do Tribunal de Conta não é tão visível assim aos olhos do cidadão comum. O que é visível é o trabalho dos tribunais que julgam e condenam. O Tribunal de Contas acaba por fazer um trabalho preliminar que depois vai ajudar os outros tribunais a mais facilmente e com maior sentido de justiça a realizarem o seu trabalho.

Sendo assim os casos de corrupção continuarão a ser ocultados ao resto dos cidadãos?   

Não estou a dizer que o Tribunal de Contas deva esconder os dossiers que tem. Mas a fase final da perseguição aos corruptos não é no Tribunal de Contas, que é uma fase intermédia.

Que méritos o MPLA alcançou ao longo de tantos de governação?

Não são poucos. O importante talvez não seja os números, mas a importância deles. O facto de termos sabido manter a independência e a soberania do país; de termos conseguido evitar a divisão do país, porque houve tentativas nesse sentido; o facto de termos mantido a unidade nacional, portanto, Angola é um país onde não conhecemos convulsões entre tribos ou grupos étnicos, a exemplo do que acontece na Nigéria. Isto aqui é impensável. Penso que para isso contribuiu as políticas correctas que o nosso partido defendeu e praticou ao longo dos anos. O contributo que demos à libertação do continente é um outro mérito. Não será demais dizer que hoje a região da SADC está livre do regime do apartheid graças a uma contribuição do povo angolano liderado pelo MPLA. Penso que essas são conquistas muito importantes que foram alcançadas e mantidas graças às políticas que foram defendidas pelo meu partido. No plano diplomático, há vantagens claras do facto de Angola ter ascendido a membro não permanente do Conselho de Seguranças. Se no passado éramos apenas conhecido negativamente, quem falasse de Angola falava de um país que estava na desgraça e que atravessava uma guerra prolongada, hoje começamos a ser falados pela positiva. Hoje, quem fala de Angola já fala de uma Estado membro não permanente do Conselho de Segurança, de um Estado que preside à própria SADC. Portanto, essas conquistas acabam por os verdadeiros embaixadores de Angola no contexto internacional.

As denúncias de corrupção e as conquistas diplomáticas influenciam a pretensa conferência de doadores. Do que é que está mais próxima, do êxito ou do fracasso, em função destes factores?

Tratando-se de uma conferência internacional em que haverá vários participantes, o seu êxito não depende apenas de Angola. E não podemos falar pelos outros, não sabemos bem o que é que vai na vontade dos outros estados. Não sabemos se a intenção é ajudar o país, ou deixar que Angola, à sua sorte, resolva os problemas do pós-conflito. A conferencia de doadores seria, em princípio, para reunir recursos alheios para resolver os grandes problemas do pós-guerra. Falo precisamente dos problemas que vocês dizem estar por resolver e que consideram ser fruto de uma certa incapacidade do Governo. Não se trata de incapacidade do Governo. Nenhum país conseguiu resolver os problemas do pós-guerra sozinho, todos tiveram, de alguma forma, o concurso da comunidade internacional, dos investidores estrangeiros, e é isso que procuramos encontrar com a realização da conferência internacional.

“QUANTO MAIS CEDO REALIZARMOS AS ELEIÇÕES, MELHOR”

Qual é a perspectiva do MPLA, no que a datas diz respeito, para a realização das próximas eleições?

O Conselho da República esteve reunido há escassos dias e teve o bom-senso de falar em datas. Procurarei ter o mesmo bom-senso que o conselho teve, até pelo facto de eu ser membro. Não vou avançar datas. Devo dizer que quanto mais cedo realizarmos as eleições, melhor. O país não realiza eleições há 11 anos, o que é um período exageradamente longo. O ideal seria realizar as eleições o mais cedo possível para ver se esses 11 anos não se transformam em 15 ou 20. Para isso é preciso dar-se alguns passos como a conclusão da nova Constituição, fazer o registo eleitoral e aprovar uma nova Lei Eleitoral. Tão logo estas tarefas estejam realizadas, a qualquer momento faremos as eleições.

Membros do MPLA põem, regularmente, de parte a realização do censo populacional, em benefício de um registo eleitoral. Está aqui uma consciência de que as próximas eleições não podem esperar pelo censo?

Consideramos que um censo populacional é algo  que não se faz em seis ou em um ano. É algo mais demorado, levará anos caso se pretenda fazer um censo sério. Não podemos aceitar, agora, porque ou se faz um censo sério, ou então é melhor ficarmos quietos. Não defendemos que se deva condicionar a realização de eleições à realização do censo. Pelo contrário, consideramos suficiente que se faça o registo eleitoral. Havendo o registo eleitoral poderemos fazer as eleições sem censo populacional.

Seja como for, 2004 já não é data para as próximas eleições?

Essa é a sua opinião que, entretanto, me parece ser muito realista. Basta vermos que 2004 será já daqui a seis meses.

Como presidente da Comissão Constitucional da Assembleia Nacional está em melhores condições de nos fazer entender sobre o que ainda falta para que a nova Constituição seja aprovada…

Em termos de texto temos os trabalhos bastante adiantados. As equipas técnicas, que são compostas por juristas e técnicos de outras especialidades e de vários partidos estão a trabalhar já no projecto do texto constitucional. O trabalho vai já bastante adiantado. Neste momento a comissão faz contactos bilaterais no sentido de aproximar posições com vista a apurarmos o resultado do concurso público para os símbolos nacionais. Sabe que foi aberto um concurso público que decorreu normalmente. Há uma subcomissão dos símbolos nacionais que seleccionou os três melhores símbolos de cada um deles e agora deve-se apurar os vencedores. Preferimos adoptar este figurino da consulta bilateral porque acreditamos que isto pode facilitar os trabalhos da plenária da Comissão Constitucional que deverá acontecer ainda este mês. Vamos ser optimistas que as coisas vão correr bem. A fase seguinte será levarmos à consideração da sociedade civil o pacote completo, o projecto de Constituição, incluindo textos e símbolos, para que a sociedade se possa pronunciar antes da Comissão remeter o assunto à plenária da Assembleia Constituinte para a aprovação definitiva.

Pelo que disse teremos, em princípio, nos primeiros meses de 2004 aprovada a nova Lei Constitucional?

Não vamos arriscar datas. Esse é um processo longo e moroso. Mas estamos a fazer tudo para concluirmos os trabalhos tão logo seja possível.

CABINDA: AUTONOMIA, SIM. INDEPENDÊNCIA JAMAIS

Quanto a Cabinda, na visão do MPLA a independência é ou não uma hipótese a ter em conta? Que soluções concretas o MPLA aponta para acabar com a guerra em Cabinda?

Achamos que o Estado seria irresponsável se aceitasse fraccionar o país. Portanto hoje seria Cabinda, depois o Cunene, Moxico e assim por diante.  Cada um descobriria uma razão para dizer que tem especificidades e por força delas não queremos ser angolanos. A tendência universal actual é unir e não dividir e nós ainda estamos a querer dividir. A divisão enfraquece e nós não queremos ser fracos. A independência de Cabinda seria uma divisão das actuais fronteiras que compõem o território de Angola. Não é por mero acaso que a Organização de Unidade Africana, que ao longo de muitos anos lutou pela independência dos países, a partir da década de 60 definiu que, para se evitar, conflitos desnecessários e perigosos, para as fronteiras dos novos países independentes deveriam ser consideradas as deixadas pelas potências coloniais. Não defendemos para Cabinda a independência e falamos disse sem subterfúgios. Podemos estudar, sim, alguma forma de autonomia, há vários exemplos no mundo. Mas não vemos para Cabinda a dita independência que sabemos estar a ser fomentada a partir de fora. Não são os cabindas que pedem a independência. Continuamos abertos ao diálogo, queremos resolver o problema por esta via. Estamos convencidos que vamos conseguir resolver este problema, leve o tempo que levar. Não temos pressa. A paz definitiva há de chegar também ao território de Cabinda, aliás estamos cada vez mais próximos de a alcançar.

(*) Entrevista de Tandala Francisco, José dos Santos e Suzana Mendes.

Fonte: Correio Angolense

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