Atraso dos Tribunais nas Audiências e a Fragilização do Direito de Defesa dos Arguidos – Osvaldo de Almeida

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Nos tribunais de Angola, particularmente nos de primeira instância, observa-se uma prática cada vez mais comum e preocupante: o atraso abusivo na realização das audiências de julgamento. As sessões são agendadas para as 8h, mas, na realidade, iniciam apenas ao meio-dia, às 14h ou até mais tarde.

Em algumas ocasiões, mesmo após longas horas de espera por parte dos advogados, dos arguidos e demais intervenientes processuais, a audiência simplesmente não ocorre, sem qualquer explicação razoável ou justificativa formal.

Essa conduta institucional não pode ser vista como normal. Ainda que se evite aqui especular sobre os motivos ou intenções que sustentam tal desorganização — se por desleixo, por má fé ou por sobrecarga real de trabalho — o certo é que ela resulta num verdadeiro colapso do funcionamento regular da justiça penal em Angola e numa grave afronta aos direitos fundamentais dos cidadãos envolvidos.

O processo penal, em qualquer Estado de Direito, deve reger-se por princípios garantísticos, entre os quais se destacam a ampla defesa, o contraditório e o direito a um julgamento justo, célere e conforme a lei, artigo 72.º, da Constituição da República de Angola.

A espera prolongada e a incerteza quanto à realização da audiência provocam um desgaste físico e emocional profundo nos advogados e, sobretudo, nos arguidos — muitos dos quais já se encontram em situação de privação de liberdade, com os direitos  limitados. Um defensor exaurido por horas de espera dificilmente poderá manter o mesmo nível de concentração, argumentação e assertividade que teria numa audiência iniciada pontualmente.

Da mesma forma, o arguido submetido a essa tensão psicológica prolongada dificilmente conseguirá compreender e participar eficazmente no seu próprio julgamento.

Além do mais, há um reflexo directo no princípio da dignidade da pessoa humana, consagrado no artigo 72.º, da Constituição da República de Angola. Aqui se funda todo o sistema jurídico angolano, ao submeter os cidadãos a condições indignas de espera, e ao não oferecer um mínimo de previsibilidade, respeito e organização, o sistema de justiça torna-se ele próprio um agente de opressão — invertendo a sua missão essencial de proteção dos direitos e garantias fundamentais.

A situação torna-se ainda mais grave quando se verifica que tais atrasos não são esporádicos ou excepcionais, mas sim sistemáticos. Estamos perante uma falha estrutural que exige atenção urgente do Conselho Superior da Magistratura Judicial, do Ministério da Justiça e dos próprios tribunais. A dignidade da justiça começa pela pontualidade e pelo respeito ao tempo e aos direitos dos seus utentes.

É preciso, pois, que se estabeleçam medidas corretivas:

  • mecanismos eficazes de controle e supervisão do cumprimento dos horários de audiência;
  • responsabilização disciplinar dos magistrados e funcionários que, sem causa justificada, contribuem para o adiamento ou atraso das sessões;
  • e a criação de canais de reclamação eficazes para advogados e partes processuais.

A justiça não se realiza apenas nas sentenças. Ela começa na pontualidade, no respeito e na organização. A persistência dos atrasos nas audiências fragiliza a confiança pública nos tribunais e compromete a legitimidade das decisões judiciais. E, mais grave ainda, converte o próprio sistema em violador dos direitos que lhe compete proteger.

Radio Angola

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