MUSEUS SEM ORÇAMENTO POR FALTA DE RECONHECIMENTO

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O actual Museu dos Reis do Kongo, em Mbanza Kongo, não tem reconhecimento legal, desde que foi criado em 1978. O director nacional dos museus, Ziva Domingos, justifica esse vazio com a falta de definição, se seria regional, local ou universal. A principal consequência da ilegalidade é que a instituição nunca beneficiou do Orçamento Geral do Estado. Nesta condição, estão também os museus do centro e sul do país.

Desde que foi criada a rede de museus, em 1976, não foram observados os estatutos legais das instituições. O processo tinha sido feito “de uma forma verbal”, lembra o director nacional dos museus, Ziva Domingos. A maioria dos museus só foi reconhecida em 2013. Mas o acervo dos Reis do Kongo, em Mbanza Kongo (Património da Humanidade), é uma das instituições que não teve a mesma sorte por alegada falta de consenso sobre o estatuto: seria regional, local ou universal. Este acervo nunca viu a missão ser realizada, limitando-se apenas a guardar objectos pessoais dos antigos reis do Kongo. Por isso, é considerado apenas um museu biográfico. Também ainda não têm estatuto legal os museus do centro e Sul do país como os do Planalto, no Huambo, o regional da Huíla, e o do Lobito, em Benguela.

O museu, que era palácio dos reis na antiga capital do reino do Kongo, sempre se viu à volta dessas indefinições por causa da dimensão que representa na região que compreende, além de Angola, Gabão, República Democrática do Congo e Congo-Brazaville. As consequências da falta de reconhecimento do museu é a dificuldade de identificar a tipologia e as missões dos monumentos, bem como o pessoal que deve trabalhar. Mas o principal factor de limitação é que não conta com o dinheiro do Orçamento Geral do Estado, que lhe possa garantir alguma autonomia para melhorar a infra-estrutura e a reposição de peças e pesquisas.

Estes acervos dependem de uma pequena cabimentação do governo provincial, o que não chega para suportar os custos da instituição. “Para o Estado, os os museus não existem”, conclui Ziva Domingos. Antes da elevação de Mbanza Kongo a Património da Humanidade o museu esteve perto de conhecer a legalidade. Actualmente este desejo pode estar mais longe, por se juntar ao problema dos estatutos vários outros desafios que têm que ver com a construção do futuro ‘Museu do Reino do Kongo’, revela o director nacional dos museus.

Ziva Domingos acredita que o “problema é político”. Ainda não há consensos sobre onde se estabelecer a infra estrutura, já que outras cidades dos países envolventes na história de Mbanza Kongo reivindicam a edificação do museu. Os três ainda discutem opções como: se cada um constrói o acervo, ou estabelecem um regional ou universal numa cidade. O actual museu é biográfico, por guardar, na sua maioria, objectos de uso pessoal dos últimos reis, entre os quais D. Pedro V, o Ntotela Ntinu Nekongo, que já reinava em 1878. Ziva Domingos sugere que o acervo assuma outras dimensões antropológicas.

O antropólogo não tem dúvidas de que o futuro museu seja o centro da interpretação da história do antigo Reino e da capital, Mbanza Kongo, sede do poder político e económico. Confia que o museu “pode levar vantagens económicas e sociais, como o turismo cultural, o que facilitará na construção da indústria cultural e criativa”.

Actualmente, o museu só tem 100 peças, mas nunca teve tantas quanto agora, revela o responsável. Ainda assim é uma quantidade “irrisória”, tendo em conta a dimensão e impacto dos reis do Kongo, sendo que o museu de Antropologia tem cerca de seis mil objectos. No pessoal do museu, não há investigadores. Dos seis funcionários, quatro são técnicos superiores e dois auxiliares de limpeza. Os museus em Angola têm apenas 30% de quadros superiores.

Por ano, mais de 130 mil nacionais visitam museus no país. Os estrangeiros são mais de 14 mil. Mas o número cresceu muito nos últimos meses na antiga casa dos reis do Kongo, por causa da elevação da cidade a Património da Humanidade.

Um património mundial

Mbanza Kongo, no Zaire, foi eleita Património da Humanidade a 8 de Julho do ano passado. A votação dos membros do Comité do Património Mundial da ONU foi por unanimidade. A cidade chegou a ser a capital do Estado mais poderoso da região austral de África, influenciando económica e politicamente muitos outros Estados vizinhos. Tem o primeiro centro histórico angolano, pela grande lista de bens que pertencem à história de Angola. A candidatura começou a ser pensada em 1988, com o lema ‘Mbanza Kongo, cidade a desenterrar para preservar’. A Unesco recomenda maior aprofundamento para identificação de outros locais e pontos do interesse do antigo Reino do Kongo e da rota dos escravos de África para a América, para serem inscritos na lista de património mundial.

Acervo dos reis do Kongo

O museu dos Reis do Kongo foi reaberto em 2007, depois de ter sido encerrado para restauro. Tem acervos sobre agricultura. Enxadas, flechas, armadilhas para a caça e escudos são algumas ilustrações e instrumentos musicais, como o chocalho (Nzanzi), alguns deles utilizados para acalmar bebés quando chorassem. Há também conchas que retratam os provérbios da região, um artigo utilizado nos rituais de advinha. Tem também instrumentos de caça e pesca. As cinco espadas que os portugueses usavam na região. Cada uma, segundo explicava um funcionário ao jornal O País, tem uma denominação atribuída à cidade na época, antes dela ser conhecida como Mbanza Kongo. A primeira espada denomina-se Mbemba, tendo em conta o carácter hospitaleiro do povo kongo, e a segunda Nkumbaungugi (cordão umbilical).

A terceira espada chama-se Nkongodingunda (Congo do sino). Já a quarta faz menção à chegada dos portugueses na época em que a cidade passou a designar-se São Salvador do Zaire, e a última, a actual designação da cidade Mbanza Kongo. Tem também objectos pertencentes ao rei, como o trono, pele de onça, que representa capacidade poderosa do Soberano; fato oficial com mais de 130 anos de existência e que, no passado, passava de rei para rei.

Fonte: Nova Gazeta | Pihia Rodrigues

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