PRESOS POLÍTICOS EM CABINDA: CERCA DE 40 RECLUSOS PARA «UMA ÚNICA SANITA»
O Novo Jornal aborda, em exclusivo, a partir da Cadeia Civil de Cabinda, o presidente do MIC. As denúncias são graves, e apontam para «condições deploráveis» nas celas. Grupo de advogados prepara diligências para, junto da PGR em Luanda, exigir a soltura de dezenas de jovens independentistas tão logo expire o prazo de prisão preventiva.
“Sobrelotação, falta de água potável e de saneamento básico, reclusos a dormirem nos corredores, alimentação deplorável e uma única sanita para cerca de 40 reclusos” são algumas das denúncias que chegaram à redacção do NJ a partir da Cadeia Civil de Cabinda sobre as condições em que estão submetidos as dezenas de jovens activistas políticos em Cabinda, detidos no final de Janeiro último, quando se preparavam para realizar uma “manifestação pacífica” que exigia o «irritante» sobre a independência de Cabinda.
Maurício Gimbi é o principal rosto de um novo movimento que se lançou, há dois anos, à luta pela independência de Cabinda. O presidente do MIC (Movimento Independentista de Cabinda) abordou, em exclusivo ao Novo Jornal, a partir das celas, as condições naquela unidade penitenciária construída ainda no tempo colonial.
Gimbi realça, antes de tudo, o facto de representar um grupo de jovens que defende uma “reivindicação 100% pacífica”, não entendendo, por isso, a razão da “tortura física e psicológica” que diz estarem a ser submetidos pelas autoridades da província.
“Defendemos uma causa de forma 100% pacífica, mas foi com porretes e pancadarias que viemos cá parar. Diferentemente de outros grupos reivindicativos, o MIC veio com uma outra forma de exigir a independência de Cabinda. Somos totalmente abertos ao diálogo”, descreve as características de um movimento político que controla cerca de mil membros, todos da faixa etária juvenil.
Maurício Gimbi está entre os cerca de 50 jovens do MIC detidos por defenderem tal causa. O número de detidos já foi maior. Mais de uma dezena conheceu o mandado de soltura. Maria Deca foi a última a ser solta da Cadeia de Yabi, nesta quarta-feira, 18.
O resto dos jovens detidos está na Cadeia Civil de Cabinda, localizada na sede da província. No grupo está Gimbi, que reprova as condições das celas.
“As condições da cadeia são inóspitas, porquanto ficámos durante um mês dormindo no chão e sem mosqueteiros”, denuncia o presidente do Movimento Independentista de Cabinda. Descreve que, muitas vezes, ficam privados da água potável, e que, quando jorra água, o líquido “é insolúvel, a alimentação é deplorável, igualmente o saneamento básico é precário”.
“Isto é, onde se usa uma única sanita para cerca de 40 presos, condições estas que levam a que estejamos permanentemente doentes”, narra Maurício Gimbi, que, com os companheiros de causa, observou uma greve de fome durante uma semana.
Como resultado da greve, decretada a meio da semana passada, José Massiala Bungo, um dos reclusos e integrante igualmente do movimento político-juvenil, teve um desmaio no sábado, 16. Não obstante a “tortura física e psicológica” que Gimbi e companheiros de luta e de cela dizem estar a enfrentar das autoridades da província, os jovens activistas políticos prometem continuar “firmes na defesa” dos seus ideais, que têm como foco a independência de Cabinda.
“[Desistir?] Muito pelo contrário, esta detenção consolida a nossa visão política de perseguir este objectivo que é a independência de Cabinda, porquanto não provocamos danos humanos e nem materiais, razão pela qual insistimos na nossa luta”, afirma o presidente do MIC, de 30 anos, que, tal como a maioria dos membros da direcção do movimento, possui a formação superior.
ACTIVISTA JOSÉ MARCOS MAVUNGO DENUNCIA
«Um deles desmaiou e os Serviços Prisionais negaram-lhe a assistência»
As condições a que estarão submetidos os 50 jovens independentistas em Cabinda nas celas da Cadeia Civil daquela província do norte do país chegaram ao conhecimento público, sob forma de SOS, por José Marcos Mavungo, activista dos direitos humanos.
“Os visitantes destas últimas duas semanas constataram o agravamento do estado de saúde da maioria dos reclusos. Falam de reclusos que passam dias sem banhar, muitos estão com sinais de sarna, e vários problemas de saúde, nomeadamente malária, tosse, gripe, hipertensão, vómitos, dores de estômago, questões pulmonares, febre tifóide e dores de cabeça. Estão misturados em celas com vários jovens toxicodependentes que muitas vezes exercem violência sobre eles […]. Um deles desmaiou e os Serviços Prisionais negaram-se a prestar-lhe assistência, conduzindo-o ao hospital. Em suma, os nossos reclusos estão em perigo de vida”, denunciou o activista na sua conta do Facebook.
Carlos Vemba: «Soltaram uns e outros continuam presos sem explicação»
Carlos Vemba esteve entre os 64 jovens activistas políticos, afectos ao MIC, que, no final de Janeiro, foram detidos pelas autoridades, quando tentavam realizar uma “manifestação pacífica”, exigindo a independência de Cabinda. Carlos e mais 14 companheiros de luta foram, no entanto, postos em liberdade um mês depois. Entretanto, as autoridades não terão explicado os motivos que estiveram na base da soltura.
“Soltaram uns e outros continuam presos sem explicação. Não entendemos esta distinção. Quando nos apercebemos da situação, ainda nas celas, não queríamos sair sem que colocassem em liberdade os nossos outros companheiros. Criou-se, por isso, um grande alvoroço naquele dia na cadeia”, explica o secretário-geral do Movimento Independentista de Cabinda.
Em declarações ao Novo Jornal, Carlos Vemba observa que os advogados que os defendem “não tomaram, sequer, conhecimento dos mandados de soltura” e denuncia que “o processo todo tem registado vários atropelos às leis” vigentes em Angola.
“Não se pode prender alguém só por dizer, totalmente desarmado, que quer que Cabinda seja independente. A lei angolana respeita o direito à manifestação. Em Luanda, os jovens saem às ruas, manifestam-se livremente, e não entendemos porque é que nós, em Cabinda, estamos proibidos de o fazer também. Isso é, claramente, contra a Constituição da República vigente em Angola”, atira o engenheiro Mecânico.
Advogado: «Fizeram-se detenções e torturas sem mandados de captura»
Arão Tempo, um dos três dvogados que defendem os jovens do MIC, refere que «essa repressão reflecte o reinado de JES».
O advogado Arão Tempo, que defende os interesses dos jovens activistas do Movimento Independentista de Cabinda (MIC), confirma as denúncias de “condições péssimas” a que estão submetidos os seus constituintes na Cadeia Civil de Cabinda, e denuncia que as detenções foram feitas sem mandados de captura e buscas.
“As condições [na cadeia] são péssimas. Há carência de água, sendo que há momentos que os reclusos não ‘banham’. As instalações não são adequadas, pois são antigas. Muitos dos jovens estão a dormir nos corredores”, descreve.
Arão Tempo reforça que, desde que foram detidos, a 28 de Janeiro, os jovens do MIC já realizaram várias greves, exigindo, por exemplo, que a alimentação fosse entregue directamente pelos seus familiares, depois da vistoria policial.
“Houve uma altura em que a unidade penitenciária resolveu atribuir aos elementos da segurança a responsabilidade de fazer chegar a alimentação vinda dos familiares aos reclusos. Os jovens refutaram isso, alegando que não poderiam comer algo que lhes fosse entregue por quem os maltrata. Felizmente, depois de alguns dias, esta medida foi levantada. São os familiares que o fazem, depois da vistoria policial”, informa o advogado.
Soltura «carece de fundamento»
Dos 64 jovens afectos ao MIC inicialmente detidos, 14 já foram postos em liberdade, sendo a última Maria Deca, solta, na quarta-feira, 19, da Cadeia de Yabi. Entretanto, os advogados continuam sem entender o motivo da soltura dos 14 jovens e de os outros continuarem encarcerados.
“O motivo que o juiz de turno invoca [para a soltura] carece de fundamento; diz que tinham que soltar os 13 [inicialmente] porque não foram cumpridas as formalidades legais, não havia mandados de captura e de buscas. A polícia introduziu-se nas casas, buscando as pessoas, torturando-as. O juiz disse que, por falta de formalidades legais, tinham que ser soltos”, reporta Arão Tempo.
“Mas isso não é verdade, porque mesmo os outros que se encontram nas cadeias não foram apanhados a manifestar, eles saíram das suas casas, para apurar o que se passava em face daquele comportamento arbitrário dos agentes da segurança e da polícia no dia 28 [de Janeiro]. Chegaram e, pronto, a polícia, ao seu bel-prazer, deteve-os. Isso é que o que passaram a fazer, quando encontrassem indivíduos na rua e suspeitassem: eram espancados e conduzidos à cadeia”, denuncia.
O «mesmo regime» de JES
Arão Tempo olha para as detenções como uma réplica do que se passava no reinado de JES: “Essa repressão reflecte o reinado de José Eduardo dos Santos, quando se quer reprimir e deter jovens que se levantam — no caso do MIC, a manifestação era totalmente pacífica — para exigir a independência de Cabinda, o governo recorre a esses crimes contra a segurança do Estado, rebelião…”.
Atentos ao prazo de prisão preventiva
Arão Tempo referiu que o grupo de advogados está atento a “um quase não desenrolar dos acontecimentos”, e que pretende fazer diligências junto da PGR em Luanda para a soltura dos jovens.
“O Ministério Público ainda não deu um outro despacho, que fosse para o tribunal, e diz que continua a investigar. Mas quando vemos o processo, notamos que não está nada a investigar. Se exceder o prazo de prisão preventiva [nos finais de Maio], nós advogados, no quadro da nossa profissão, teremos que tomar uma posição junto da PGR em Luanda, impugnando esta situação e exigindo a soltura de todos os jovens”, avança.
Ministro da Justiça: Grupo «pretendia incentivar uso de armas»
Na versão do Governo angolano, que serve de justificação à prisão dos jovens do MIC, este grupo de cidadãos, aproveitando do livre exercício do direito de manifestação e de expressão em Angola, “pretendia incentivar a adesão ao uso de armas e outras práticas terroristas para tornar independente a província de Cabinda, numa total afronta à lei, à ordem e à tranquilidade públicas”.
“Em Angola, são realizadas várias manifestações e reuniões, organizadas por diferentes grupos políticos, religiosos e cívicos e que, em casos de uso excessivo da força por autoridade, intimidação ou detenção arbitrária, os cidadãos podem denunciar e os prevaricadores são responsabilizados”, acrescentou o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos, falando, recentemente, na 125.ª sessão ordinária do Comité dos Direitos Humanos.
Na ocasião, Francisco Queiroz referiu que as autoridades angolanas foram obrigadas a deter os líderes do grupo, adiantando que foram levados à Justiça para serem julgados. Em reacção às declarações de Francisco Queiroz, Arão Tempo, um dos três advogados dos jovens activistas do MIC, disse ao NJ que as palavras do titular da Justiça e dos Direitos Humanos não “dignificam as mudanças prometidas por João Lourenço”.
“Sabe-se quem, em Cabinda, luta com armas. Estes jovens não fogem de ninguém, querem, de forma pacífica, exigir o direito à independência de Cabinda. Onde é que está o crime?”, indaga.
O NJ tentou, sem sucesso, ouvir os Serviços Penitenciários em Cabinda.
Fonte: Novo Jornal | Álvaro Victória