PROFESSORES COM SALÁRIOS CONGELADOS PELAS FINANÇAS VENDEM SEUS BENS
Entre vários bens que estão a ser comercializados por professores que desde o mês de Abril viram os salários congelados estão garrafas de gás de cozinha, loiça e calçado, tudo visando garantir o seu sustento, esta é a situação dos professores sem salário na província da Huíla
Entre soluços e lágrimas, Joaquina Joana Candeia Elias, professora na Escola do Ensino Primário Nº 505, no bairro João de Almeida, arredores da cidade do Lubango, relata que a sua família, na noite anterior, passou à fome por falta de bens alimentares.
No dia em que falou à nossa reportagem, para garantir uma refeição, a professora teve que vender a sua garrafa de gás butano para comprar 25 quilos de arroz e fuba de milho. Os seus filhos já não frequentam a escola, também por falta de alimentos e material escolar.
Foi desactivada do Sistema de Gestão Financeira do Estado em consequência do último “pente-fino” feito pelo Ministério das Finanças, uma situação que não consegue entender, porque sempre desempenhou bem a sua actividade como formadora do “homem novo” para o país, pelo que, agora sente-se marginalizada.
Para além da botija de gás, teve que vender também parte do seu serviço de cozinha. “As pessoas riem-se de nós”, lamentou a professora do ensino primário, em cuja Escola foram desactivados um total de 55 professores, alguns dos quais membros da Direcção.
Dos professores desactivados na Escola nº 505, apenas 10 foram reinseridos na folha de salários, facto que deixa os demais ainda mais descontentes e com o futuro incerto. “Neste momento está difícil continuar no processo de ensino e aprendizagem. Não é justo o que estamos a passar. Nós, que dependemos deste salário, o que vamos fazer? Isso até é desumano”, considerou a professora.
O mesmo drama é vivido pelo professor Madureira Segunda, do Complexo Escolar nº 706, no bairro da Caluva. A sua esposa, professora há 13 anos, colocada na escola 505, vive a mesma situação, e viu-se obrigada a trocar o giz por uma caixa térmica, na qual conserva gelados que vende no mercado João de Almeida.
“Eu já não vivo, sobrevivo. Nesta altura, tenho feito o sacrifício de assegurar duas turmas em duas escolas diferentes, porque a esposa que me ajudava com o salário, que está congelado, agora tem de vender gelados”, detalhou.
Objectivos pedagógicos correm risco
A escola do Ensino Primário nº 701, no bairro João de Almeida, ainda no município do Lubango, viu cerca de 40 dos seus quadros desactivados da folha de salários. Até à presente data, apenas 5 foram reenquadrados.
Desde o mês de Abril, os docentes têm vindo a trabalhar com baixa moral, por isso, o director pedagógico da referida escola, Damião Ngumba, disse que, para o presente ano lectivo, os objectivos não serão plenamente alcançados, uma vez que as provas do 1º trimestre – dos professores-, foram feitas com muitas dificuldades.
O responsável receia que o mesmo venha a acontecer durante as provas dos professores do 2º trimestre, caso a situação se mantenha. Dadas as paragens verificadas no trimestre anterior, o aproveitamento dos alunos é deveras baixo. “Aparecem um ou dois, e eu não posso marcar faltas num professor que, sem salário, não tem sequer 100 Kz para o táxi”, revelou.
Governo e Delegação das Finanças fecham-se
Os docentes afirmam que o Governo Provincial e a Delegação das Finanças na Huíla mostram-se insensíveis ao problema. Desde o início dos factos, nenhum dirigente veio à público dar satisfações e centenas de famílias ficam penalizadas, na Huíla.
Até ao momento, de acordo com a professora Angelina Ezequiel, do Complexo Escolar 706, toda a informação que vem da Delegação das Finanças apenas relata a falta de documentos nos processos dos docentes desactivados.
No referido Complexo Escolar, foram desactivados 112 professores, sendo que desde Abril até a presente data, os docentes desconhecem tais documentos em falta, já que todo o dossier solicitado pela Direcção da Educação do Lubango, foi entregue. De acordo a fonte, a Delegação Provincial das Finanças alega que não foi entregue a documentação solicitada, no momento do recadastramento. Para ela, esta informação não corresponde a verdade.
“A Delegação das finanças publicou um comunicado a dizer que nós não temos documentos, nós queremos que as finanças especifique o tipo de documento que falta, de formas a resolvermos isso o mais rápido possível”, recomendou.
Visando obter informações sobre o assunto, junto a Delegação Provincial das Finanças, a nossa equipa de reportagem contactou a mesma, porém sem sucesso, tendo sido recebido por um quadro daquela delegação com a alegação de que o delegado encontrava-se na capital do país. Ainda assim, contactamos o director do Gabinete Provincial da Educação, este que não se dispôs a gravar entrevista, referindo que a situação lhe transcendia, pelo que orientou à nossa equipa a contactar o Gabinete Provincial dos Recursos Humanos.
Entretanto, o director provincial dos recursos humanos apontou que ao Gabinete Provincial da Educação cabe pronunciar-se sobre o assunto, dado que a mesma é uma unidade orçamentada e dotada de um gabinete de recursos humanos.
SINPROF exige demissão do ministro das Finanças
Face a morosidade que se regista na resolução do problema que deixa centenas de professores sem salários há já três meses, o secretariado do Sindicato Nacional dos Professores (SINPROF ) na Huíla afirma existir falta de vontade política para a solução do problema.
O Secretario Provincial do SINPROF , encabeçado por João Francisco, convida o ministro das Finanças a deslocar-se à cidade do Lubango para esclarecer tudo, já que a nível local não há nenhuma informação clara sobre o assunto.
João Francisco disse que, pela gravidade do assunto, é ético que os dirigentes cultivem o hábito de colocar os cargos à disposição, já que a demora denota uma certa insensibilidade.
“Se não consegue resolver o problema, o ministro das Finanças e o seu delegado provincial do mesmo ministério devem demitir-se. Não nos podem vir cá mentir que houve erro no sistema, pois quem manuseia o sistema são os homens”, aponta.
“Não consigo acreditar”, acrescentou, “que existam dirigentes que dormem e ainda viajam à custa dos dinheiros do estado quando milhares de funcionários estão há quase quatro meses sem os seus ordenados”.
Por outro lado, o sindicalista assegurou que está agendada uma assembleia de professores com vista a decidir que acções desencadear para pressionar o Governo na solução do assunto.
Desde o início do processo, em toda a província da Huíla tinham sido desactivados 2.167 professores, neste momento já foram reinseridos cerca de 800, faltando reenquadrar 1.367.
“Nós queremos estudar”
Os ânimos dos professores do Complexo Escolar nº 706 exaltaram-se quando a Direcção Municipal da Educação do Lubango tornou pública uma lista em que trazia apenas 37 professores reenquadrados.
Por esta razão, os professores deixaram de dar aulas desde Terça-feira, dia 19, o que fez com que os alunos voltassem à casa mais cedo do que o habitual. O complexo escolar em referência é um dos que mais alunos possui a nível do município do Lubango, com mais de oito mil estudantes.
Na manhã de Quarta-feira, os alunos do Ensino Primário do Ie II Ciclos, solidarizaram-se com os professores, com as sonantes reclamações que diziam “queremos estudar”, como forma de pressão para o pagamento dos salários dos seus docentes.
Problema salarial pode comprometer o combate à corrupção
Vários Professores que falaram à nossa reportagem afirmaram que a desactivação que abrangeu milhares de funcionários públicos poderá trazer muitos problemas ao país, a julgar pelos objectivos traçados pelo Executivo.
Segundo os nossos interlocutores, a falta de salários que já vai no quarto mês pode comprometer o programa de combate à corrupção, dada a vulnerabilidade em que os homens do giz se encontram.
Numa altura em que muitos docentes vivem o seu pior momento financeiro, apontou a professora Joaquina Joana Candeia Elias, a circunstância vulnerável a que estão expostos pode levar os professores a aceitarem qualquer proposta ou oferta dos pais e encarregados de educação.
Fonte: OPaís