UM ESTADO QUE DESTRÓI A FONTE DE SOBREVIVÊNCIA DE FAMÍLIAS POBRES E INDEFESAS
A tia Maria é a senhora viúva, mãe de 6 filhos que, todas as manhãs, trás-me à porta de casa o pão a um preço de 25kwanzas/cada. A Joaninha, que tem o marido desempregado e doente há sete anos, mãe de 4 filhos, bate o portão, todos os dias, a partir das 7horas, para vender o ovo, o açúcar, chá e a manteiga
A tarde, as 12 horas, o peixe fresco, com cheiro das aguas frias da Mabunda, chega a casa por via das mãos da tia Eva, mãe de 8 filhos e antiga cozinheira de uma família portuguesa.
No entanto, desde sábado que sinto falta das três senhoras. Elas não têm aparecido. Fazia-me falta os seus gritos característicos, logo pela manhã, que despertavam até os mais distraídos;
“É pão, é pão, é pão ueeeê. na minha banheira tem açúcar, tem chá e manteiguêêê. É peixe, é peixe é peixeeeeê”.
Porém, preocupado com a ausência delas, pedi ao Jacob, o moço que trabalha cá em casa, no sentido de ligar para a Joaninha (a única entre as três que tem telefone ) para saber o que está a se passar com elas.
Segundo o Jacob, quem atendeu o telefone foi o marido da Joaninha que disse que ela não pode falar por estar com os lábios inflamados porque foi espancada por um grupo de seis fiscais que a tentaram receber o negócio na passada sexta-feira.
De acordo com esposo, aquando do incidente, com a Joaninha esteve a Tia Eva e a Tia Maria. As duas não foram agredidas fisicamente, mas viram igualmente os seus negócios apreendidos pelo grupo de fiscais.
No fim da conversa, o Jacob disse me que o marido, que anda adoentado, pediu, encarecidamente, por ajuda porque era com o dinheiro das vendas da Joaninha que conseguia comprar a comida para a família e os medicamentos para tratar a prolongada doença que o apoquenta.
Ao saber da triste situação, confesso que me senti sem chão porque é por causa delas que eu, a família e os vizinhos não precisávamos nos deslocar longas distâncias para comprar comida. Era por via da Joaninha, da tia Eva e da tia Maria que a alimentação chegava-nos à porta e a baixos preços. E é com o valor que pagávamos que elas sustentavam, de forma justa, as suas famílias.
No entanto, é óbvio que não sou a favor da desorganização, mas também não aceito que, na falta de emprego, o Estado, via fiscalização e polícia, seja o agente da destruição das pequenas fontes de rendimentos do grupo de famílias angolanas vulneráveis. As mulheres e os homens que ganham a vida nas ruas não estão ali porque querem. Estão nas ruas a vender porque é a única forma que têm para sobreviverem.
E um Estado que destrói a fonte de sobrevivência de famílias pobres e indefesas, sem antes criar as alternativas possíveis, não é um Estado responsável e comprometido com as pessoas. É um ESTADO MAU.
Pensei só nisso,
obrigado.