PT QUE LEVOU GESTORES DA ENDE À CADEIA PODE NÃO TER DESAPARECIDO
O director do Gabinete de Comunicação, Marketing e Relações Institucionais da ENDE, Pedro Bila, optou por não falar sobre o assunto, que corre os seus trâmites legais na Procuradoria-Geral da República na Lunda-Sul
A detenção provisória do director da Empresa Nacional de Distribuição de Energia (ENDE) na Lunda-Sul, João Filipe, e de outros dois responsáveis desta empresa no Leste do país está a gerar polémica a nível do sector energético, por, alegadamente, estar eivada de vícios.
Uma fonte de OPAÍS garante que a informação sobre o desaparecimento do posto de transformação (PT) que originou a instauração do processo-crime de que resultou na detenção dos três gestores públicos é falsa. “Não ficou comprovado o desaparecimento do PT. Aliás, os nossos técnicos da logística garantem que todos os PT enviados a Saurimo estão no armazém”, frisou.
Os três indiciados pelos crimes de peculato e tráfico de influência, transferidos de Luanda para irem chefiar a empresa nesta província, estão a ser defendidos por uma equipa de advogados que terá sido contratada pela própria empresa. Este processo-crime foi despoletado em função de uma notícia tornada pública no mês passado, pela Televisão Pública de Angola, que fazia menção do desvio de um posto de transformação (PT) da ENDE, a nível local, e que estava a ser gerido por um particular, no bairro 14, na cidade de Saurimo.
Na aludida reportagem, a que OPAÍS teve acesso, João Filipe apresenta a sua versão sobre as acusações de que os membros da sua equipa furtaram e venderam um PT. O engenheiro fez menção de que o alegado PT era privado e que o seu proprietário celebrou um contrato com a sua empresa para energizar somente o seu estabelecimento, no entanto, estava a violar o acordo, ao fornecer electricidade a residências de terceiros, com o auxílio de um técnico da empresa, a troco de 15 mil kwanzas/mês.
O assunto levou uma equipa de técnicos da empresa pública, encabeçada pela presidente do Conselho de Administração (PCA), Ruth Safeca, a deslocar-se a esta parcela do país para aferir a veracidade da informação. “Ao analisarem o caso, concluíram que o PT em questão era de menor capacidade em relação ao que diziam ter desaparecido, tendo o seu legítimo proprietário feito prova da titularidade, apresentando os documentos de aquisição”, frisou a fonte.
Disse ainda que a comissão de inquérito ida de Luanda, através do testemunho dos funcionários, identificou qual deles apadrinhou o referido esquema, pelo que consideram ser um problema passível de um processo disciplinar e não de uma acção judicial logo na primeira fase.
Gravações comprometedoras Numa gravação áudio de uma conversa telefónica feita dias antes das detenções, a que OPAÍS teve acesso, um funcionário da ENDE, que se suspeita estar por trás da trama, conta a uma cidadã, de quem é muito próximo, que os investigadores do Serviço Provincial de Investigação Criminal (SPIC) já haviam encaminhado o processo ao representante da Procuradoria Geral da República junto desse órgão. Pelo que, emitiu o competente mandado de captura.
“O caso já está a ser tratado pelo Ministério Público que, ainda ontem, notificou os dois directores e emitiu um mandado de captura contra eles. Aliás, assim que aparecerem serão fechados. Vão aparecer na Segunda-feira”, frisou.
O interlocutor diz que, apesar de exercer cargo de chefia na referida empresa, está isento de todas as acusações. “Eles fizeram uma carta, aquela que deram ao avô Mingas (proprietário do PT) para assinar, que o governador é que mandou para o PT passar para a gestão da ENDE a custo zero”, ouve-se na conversa.
Diz ainda que a carta está a trazer muitos problemas, pelo que tiveram de fazer outra a contrapor a mesma que haviam obrigado a senhora a assinar e remeteram aos órgãos superiores, despoletando, assim, outros problemas. Com base nisso e no facto de os outros três locais que haviam sido detidos na mesma ocasião terem sido libertados no mesmo dia, sem qualquer medida de coação, a nossa fonte acredita que os gestores provenientes da capital estão a ser vítimas de uma cabala montada unicamente com o propósito de os afastar do cargo.
“Os vícios são evidentes e o registo da gravação só reforça isso”, afirmou. Sob o funcionário em causa recaem fortes suspeitas de ter violado os segredos da empresa e forjados documentos internos que terá feito chegar ao SPIC para sustentar a acusação, na esperança de que o director local seja afastado por não ser natural da Lunda-Sul.
“Este caso é motivado por tribalismo. Não há outra coisa. O nosso director foi tramado por não ser natural daqui”, declarou a nossa fonte. Uma outra fonte da ENDE explicou que o repasse de um PT do privado para a esfera do Estado é um procedimento normal e que acontece em qualquer parte do país, com a anuência do seu proprietário.
“No caso em concreto, o cliente concordou, mas pouco tempo depois, com a instauração do processo-crime, fez sair um documento desfazendo-se do contrato”, frisou. Acrescentou de seguida que “esta iniciativa do repasse foi do governador da província”.
Polícia garante isenção e ENDE opta pelo silêncio
Instado a pronunciar-se sobre o assunto, o porta-voz da Polícia Nacional na Lunda Sul, António Tamba Tamba, afirmou ser prematuro tecer qualquer comentário, por o processo se encontrar ainda em investigação, sob pena de a atrapalhar. Sobre a detenção dos três responsáveis da ENDE, afirmou que se efectivou pelo facto de os dados preliminares da investigação apontarem para a existência de indícios bastantes de que cometeram os crimes. Ao passo que para os outros dois ainda não existe a mesma convicção.
“A ideia não é prender para investigar, é investigar para prender. Não queremos voltar ao passado, por isso estamos a investigar para aferir se há razões para mais detenções ou não”, explicou.
Já o director do Gabinete de Comunicação, Marketing e Relações Institucionais da ENDE, Pedro Bila, optou por não confirmar nem desconfirmar se há registo do furto de um dos postos de transformação enviados à Lunda-Sul, alegadamente pelo facto de o processo se encontrar sob a alçada da Procuradoria Geral da República.
“Normalmente, essas questões de justiça eu deixo o gabinete de jurídico da empresa tratar. É um assunto que não está a ser abordado na praça pública, por isso prefiro não tecer nenhum comentário”, esclareceu.
Fonte: OPaís | Paulo Sérgio