PROFESSORES SEM PAGAMENTOS HÁ TRÊS ANOS NO ZAIRE

Compartilhe

A proeza de 392 alfabetizadores que ensinaram a ler e escrever um universo de 118.636 adultos nos seis municípios

Professores de alfabetização na província do Zaire exigem o pagamento dos seus subsídios que não auferem há três anos. Uma possível greve não faz parte das intenções do professorado, por estarem sensibilizados com a actual crise económica e financeira do país. Ao todo são 169 centros de alfabetização existentes na região, onde 392 professores ensinam a ler e a escrever os adultos, sem qualquer incentivo financeiro.

A situação tem provocado um mal-estar na vida dos docentes que trabalham em regime de contratos trimestrais. No início do programa, em 2007, os alfabetizadores auferiam um subsídio mensal de 7.500,00 kwanzas, valor que registou um aumento para dez mil em 2012, quando a nota de 100 dólares era cotada a dez mil kwanzas.

Actualmente o câmbio da nota de 100 dólares oscila entre os 46 e 50 mil kwanzas. O coordenador provincial do Programa de Alfabetização e Aceleração Escolar, Aníbal João Rosa, que fez estas declarações ao Jornal de Angola, explicou que a última vez que os alfabetizadores beneficiaram de subsídios foi em Abril de 2015.

O coordenador provincial do Programa de Alfabetização e Aceleração Escolar do Zaire falou sobre as dificuldades de alguns centros de alfabetização que funcionam em salas de aulas do ensino geral, Igrejas e em sombras de árvores por falta de salas de aula.

Situação do género acontece em zonas onde o número de escolas é reduzido, o que para ele não permite a entrada de todas as crianças no sistema normal de ensino.

Muito recentemente, o problema dos subsídios dos alfabetizadores foi abordado num encontro entre a ministra da Educação e directores provinciais. Em 2007, altura em que 75 professores asseguravam o ensino na região, o Zaire registou falta de instalações adequadas em toda a extensão territorial, para o Programa de Alfabetização e Aceleração Escolar, aprovado pelo Executivo.

Fim do analfabetismo no Lufunde

O programa produziu resultados satisfatórios, e neste momento a localidade de Lufunde, na comuna de Mpala, município do Nóqui, constitui a primeira região da província onde o fenómeno do analfabetismo foi erradicado com sucesso.

“Toda a população desta zona já sabe ler e escrever”, garante Aníbal João Rosa que solicitou às empresas privadas o auxílio à acção, uma vez que existem 61 mil cidadãos analfabetos, inscritos este ano lectivo na província. Dados estatísticos a que o Jornal de Angola teve acesso indicam que a nível da província, 118.636 cidadãos já sabem ler e escrever, incluindo dados da comuna do Mpala (Nóqui). Destes alfabetizados, 71 mil são mulheres.

O número de alfabetizadores cresceu até 800 em 2015, altura em que o processo permitiu alfabetizar um total de 14.672 pessoas, das quais 8.932 do sexo feminino e 5.230 masculino. A quota de alfabetizadores para a província do Zaire diminuiu, consideravelmente, em 2016, quando a cifra de 800 baixou para 392 professores, por alegada falta de recursos financeiros que o país vive.

Com a diminuição de alfabetizadores, o número de formandos também diminuiu, de 14 para 10 mil alunos. “Existe pouca força de trabalho. Os alfabetizadores estão desmoralizados por não receberem os seus ordenados”, afirma Aníbal Rosa, para quem muitos deles perderem a esperança de um dia receberem o seu dinheiro.

Apesar das incertezas, os professores renovam mesmo assim, já que para eles, o Estado não mente e sempre que promete cumpre. “Gostar de ler e escrever, sim eu posso” são dois métodos aplicados na província. Este último, funciona com meios áudios visuais que consistem na exibição de 54 vídeos. O Programa conta com assessoria de especialistas cubanos, que carregam ampla experiência no combate ao analfabetismo. Os alfabetizadores assinam contratos quadrimestralmente, no termo de cada módulo.

“O alfabetizador que quiser continuar no final do quarto mês, renova o contrato”, explicou o coordenador provincial do Programa de Alfabetização e Aceleração Escolar, Aníbal João Rosa.

O sector da alfabetização, também, trabalha com voluntários, entre funcionários públicos e religiosos que leccionam de forma grátis (sem exigir qualquer remuneração). Nestes casos, o Executivo dedica atenção na formação dos alfabetizadores e fornece material didáctico dos módulos I, II e III, equivalente ao ensino geral da 1ª a 6ª classe.

A voz dos alfabetizadores 

O Programa de Alfabetização e Aceleração Escolar no Zaire já demonstrou que tem bases para crescimento a julgar pelo empenho e dedicação dos seus alfabetizadores. Para Manuel Nunes Nicolau, 27 anos e professor no centro de alfabetização Ekueji desde 2015, desistir da tarefa de ensino, nunca fez parte dos seus ideais, apesar das dificuldades financeiras que tem passado por falta de subsídios.

O centro de alfabetização está situado no Bairro 11 de Novembro e na zona do Nfumu, em Mbanza Kongo, funciona nas instalações da escola do ensino primário tutelada pela Igreja União do Espírito Santo (Ekueji). “Em termos de alimentação aparece sempre uma ajuda daqui e dacolá. Também pratico agricultura, mas a principal dificuldade reside nos momentos em que a minha filha ou a mulher ficam doentes, nestes casos sou obrigado a contrair dívidas”, disse.

Perante este quadro, a direcção da escola tem encontrado formas de ajudar os sete alfabetizadores com valores monetários resultantes de emolumentos como propinas, matriculas e venda de folhas de prova. O alfabetizador faz menção das vicissitudes com as quais a sua mulher passa na venda de produtos alimentícios em pequenas quantidades, numa bancada à porta de casa, na luta pela sobrevivência.

“Quando não consigo empréstimo na direcção da escola, peço aos meus familiares”, conta. Para ele, o Executivo deve continuar a prestar a devida atenção ao processo educativo de adultos, tendo em conta que a alfabetização contribuir na obtenção de habilidades mecânicas do acto de ler e também capacidade de interpretar, compreender, criticar, e produzir conhecimentos.

Manuel Munes Nicolau diz que nunca é tarde para uma pessoa aprender. “Um pai que sabe ler e escrever passa a jogar um papel importante na educação dos filhos e netos, além de contribuir de forma consciente para o desenvolvimento do país.”

Outro professor, António Domingos, da escola Ekueji (Igreja da União do Espírito Santo), explicou que a instituição funciona com dez colaboradores na área de alfabetização e este ano acolheu 700 alunos em dois turnos no ensino regular.

Manter a esperança 

O Executivo presta atenção à educação dos adultos que por diversas razões sociais e económicas não tiveram oportunidade de estudar.

O responsável do Departamento da Educação, Ensino Geral e Tecnológico, André Gouveia Gomes, conforma-se com as condições e vicissitudes que tem passado na transmissão da mensagem de esperança aos colegas, uma vez que os alfabetizadores celebram contratos com o Governo Provincial.

A alfabetização de um indivíduo, disse, promove a socialização, possibilita o estabelecimento de novos tipos de trocas simbólicas com outros indivíduos e estimula o acesso a bens culturais. André Gouveia Gome exaltou o esforço dos alfabetizadores, que apesar da falta de subsídios, continuam a trabalhar arduamente, tendo plena consciência de que a alfabetização é um factor propulsor do exercício da consciência e da cidadania.

André Gouveia Gomes frisou que nos períodos da realização de concursos públicos de ingresso, os alfabetizadores mais experientes têm merecido atenção, desde que possuam as habilitações exigidas.

“Para ser alfabetizador é exigida a oitava classe, mas para leccionar no ensino primário, deve ter-se o ensino médio na especialidade de magistério ou uma formação nas escolas da ADPP”, disse.

Fonte: Jornal de Angola

Leave a Reply