“Não é necessário sermos especialistas para ver que aqui não há nenhum combate à corrupção”, afirma Marcolino Moco
Antigo secretário-geral do MPLA e primeiro-ministro angolano, Marcolino Moco é a figura que inaugura a primeira Grande Entrevista do Novo Jornal de 2022. Na conversa, lança duras críticas aos seus ex-colegas de faculdade que operam no Tribunal Constitucional, lamenta que se estejam a gastar recursos financeiros para se combater organizações políticas na oposição e considera que «batalha» contra a corrupção tem servido para «empobrecer» possíveis adversários do Presidente da República.
Novo Jornal – Que expectativa o senhor tem em relação ao presente ano eleitoral?
Marcolino Moco – As piores. Por vontade dos que nos governam, da forma mais prepotente, não teremos eleições. Teremos mais uma tentativa de legitimação e consagração das irregularidades que temos vivido, especialmente depois da guerra civil. Nalguns países africanos, sendo que o caso mais recente aconteceu na Zâmbia, as eleições deram vitória aos actores políticos na oposição. O senhor considera que é possível o mesmo ocorrer em Angola nas eleições previstas para este ano? Sim. Será possível se a oposição tiver tirado as necessárias ilações e se o poder actual não quiser aventurar-se em mais um banho de sangue, especialmente contra uma juventude que, dificilmente, aceitará uma fraude eleitoral que já começou muito antes até do período pré-eleitoral.
NJ-O que lhe faz pensar assim?
MM-Controlo da comunicação social, chefia da CNE, matança dos tribunais superiores e de todo o poder judicial, perseguição à oposição, Lei Orgânica das Eleições, entre outras coisas. O meu amigo sabe, só pergunta por perguntar.
NJ-Que observação faz sobre a Frente Patriótica Unida, liderada pela UNITA?
MM-Boa estratégia, boas ideias. A UNITA aperfeiçoou a sua estratégia de captação do eleitorado residente naquelas faixas que foram sempre bombardeadas com ideia de que o MPLA e a UNITA são farinhas do mesmo saco, no que diz respeito à questão de que o poder não partilha com ninguém ou até de que “aqueles” não passam de um bando de atrasados, o que se junta ao facto de essa organização reiterar o seu apoio na eleição de um mestiço. Quando, durante tantos anos, se ficcionou que se tratava de uma organização de um racismo radical, agora são os muitos mestiços e brancos do MPLA que têm de pintar os rostos de preto retinto. As voltas que o mundo dá! (Risos).
NJ-Mas, sobretudo, a FPU tem discurso com conteúdo e apelo sobre os problemas fundamentais da Nação. Há sectores que defendem que as dificuldades que Adalberto Costa Júnior, presidente da UNITA, tem enfrentado para se manter no cargo resultam do facto de ter juntado a UNITA a outras formações políticas. Tem a mesma percepção?
MM-Não deixo de concordar que haja franjas que se posicionem assim, mas, num partido que pratica o modelo de candidaturas múltiplas, há quase 20 anos, se isto não se reflecte numa maioria, o que fazer? Aliás, a FPU não parece ser senão o desenvolvimento da ideia do GIP, sob a liderança de Isaías Samakuva.
NJ-Nunca a classe dos juristas em Angola foi tão achincalhada pela sociedade como ocorre nos últimos dias, sobretudo face às decisões que o Tribunal Constitucional tem tomado em relação aos partidos opositores ao MPLA. Nalguns segmentos, os juristas são tidos como o maior «cancro» do País. Como jurista, sente vergonha ou entende que as acusações são infundadas?
MM-Sim, mas é o fenómeno psicológico de tomar a parte pelo todo. Eu, por exemplo, sou jurista e sou crítico aos actos flagrantes que se cometem não só no domínio do Direito, mas também em todos os sectores da sociedade, submetidos ao jugo deste regime desprovido de qualquer bom-senso. O bastonário actual da Ordem dos Advogados pronunciou-se contra a anulação vergonhosa do Congresso da UNITA de 2019, em 2021, com base em argumentos irrefutáveis, no domínio do direito adjectivo, que levam qualquer jurista ou mesmo cidadão avisado a lançar as mãos à cabeça. É evidente que há, no Palácio, um ou dois juristas que, sucumbindo ao medo do Presidente da República (ele próprio condicionado ou não, eu não sei, por alguma irresistível força) ou por interesses inconfessos de natureza pessoal, que um dia vão ser, pelo menos moralmente, julgados por comportamentos tão inqualificáveis, no nível em que Angola já se encontrava. Bom, conhecemos o jurista-mor do regime, o doutor David Mendes, que já está a ser julgado pela sociedade, antes mesmo das consequências que ele, o Presidente da República e outros acompanhantes vão desencadear a esta Angola, que suspira por um minuto de estabilidade, depois de tantos anos de independência de só degradação.
NJ-Enquanto constitucionalista, como olha para o Acórdão 700/2021, do Tribunal Constitucional, em relação ao congresso da UNITA?
MM-Aquilo não foi acórdão judicial, foi decisão autoritária de João Lourenço, que não quer ver Adalberto à frente da UNITA. Coisa de loucos! Não reparou que, para isso, alteraram a Constituição, para, a seguir, destituírem o presidente do Tribunal Constitucional, que não queria contribuir para o descrédito de uma instituição tão sublime, para nomearem, logo a seguir, um membro do Bureau Político do MPLA, obediente aos ditames do chefe do partido? E não viu a alegria com que João Lourenço saudou Samakuva, que foi «obrigado» a regressar ao comando da UNITA, onde terminou o seu excelente trabalho de 16 anos, há cerca de dois anos? Coisa de brincadeira de crianças.