MILHÕES ANGOLANOS: O GENERAL, A MULHER EX-HOSPEDEIRA E OS 33 MILHÕES – 3.ª PARTE
Potugal, Verão de 2012. Sempre que se deslocava em negócios ou em lazer a qualquer lado na capital portuguesa, a antiga assistente de bordo Luísa de Fátima Giovetty, de 50 anos, viajava num Bentley 3W ou num Rolls-Royce Ghost Family que custava mais de 250 mil euros. Tinha também casas em Lisboa e Vilamoura, no Algarve, e terrenos para construir na Quinta da Marinha, em Cascais, avaliados em 4 milhões de euros. E dois anos antes, a 30 de Setembro de 2010, já havia realizado discretamente mais um negócio: comprara dois apartamentos de luxo no Estoril por 6,403 milhões de euros.
Fonte: Sábado | Por António José Vilela e Carlos Rodrigues Lima
À beira da Estrada Marginal e com vista para o mar, o empreendimento de luxo tinha 110 apartamentos. Um deles, localizado no piso 9º (lado D do Bloco B), custou a Luísa 3,831 milhões de euros. O outro, no 14º piso (lado B do Bloco C), ficou por 2,572 milhões. Cada um dos apartamentos possuía duas arrecadações e quatro lugares de estacionamento. Além disso, as zonas comuns, como o átrio de entrada dos edifícios, tinham pavimento de granito preto amaciado (tal como os elevadores) e paredes ripadas de madeira com tratamento acústico. O empreendimento possuía também um health club, com ginásio e piscina coberta. No exterior, o local era protegido por um sistema de videovigilância, arborização de grande porte e resguardos em vidro laminado ou em barras de aço inox junto às escadas. Havia ainda uma piscina aquecida e envolvida num impecável deck de madeira.
A empreendedora mulher do general
A escolha dos imóveis espelhava mais uma vez a ascensão económica meteórica da mulher nascida na província de Luanda. Depois de tirar um curso profissional e de 15 anos a trabalhar como hospedeira e chefe de cabine na Sonair, Serviço Aéreo, S.A (uma subsidiária da poderosa empresa pública angolana Sonangol), Luísa Giovetty despedira-se em Março de 1998 e fundara a empresa Silvena Services Internacional, Ltd., especialista na assistência de voos privados.
Vendas: A entidade gestora do fundo imobiliário que comercializou os apartamentos no Estoril Sol Residence foi censurada por não ter cumprido o chamado “dever de diligência”, isto é, comunicar operações de compra por parte de pessoas politicamente expostas
Quando decidiu lançar-se neste novo mundo dos negócios, Luísa tinha uma relação estável com um homem quase 10 anos mais velho. Um general poderoso em Angola e do qual já estava grávida daquele que seria o primeiro dos dois filhos do casal. Carlos de Aniceto nasceria em Novembro desse ano e Lidiane Rafaela em Agosto de 2002, precisamente o período em que a mãe decidiu também avançar para a abertura da Globe Aviation International Services, Ltd., destinada a prestar serviços privados de transporte aéreo. Só mais tarde fundou a Med Line, desta vez para fazer o transporte aéreo de doentes e prestar cuidados médicos ao domicílio a clientes endinheirados.
O percurso empresarial da mulher, que ainda hoje viverá em união de facto com um dos homens mais ricos e poderosos de Angola, Manuel Vieira Dias “Kopelipa”, ex-ministro de Estado e chefe da Casa Militar de José Eduardo dos Santos, chegou igualmente ao sector do imobiliário, ao comércio de automóveis e aos negócios de importação e exportação de quase todo o tipo de produtos. No entanto, foi a tal compra dos apartamentos de luxo em Portugal que fez soar o alarme durante uma acção de fiscalização da Comissão do Mercado de Valores Mobiliários (CMVM) à sociedade Fund Box, a entidade que geria o fundo imobiliário Fundor que detinha o empreendimento Estoril Sol Residente.
O problema: o alegado não cumprimento, por exemplo, do “dever de diligência” previsto na Lei 25/2008, que obrigava as entidades, que geriam fundos imobiliários, a exigirem a determinados compradores (por exemplo, figuras políticas e familiares de determinados países mais expostos à corrupção, como Angola) a identificação da proveniência do dinheiro.
Para o Ministério Público, o negócio imobiliário de Luísa Giovetty tornou-se então suspeito de violar a lei portuguesa de branqueamento de capitais e, por isso, passou a ser investigado num inquérito-crime aberto em 2011 no Departamento Central de Investigação e Acção Penal (DCIAP). E foi este caso dos apartamentos de luxo (acabaria arquivado vários anos depois) que começou por obrigar a segunda mulher de Kopelipa, e depois o próprio general (denunciado num outro processo), a revelarem às autoridades portuguesas parte dos rendimentos e do percurso dos mesmos em Portugal e no estrangeiro. Um tema-tabu para os angolanos ricos e poderosos.
450 Hectares: General Hélder Vieira Dias é dono de uma quinta no Douro. Uma vez mais, o seu nome não aparece directamente ligado à propriedade do terreno
Segundo os documentos que foram então apresentados em 2012 no processo para justificar a origem do dinheiro da mulher de Kopelipa – apreendidos anos depois no escritório de Paulo Blanco no âmbito da Operação Fizz -, três empresas pagaram, entre 2007/10, quase 33 milhões de euros a Luísa Giovetty (ao câmbio actual porque uma parte dos pagamentos foi feita em dólares). A fatia maior do dinheiro veio da Pointpark Finance Ltd. (com sede nas Ilhas Virgens Britânicas), da Damer Industries, Ltd. (um outro offshore com sucursal em Angola) e da Consus, Imobiliária e Comércio, Lda. (Angola), empresas de que a empresária era sócia, de acordo com as declarações assinadas pelos respectivos administradores-executivos. Mas também a Portmill, Investimentos e Telecomunicações (Angola) revelou que começara a pagar, em 2007, um ordenado líquido e prémios anuais para Giovetty exercer “as funções de Directora”. No total, entre 2007/10, a mulher recebeu 1,640 milhões de euros.
Sabendo-se que mais tarde ou mais cedo o processo-crime se tornaria público, Paulo Blanco adoptou uma técnica que manteve em quase todos os processos que envolveram a divulgação dos rendimentos dos suspeitos angolanos que tinha como clientes: em vez de referir nos rendimentos ao MP exactamente os montantes em causa e a respectiva proveniência, frisava apenas que a prova da origem legítima do dinheiro constava na “informação junta sob o documento [indicava o respectivo número] e que aqui se dá por integralmente reproduzido”. Como depois o advogado pedia e obtinha do MP a devolução dos documentos originais, evitava olhares indiscretos sobre o dinheiro dos angolanos.
Um oceano de sociedades offshore
Com isto impediu também que publicamente fossem percebidas de forma exacta outro tipo de ligações. Por exemplo, que a empresa Delta Shipping Overseas Company pagara a Luísa Giovetty mais 1,820 milhões de euros (igualmente entre 2007/10 e para exercer o cargo de directora), mas que parte do dinheiro fora usado não só por Giovetty, mas também por Amélia Nascimento, a mulher do general Leopoldino Nascimento. O objectivo: para ajudar a pagar também um apartamento no mesmo condomínio de luxo do Estoril. Este dado apenas confirmou aquilo que o MP já sabia: que havia empresas comuns na origem dos pagamentos de apartamentos detidos por diferentes clientes angolanos.
O conteúdo dos documentos financeiros apreendidos na Operação Fizz no escritório do advogado Paulo Blanco permite perceber que parte deste dinheiro usado para sinalizar a compra dos apartamentos de luxo chegou a Portugal (a contas abertas no Barclays e no Banco Invest) a partir de operações feitas em Angola e no Banco Privado Atlântico, dirigido por Carlos da Silva. Um banco com uma forte participação da Sonangol. Além disso, várias transferências financeiras internacionais vieram da Damer Industries e da Portmill (empresas que pagavam a Luísa Giovetty), por exemplo para o “mandante Engº Manuel Domingos Vicente” e o “mandante engº Leopoldino Fragoso do Nascimento”, e autorizadas pelo “administrador Manuel Hélder Vieira Dias”. Ou então, no caso da Portmill, autorizadas por Leopoldino Nascimento.
Por esta altura, o general Kopelipa movimentava largos milhões de euros através da Suíca e de 20 contas bancárias em Portugal, sobretudo no BES e no BPI, mas também no Millennium bcp, BIG e Banco Privado Atlântico-Europa. A documentação financeira a que a SÁBADO acedeu, uma parte dela escrita à mão e referente ao período 2009/14, identifica parcialmente os ordenantes e os beneficiários, bem como os bancos e os montantes em causa. O maior valor movimentado foi de “70 milhões de euros”, mas ficaram também registos de largas dezenas de transferências de 15, 11, 10, 9 milhões de euros. E por aí adiante em sentido decrescente.
70 Milhões: É o valor da maior operação bancária realizada pelo casal Kopelipa e detectada pela Unidade de Informação Financeira da Polícia Judiciária. Marido e mulher dispunham de mais de 20 contas bancarias em Portugal e na Suíça
Os ordenantes e os beneficiários do dinheiro tanto são o próprio Kopelipa como alegados offshores, alguns deles já associados a Luísa Giovetty: a Damer, a Delta Shipping e a Pointpark. Mas também outros como a Kenzhie LLC; a Suntor Consulting, Ltd.; a Rockfort Buldinhs, Ltd.; a Galray, Ltd.; e a Aston Finance, Ltd, só para citar alguns exemplos. Na documentação há igualmente referências a um alegado offshore de Kopelipa que participava num fundo de capital de risco, gerido em 2012 pela Espírito Santo Ventures (grupo BES), e ainda as participações que o general tinha no banco BIG (é ainda hoje um accionista de referência com quase 10%) através da WWW, World Wide Capital, SGPS, SA (com sede na Av. da Liberdade, em Lisboa e administrada por um contabilista).
Com excepção da WWW, Kopelipa não possuía directamente qualquer bem móvel ou imóvel em Portugal, conforme perceberam a PJ e o MP quando depois também o investigaram no âmbito das denúncias feitas ao DCIAP pelo angolano Adriano Parreira e pelo jornalista Rafael Marques. Mas Kopelipa era o dono de uma quinta com 450 hectares em pleno Parque Internacional do Douro, Lda. e, nos documentos encontrados no escritório de Paulo Blanco, estão assinadas transferências (suprimentos) da World Wide Capital para aquela sociedade agrícola que hoje produz vinho em 106 hectares. O equivalente a 106 campos de futebol.