CAMPO DA MORTE: CASO N.º 40: FUZILADOS NA CAMA

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VÍTIMAS: Francisco Nadinho “Kobe”, 25 anos; José Calosanse “Zé Badalho”,

23 anos; Domingos Paulo, 18 anos, todos naturais de Benguela.

DATA: 9 de Setembro de 2016

LOCAL: bairro 6, município de Viana

OCORRÊNCIA:

Os primos Kobe e Zé Badalho, assim como o amigo Domingos, encontravam-se a dormir num quarto de chapas, no quintal do tio Miguel Canganjo, onde residiam há vários meses.

“Um dos agentes ficou à minha porta e disse-nos que se alguém tentasse sair de casa seria morto. Eu, a minha esposa e as crianças ficámos ali calados até eles [o grupo operacional] terminarem a missão”, relata Miguel Canganjo.

O relógio marcava 4h20 da madrugada. De acordo com o tio, “os agentes tiraram uma chapa do quarto dos miúdos, um deles entrou, disparou um tiro e abriu a porta para os outros”.

“O Zé Badalho foi morto com um tiro na cabeça e outro no abdómen, na cama onde dormia. O Kobe morreu com dois tiros na cabeça e um nas costas. Mexeu-se e alvejaram-no nas costas, ali mesmo, na cama”, revela o tio.

Já o amigo, Domingos Paulo, “morreu com dois tiros, um na cabeça e outro no peito. Levantou-se da cama e caiu ao lado da porta”. Minutos depois da retirada dos assassinos, uma patrulha da Polícia Nacional fez-se presente no local do crime.

“Um primeiro subchefe, que liderava a patrulha, veio ter comigo e mandou-me ficar quieto, porque o trabalho tinha sido feito pela DNIC [SIC]”, revela Miguel Canganjo.

“Perguntei qual era a razão de tal trabalho, e o primeiro subchefe disse-me directamente que os meus sobrinhos eram gatunos e as motos eram roubadas para justificar o assassinato deles”, denuncia.

“Eu ajudei-os a comprar a primeira motorizada. Os sobrinhos viviam em Benguela e primeiro veio o Kobe, que começou a trabalhar como moto-taxista. Ganhou dinheiro e foi buscar o primo. As motos não eram roubadas”, afirma o tio.

Miguel Canganjo não esconde o comportamento dos sobrinhos: “Meteram-se na vida da delinquência”. Mas reitera que foi ele quem os ajudou, com fundos próprios, a comprar a primeira motorizada. Se os sobrinhos praticassem actos de delinquência relevantes — observa —, não estariam a viver num quarto improvisado feito de chapas, com falta de condições. Mais, afirma que nenhum dos três tinha cadastro criminal.

“O Francisco esteve detido uma vez, na Esquadra dos Contentores (44ª Esquadra, Estalagem de Viana), por atropelamento de uma senhora que, entretanto, saiu ilesa. A polícia cobrou-me 15 mil kwanzas para o libertar, assim como à motorizada. Juntei o dinheiro, paguei e ele saiu em liberdade.”

 

Fonte: «O campo da morte – Relatório sobre execuções sumárias em Luanda, 2016/2017», Rafael Marques de Morais

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