Mensagem Pastoral Sobre as Eleições de 2022-Por Uma Nação a Construir e Um Estado a Consolidar

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MENSAGEM PASTORAL SOBRE AS ELEIÇÕES DE 2022
POR UMA NAÇÃO A CONSTRUIR E UM ESTADO A CONSOLIDAR
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“Procurai o amor e aspirai aos dons do Espírito” (I Cor. 14,1)
Aos amados irmãos e irmãs em Cristo e aos homens e mulheres de boa vontade,
Introdução
1. Nós, os Bispos da Conferência Episcopal de Angola e São Tomé (CEAST), reunidos por
ocasião da nossa I Assembleia Ordinária, de 1 a 7 de Fevereiro de 2022, em Benguela, numa
altura em que, simultaneamente, entramos para o fim da terceira década da instauração formal
da democracia multipartidária no nosso País, concomitantemente, para o início da terceira década do fim do conflito armado pelo poder político em Angola e para as quintas eleições gerais da nossa história, gostaríamos de recordar convosco, irmãos e irmãs em Cristo e homens e mulheres de boa vontade, a consciência do facto de que todos nós angolanos “temos uma Nação a construir e um Estado a consolidar”. Isto exige de todos a fixação da atenção em
ideais mais elevados, inclusive em relação aos interesses partidários e ou de grupos.
Obviamente, a construção da Nação e a consolidação do Estado são um complexo de múltiplos
elementos e processos.
Neste quadro, destacamos o complexo processo das quintas eleições gerais, que se aproximam. Essas comportam desafios próprios, que, por sua vez, demandam uma reflexão contextualizada. É parte dessa nossa reflexão que gostaríamos de partilhar convosco.
Ela resulta do facto de que, como nos exorta Jesus, embora não sejamos deste mundo, estamos neste mundo (Jo 17, 6-16), onde trabalhamos para garantir o nosso lugar na eternidade (Mt 25, 31ss). Tal inclui o nosso contributo para a construção da Nação e a consolidação do Estado.
I- Por uma Nação a construir e por um Estado a consolidar
2. Como Nação, somos uma família de famílias, partilhando laços e diferenças dos mais variados tipos, mas destinados a viver juntos, numa união que quanto mais se reforça tanto mais realiza os seus ideais e a todos satisfaz. Por isso, ninguém devia excluir-se, excluir outros, nem remar na direcção oposta à permanente construção da Nação.
3. Entendido a partir da perspectiva das eleições para os órgãos do poder político, o nosso Estado,
como, aliás, qualquer Estado Democrático, é constituído por membros iguais, com os mesmos
direitos e obrigações que, normalmente, pelo voto, escolhe aqueles sobre os quais vai depositar o seu poder. Sendo assim, não existem predestinados ao poder nem pré-excluídos dele.
Portanto, todos os angolanos eleitores partem da mesma condição, que deve estar estabelecida na lei justa, que o direito interno e Internacional vinculante a Angola devem reflectir.
4. As eleições gerais no nosso País têm sido consideradas, geralmente, livres e justas. Mas não
têm excluído, de todo, alegações em sentido contrário e algumas com fundamentos que têm
merecido competente ponderação. Essas alegações têm apresentado conteúdos e formas diferentes, sendo uma ilustração delas as recentes intervenções do Presidente da República bem
como as discussões na Assembleia Nacional, tudo isto ocorrido em 2021, no âmbito da
aprovação do pacote legislativo eleitoral. Isto, é evidência suficiente da necessidade de contínua superação das imperfeições do nosso complexo sistema eleitoral. Neste contexto, escusando-nos a entrar em detalhes técnicos cuja consideração não é nossa obrigação, mas afirmando-o como mínimo exigível enquanto vamos progredindo como Nação e como Estado, destacamos o princípio de que é um anseio de justiça esperar que cada interveniente no processo eleitoral faça bem, digna e completamente o que lhe compete. Tal incumbência recai sobre todos, mas de maneira distinta sobre cada um, indo do Presidente da República, aos Parlamentares, Magistrados, partidos políticos concorrentes, seus líderes e militantes, órgãos de comunicação social, observadores, eleitores e demais intervenientes.
5. Particular incumbência de fazer bem, digna e completamente o que a si compete recai sobre a
Comissão Nacional Eleitoral, que se espera venha a ser capaz de colocar-se acima de qualquer
suspeita.
Em tudo isto vale recordar o testemunho do Papa Bento XVI, à sua chegada a Angola ao dizer:
“Sou sensível ao diálogo entre os homens para superar qualquer forma de conflito e de
tensão e fazer de cada nação – e, por conseguinte, também da vossa Pátria – uma casa de paz e fraternidade. Com tal finalidade, deveis tirar do vosso património espiritual e cultural os valores melhores de que Angola é portadora, para irdes ao encontro uns dos outros sem medo, aceitando partilhar as próprias riquezas espirituais e materiais em
benefício de todos.”
6. Neste caminho de construção da Nação e de consolidação do Estado, as eleições gerais são,
simultaneamente, uma ocasião de avaliação e de planificação. Ora, constata-se que, enquanto
os recursos são finitos, as necessidades humanas são praticamente infinitas, embora sentidas e expressas de maneira peculiar em cada momento histórico. Assim, nem sempre o passado é referência suficiente para amainar ou aguçar o ímpeto das demandas do presente. No nosso caso, para o mesmo presente, basta, por exemplo, cruzar os ideais expressos na Constituição da República, no Plano Nacional de Desenvolvimento, nos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável e noutros instrumentos reitores similares, com a situação da vasta maioria da população, sobretudo daquela que se encontra à margem do centro do poder, para tornar-se
evidente a escandalosa distância até à disponibilidade das mínimas condições de possibilidade
de os angolanos usufruírem dos recursos hoje abundantemente extraídos do seu País.
7. À partida, o complexo processo eleitoral, feito de normas, procedimentos, prazos e tudo o que o compõe não inicia nem termina o ente Estado, ou seja, não o substitui nem o Estado se reduz
ao complexo sistema eleitoral. O Estado que constituímos mantém-se. Ilude-se, pois, quem
julga que ganhando as eleições gerais ganha tudo. Não, porque o poder não é seu. É como que
lhe emprestado apenas. Do mesmo modo, ilude-se quem julga que perdendo as eleições gerais
perde tudo. Não, porque, a Nação espera dele que, com honestidade e no cumprimento das regras previstas, fiscalize a acção do vencedor – então representante de todos os associados – e
peça contas à gestão desse vencedor.
8. O processo eleitoral é complexo. Orienta-se por princípios indispensáveis, entre os quais
destacamos:
a) o dever de igualdade de tratamento das candidaturas e do que a estas esteja licitamente associado;
b) a liberdade de expressão e de informação nos marcos da lei;
c) a liberdade de reunião e de manifestação, de acordo com a respectiva legislação geral e a específica;
d) o direito ao tratamento imparcial por todos os órgãos do Estado, da
comunicação social, das igrejas, das autoridades tradicionais e da sociedade civil;
e) a proibição do uso de expressões que constituam crime de difamação, calúnia ou
injúria, do apelo à desordem ou à insurreição ou do incitamento ao ódio, à violência ou à guerra.
9. Ademais, as eleições gerais constituem um espaço de expressão da escolha política do povo e são o sinal da legitimidade para o exercício do poder. Elas constituem um momento
privilegiado para o debate público sadio e sereno das questões de interesse comum, caracterizado pelo respeito das diversas opiniões e dos vários grupos políticos do País. Assim, favorecer o bom andamento das eleições suscitará e encorajará a mui necessária participação real e activa dos cidadãos angolanos na vida política e social. O desrespeito da Constituição, da lei ou do veredicto das urnas, quando as eleições foram livres, imparciais e transparentes, manifestaria uma grave disfunção na complexa gestão do País e, simultaneamente, significaria uma falta geral de competência na condução da realidade pública.
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10. Reiteramos o que dissemos na Mensagem Pastoral sobre as eleições de 2017:
“A Igreja Católica não se identifica com nenhum sistema político nem endossa algum candidato. A Igreja encoraja e exorta todos os cidadãos a exercerem o seu direito e dever de voto. Evidentemente que para os cristãos e homens de boa vontade nem todos os
programas valem. Os fiéis podem e devem legitimamente escolher diferentes programas
políticos, ser militantes ou apoiantes de diferentes partidos políticos. Esse exercício, cada
um deverá fazê-lo de forma informada e consciente, à luz da sua fé e tendo em conta os
princípios da Doutrina Social da Igreja e do Direito Natural, nomeadamente no que diz
respeito a:
a. Dignidade da pessoa humana – defender os valores da vida desde a concepção até à morte natural, da família, da justiça e o acesso de todos aos bens económicos, sociais e culturais indispensáveis a uma vida digna;
b. Bem comum – a justiça social e o respeito pelos Direitos Humanos, promover o combate eficaz à corrupção;
c. Solidariedade – tendo em conta o destino universal dos bens da criação, promover políticas centradas nas necessidades dos mais pobres, fomentar a inclusão social;
d. Subsidiariedade – aproximar, tanto quanto possível, os decisores e os centros de decisão dos cidadãos;
e. Autarquias – apresentar a calendarização da implementação das autarquias como
pressuposto para fortalecer a Democracia;
f. Meio ambiente – o cuidado pela ‘casa comum’, as nossas florestas, rios, mares,
montanhas, etc.”
II- Algumas orientações e apelos
11. O processo eleitoral inclui várias fases, cada uma das quais com procedimentos e exigências
próprias. Ora, na presente fase e sobretudo no meio rural, ainda se sente necessidade de maior
divulgação da informação sobre aspectos como:
a) quem deve actualizar o seu registo eleitoral e onde e quando deverá fazê-lo;
b) sobre os eleitores cujas comunas, até ao fim do passado mês de Janeiro, não tinham
qualquer órgão competente para o registo eleitoral ou este estava situado em locais muito distantes;
c) sobre o que deve fazer quem em 2012 e ou em 2017 não teve o seu nome no caderno eleitoral da sua zona de residência mas noutro local.
12. Nesta hora muito significativa para o nosso País e com alguns sinais preocupantes de violência,
vandalismo, intrigas, intolerância e contendas de vária ordem, importa renovarmos o que orientamos em 2017:
“É natural que o entusiasmo se apodere dos candidatos e seus simpatizantes no momento de apresentar os respectivos programas políticos. Contudo, devemos acautelar que não se falte ao respeito pela diversidade de opções, que é construtiva do
sistema democrático. Preste-se atenção para que nenhuma situação leve a qualquer
tipo de violência (seja verbal, física, ou psicológica…). No respeito pela reconciliação nacional, evite-se recordar desnecessariamente episódios tristes da nossa história
recente, que nem sequer fazem parte da experiência de muitos eleitores. Seria insensatez abrir feridas que estão a cicatrizar”.
13. Por isso, é contraproducente e perigoso o fanatismo exibido por qualquer militante de partido
político, uma vez que aquele pode mostrar deficiente capacidade reflexiva e de auto-análise, o
que não convencerá, mas afastará os eleitores, cujo número de pessoas esclarecidas, felizmente,
não pára de crescer entre nós.
14. Certamente os eleitores farão bem a si mesmos e ao País dedicando-se a análises frias,
imparciais e desapaixonadas dos programas de governação dos partidos e coligações de
partidos concorrentes, mais que dos seus manifestos e propaganda eleitorais, uma vez que esta
capacidade de análise favorecerá o voto consciente e responsável que, naturalmente, estará virado para o desenvolvimento do País, que está acima do interesse partidário.
15. Os grandes ideais constam da Constituição da República, das leis, dos tratados internacionais
de que Angola é parte, bem como dos Objectivos deDesenvolvimento Sustentável, da Agenda 2030 e similares. Mas, para serem realizados, exigem programas concretos, mensuráveis,
calendarizados, devidamente orçamentados e factíveis. Neste sentido, é uma obrigação de
honestidade de, na campanha eleitoral, os partidos políticos transitarem das promessas vagas
para programas, que os eleitores deverão perceber e analisar muito cuidadosamente.
16. No meio de tudo isto, os órgãos de comunicação social jogam um papel fundamental na divulgação dos valores morais e cívicos referentes à sã convivência em sociedade e ao amor à Pátria. Infelizmente, tal como constatamos ontem, tornamos a repeti-lo hoje:
“Os órgãos de Comunicação Social, sobretudo os estatais, têm sido excessivamente unilaterais e tendenciosos. Para a sua credibilidade, devem desempenhar o seu papel extremamente importante, ao longo de todo o processo eleitoral, com rigor e isenção, garantindo o acesso à informação sobre os diferentes candidatos e programas
políticos; noticiando com verdade e imparcialidade.
Cada Órgão de Comunicação
Social deve assumir a responsabilidade de divulgar uma informação equilibrada e plural. O direito à informação plural é um dos pilares fundamentais de qualquer sistema democrático e essencial para a consolidação da nossa democracia em
Angola”.
17. Outro apelo vai aos garantes da ordem pública: “a lei angolana considera que os membros de certos grupos profissionais – por
exemplo: os magistrados, os agentes da polícia, os militares – devem ser apartidários.
Isto não significa que não possam votar e ter as suas preferências partidárias, mas que devem se abster de as manifestar e de fazer campanha partidária, pressionando as pessoas a votar em A ou B.
É nosso augúrio que tais órgãos promovam e assegurem a justiça transparente e garantam a
segurança psicológica, física e social dos cidadãos e das instituições.
18. Como nos lembra o Papa Francisco, “os ministros da religião não devem fazer política partidária, própria dos leigos, mas
mesmo eles não podem renunciar à dimensão política da existência que implica uma atenção constante ao bem comum e a preocupação pelo desenvolvimento humano integral”.
19. Neste contexto das eleições,
“Convidamos também os líderes das demais confissões religiosas e as autoridades tradicionais a agirem do mesmo modo, dando um testemunho de unidade no respeito
pela diversidade de opções que caracteriza o sistema democrático. Recordamos que a natureza e a dignidade da autoridade tradicional é anterior e transcende os partidos
políticos. Por isso, apelamos à sua não instrumentalização e que eles mesmos também não se deixem instrumentalizar”.
Aqui está o caminho que todos devemos percorrer para lançarmos as pontes da comunhão,
fraternidade, solidariedade e convívio social plural virado para o futuro de bem e de beleza.
III- Conclusão
20. “Por uma Nação a construir e um Estado a consolidar” torna-se assim um ideal, uma meta,
uma obrigação e uma missão para todos nós. É nossa convicção que todos queremos nos sentir
incluídos e envolvidos no processo de transformação e desenvolvimento do nosso País. Por isso, convidamos todos a melhorar as qualidades do nosso ser cidadãos, militantes, munícipes e membros das famílias e culturas que fazem de Angola a Mãe, a Pátria por excelência. Sim, é
possível fazermos das eleições uma oportunidade para mostrarmos a nobreza no nosso ser angolanos, a beleza do nosso convívio multicultural e multipartidário, a intensidade da nossa vontade de sonhar e crescer, enfim, a profundidade do nosso sentido de honra e de pertença.
21. Para tal, devemos vencer tudo o que é rancor, ressentimento, inveja, calúnia, rivalidade,
divisão, maledicência, vandalismo, intolerância, rixas, falsidade e toda a espécie de mentalidade tóxica, responsável pelo surgimento do ambiente hostil à sã convivência e à paz social.
A hora é para a Nação em construção e para o Estado em consolidação; a hora é para
todos nós que acreditamos no amanhã da paz, da cidadania, da inclusão, da meritocracia, do
patriotismo, do desenvolvimento humano, social e cultural e do verdadeiro estado democrático
e de direito.
Sobre Angola e sobre todos os seus filhos e filhas, no contexto da vivência do processo sinodal
sobre a Igreja, por intercessão do Imaculado Coração de Maria, nosso Padroeiro, estendemos a
nossa bênção apostólica, para que a graça de Deus habite abundantemente em todos nós.
Diocese de Benguela, 7 de Fevereiro de 2022
P’los Bispos da CEAST
Dom José Manuel Imbamba
Arcebispo de Saurimo e Presidente da CEAST

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