SAPÚ 2 “SITIADO” ENTRE A FALTA DE ÁGUA E A DELINQUÊNCIA

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Sapú 2, também conhecido como Ondjo Yetu, é um bairro projectado nos mesmos moldes do Zango e era suposto que fosse para pessoas de “baixa renda”. Mas, e dado que essa categoria é bastante incerta e volúvel, a população do bairro é hoje social e, economicamente, bastante heterogénea. Predominam os jovens e as crianças, o que dá ao quotidiano uma alegria e vivacidade próprias.

Fonte: Jornal de Angola

Bairro situado no Distrito Urbano da Cidade Universitária, a Sapú 2 surgiu praticamente do nada, numa zona constituída por lavras. As mamãs camponesas saíam das suas áreas de residência no Golfe 1, Rangel, Calemba, Neves Bendinha, Nelito Soares, e outros, e acampavam durante dias seguidos em casebres de sacos de serapilheira erguidos no meio do mandiocal.

Até que em 2004/2005, fruto do crescimento da cidade de Luanda, que obrigou ao desalojamento de populações que viviam em zonas de expansão imobiliária ou em locais considerados de risco, as camponesas foram expropriadas dos seus terrenos para dar lugar à construção do projecto habitacional que constitui hoje o bairro Sapú 2, também conhecido como Ondjo Yetu.

É um bairro projectado nos mesmos moldes do Zango e era suposto que fosse para pessoas de “baixa renda”. Mas, e dado que essa categoria é bastante incerta e volúvel, a população do bairro é hoje, social e economicamente, bastante heterogénea. Predominam os jovens e as crianças, o que dá ao quotidiano uma alegria e vivacidade próprias.

Fruto do trabalho, esforço e iniciativa dos moradores, o bairro está completamente transformado. Muitas, senão a maioria, das casas de construção precária dadas pelo Estado foram transformadas em habitações condignas. Algumas são mesmo consideradas pelos proprietários como a “casa dos sonhos”.

O bairro e os moradores foram dos principais beneficiários da construção da Via Expressa e da realização do CAN 2010: o projecto do Estádio 11 de Novembro obrigou à construção da estrada Calemba 2/Via Expressa, que valorizou exponencialmente as propriedades e dinamizou a vida em seu redor.

Fruto do trabalho, esforço e iniciativa dos moradores, o bairro está completamente transformado. Muitas, senão a maioria, das casas de construção precária dadas pelo Estado foram transformadas em habitações condignas

Outrossim, o Estado fez alguns investimentos de monta no interior do bairro. Asfaltou as principais vias de acesso, instalou a electricidade domiciliar e a rede igualmente domiciliar de abastecimento de água. Isso em períodos distintos.

Mas o abastecimento de água, como soe dizer-se, foi “sol de pouca dura”. Foi só durante uns seis meses, se tanto, em 2010, que os moradores tiveram a satisfação de beneficiar de água corrente em casa. “Temos a canalização, mas a água não corre há mais de seis anos. Somos obrigados a comprar a água dos tanques”, afirma António Kidingo, morador e pequeno empresário, dono da loja “Selo de Deus”.

As queixas em relação à falta de água são uma unanimidade na Sapú 2. Todas as manhãs o bairro é percorrido
por motorizadas de três rodas, baptizadas “Avô Chegou”, que vendem água aos bidons. Param praticamente em todas as casas, excepto nas que possuem tanques abastecidos por camiões cisternas.

“A falta de água é o principal problema do bairro. Temos a canalização, mas os garimpeiros desviaram a conduta no Calemba 2. Os próprios trabalhadores da EPAL colaboram com os garimpeiros, sabem onde ficam as girafas clandestinas e não fazem nada, até vão lá buscar dividendos”, refere Daniel Vieira, coordenador de Quateirão da Comissão de Moradores.

As suspeitas e até mesmo acusações à EPAL, relativamente à sua eventual responsabilidade no “desvio” da conduta de água é recorrente na Sapú 2. Sebastião Raimundo, vulgo Zé do Pau, também membro da Comissão de Moradores, diz que várias diligências já foram feitas junto da EPAL ao longo dos cerca de seis anos, sem resultados satisfatórios.

“A EPAL alega sempre que nós temos água. Como temos água se ela não corre nas torneiras? Há um provérbio
que diz: as pessoas que vivem debaixo das árvores é que escutam o barulho dos pássaros”, salienta Zé do Pau, incapaz de esconder a sua indignação.

Elias Francisco, empresário e morador, proprietário do restaurante e da panificadora Elias Comercial, nas Casas Azuis, também lamenta a falta de água. “Se a falta de água tem a haver com o garimpo no Calemba 2, a culpa não é dos moradores. Parece haver um conluio entre os garimpeiros e funcionários da EPAL. Se o problema está identificado, porquê que não se resolve?”, questiona, para depois dar a conhecer que o seu consumo semanal de água, na padaria e no restaurante, é de 10 mil litros. “Consumimos água de cisternas, que não é de qualidade garantida e além disso aumenta o custo do pão para o consumidor final”, salienta.

 

Segurança pública

Há um outro problema, tal como o da água estreitamente relacionado com a existência humana, que preocupa os
moradores. O da delinquência. Ou se quisermos, da segurança pública. Isso apesar do bairro estar relativamente bem servido com esquadras policiais. Possui duas.

Os assaltos a residências e na via pública são frequentes. Até as duas instituições bancárias presentes, BFA e BIC, já foram alvo de assaltos ou de tentativas de assalto. Alguns desses actos chegam a resultar em mortes. Foi o que aconteceu em Dezembro passado com o empresário Patrick Paulo Makanga, assassinado em Dezembro passado à porta de casa. O modus operandi dos bandidos está identificado. À noite, não precisa de ser muito tarde, basta o sol se pôr, aguardam que o cidadão ou a cidadã chegue a casa na sua viatura e o/a interpelam, com arma em punho, no momento em que desce para abrir o portão.

Outro tipo de assalto consiste em os delinquentes, igualmente de armas em punho, geralmente em plena luz do dia, baterem à porta e assim que esta é aberta entrarem de rompante e imobilizarem os moradores.

António Kidingo já foi vítima. “Uma vez vinha de um óbito e me apercebi que um carro me perseguia. Tive de avançar muito para lá da minha casa, fingi que não morava aí perto”, revela. Mas uma vizinha não teve a mesma sorte. “Ela não conseguiu escapar. Foi ‘colocada’ pelos bandidos, que a levaram no seu próprio carro e a largaram num terreno abandonado”, segundo Kidingo.

Luísa Venâncio também diz ter escapado por pouco. Os bandidos bateram-lhe à porta e dispunham-se a irromper no interior do quintal quando viram o seu marido, que naquele dia não foi trabalhar. Entraram em pânico e fugiram. “Eram adolescentes e certamente estavam armados. Por algum motivo
sentiram medo do meu marido”, refere.

“Esse tipo de assaltos deixa marcas muito profundas”, diz o empresário Elias Francisco, que sabe disso porque
um dos vizinhos já foi vítima. “Eles (os bandidos) tomam a família inteira como refém, violam as mulheres e violentam o chefe da família à procura de dinheiro. Os traumas ficam para a vida inteira e só Deus sabe no que as
crianças se transformarão”, explica, adiantando ainda que funcionários seus e clientes já foram alvo de assaltos à saída tanto da padaria como do restaurante. Por causa disso, informa, há dias em que tem de fechar mais cedo as portas.

“Há uma semana mataram um cidadão, presume-se que num outro bairro, e deixaram o corpo próximo das Bombas Descartáveis de Combustível”, disse Daniel Vieira, apontando para um posto contentorizado de abastecimento de combustível.

Questionado sobre a acção dissuasória ou repressiva da Polícia Nacional, Daniel Vieira, que também é o primeiro
secretário do CAP local do MPLA, não se conteve. “A nossa Polícia não se faz sentir, apesar de termos mesmo
aqui uma esquadra. Os efectivos trabalham de dia e à noite vão-se embora para as suas casas”.

No seu entendimento, os delinquentes saem dos bairros fronteiriços à Sapú 2, nomeadamente Sangue de Pomba, Farmácia e Bairro da Paz. “Antes tínhamos aqui o comandante Cobra, que tentava fazer qualquer coisa, mas com o novo comandante o efectivo também foi mudado e tudo piorou”, lamenta. “Pedimos o reforço da Polícia local. A Polícia não deve apenas mandar parar carros e motorizadas, deve também reforçar o patrulhamento à noite, que é o período em que geralmente os marginais actuam”, acrescenta.

 

Espaços públicos

Apesar das transformações mencionadas acima, que lhe dão a actual feição urbana, a Sapú 2 ainda retém, em espaços perfeitamente circunscritos, aquilo que poderíamos chamar a sua identidade rural original. É o caso da zona dos Imbondeiros. Quase uma dezena de grossos imbondeiros, de aparência majestática, foram preservados num largo que, apesar de tão mal cuidado, é o orgulho dos moradores. A bem dizer, é o postal da Sapú 2.

No largo são desenvolvidas actividades desportivas, com destaque para a ginástica ao cair da noite e o futebol aos
fins de semana. É bom de ver dezenas e dezenas de adolescentes a fazerem exercícios, a caminhar, a correr, de modo colectivo ou individual. “É um espaço destinado ao lazer, mas já houve tentativas de lá colocar lanchonetes e até oficinas”, refere Daniel Vieira.

Face à venda da maioria dos espaços públicos, os moradores estão preocupados com a Zona dos Imbondeiros.
Receiam que venha a ser privatizada. E não é para menos. Os terrenos com os fontenários construídos nos primórdios do bairro foram vendidos. Hoje os fontenários transformados em propriedades privadas.

“Foram ‘bem’ vendidos”, sublinha Daniel Vieira, dando um tom cómico a uma questão bastante séria. Os dedos todos apontam para o anterior responsável da Comissão de Moradores, que ficou no cargo durante 13 anos.

Um campo multiuso, construído pelo Estado, também tem sido alvo de preocupação. É um exemplo do descaso associado a determinadas obras públicas. Concluída a obra, ela foi pura e simplesmente abandonada. Não foi entregue a quem quer que seja. Sem um gestor que cuide do seu funcionamento, está em franca fase de degradação. Com a electricidade cortada, o recinto fica à noite às escuras.

Aliás, a falta de iluminação pública além de contribuir para a delinquência nocturna é um dos sintomas da incapacidade da administração local.

“A administração do Distrito da Cidade Universitária não está em conexão com os moradores. Aliás, recentemente
foram nomeados membros da comissão de moradores em processos puramente administrativos, sem a participação das comunidades que os deveriam eleger”, denuncia o empresário Elias Francisco.

 

Associativismo desportivo

Prova do carácter juvenil da população da Sapú 2 é a existência de várias associações desportivas, que sobrevivem à custa da carolice de uns quantos moradores entusiastas e de pronunciada vocação gregária. São os casos do ZTC Futebol Clube, Ngonguembo Futebol Clube, BB Futebol Clube e Amigos do 1º de Agosto.

Ao domingo de manhã o bairro da Sapú 2 é uma festa. Jovens devidamente equipados juntam-se nos poucos campos para praticar o desporto da suas vidas: o futebol. Por arrasto, outra multidão fica em redor a assistir. E quando o jogo termina, há o convívio do costume entre jogadores e assistentes. Quem pode, contribui para as bebidas e os petiscos. E assim se constrói a camaradagem e a cultura de bairro.

“A EPAL alega sempre que nós temos água. Como temos água se ela não corre nas torneiras? Há um provérbio que diz: as pessoas que vivem debaixo das árvores é que escutam o barulho dos pássaros”

Custódio Eduardo, ex-morador e proprietário de um escritório local de Contabilidade, um dos mais destacados
entusiastas das actividades desportivas, é um dos responsáveis do ZTC Futebol Clube. Atentem no significado de ZTC: Zeca, Tobias e Custódio.

Eduardo Custódio fala com paixão da sua obra, o seu clube: “é um clube de amigos, que participa no Girabairro e congrega ao fim de semana parte significativa da juventude do bairro”.

 

EPAL e Polícia reagem

Confrontados com as reclamações/denúncias dos moradores da Sapú 2, a EPAL reagiu com uma nota assinada pelo seu porta-voz, Vladimir Bernardo, e a Polícia Nacional em Luanda nas palavras do seu porta-voz, intendente Mateus Rodrigues.

Por razões alheias ao Jornal de Angola, a Administração do Distrito Urbano da Cidade Universitária será apenas contactada esta semana, pelo que a sua reacção vai constar da próxima edição deste caderno.

A nota da EPAL refere que “conforme a vossa solicitação relativamente às reclamações feitas pelos moradores do Bairro Sapú 2 sobre o abastecimento de água e a participação da EPAL no garimpo de água, temos a informar o seguinte: o Departamento de Protecção, Segurança e Fiscalização da EPAL trabalha em permanência com as autoridades policiais responsáveis, nomeadamente os Serviços de Investigação Criminal, e a Administração Municipal de Belas, por forma a combater o garimpo”.

Acrescenta a empresa de águas de Luanda que “no passado, parte do Bairro Sapú 2 era abastecido com água potável por via de uma conduta de Diâmetro Nominal 200 mm. Devido à vandalização da referida conduta com ligações clandestinas e muita prática de garimpo na zona, a água deixou de chegar às residências, aliado também ao alto crescimento populacional na referida circunscrição”.

Pelo que, salienta a fonte, “para atender a zona, a EPAL está a construir um Centro de Distribuição ‘em fase final de execução física’, com a capacidade de 5.000 m3 de reserva e 300 m3 na torre”.

Paralelamente a esta infra-estrutura, conclui a EPAL, está a ser feito “um estudo para o projecto de rede domiciliar
na referida zona” e, “inicialmente, para atenuar a carência, foi lançada uma conduta e construídos 12 chafarizes, que se encontram em fase de testes”.

O porta-voz da Polícia e do Ministério do Interior em Luanda disse ao Jornal de Angola que junto das unidades
policiais locais vai ser averiguado “o que se passa” na Sapú 2, de modo a “permitir à comunidade dimensionar o problema de segurança” e “buscar as soluções necessárias”.

Mateus Rodrigues disse ainda que “não vai ser descurado nenhum aspecto” das denúncias feitas. “O nosso interesse é que essa comunidade possa viver em tranquilidade e ter bons dias”.

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