LEI DA BATOTA NO CENTRO DE UMA VITÓRIA DE PIRRO
O pleito eleitoral de 23 de Agosto 2017 acabou na lógica de “tudo muda sem nada mudar”, com um toque de mágica em dom maior, protagonizado, no dia 6 de Setembro, por Silva Neto, presidente da CNE (Comissão Nacional Eleitoral) de quem se esperava maior lisura, honestidade e sinceridade intelectual, ao invés de elucubrações jurídicas. O público em geral e nós, os angolanos, em particular, esperavam higiene mental e, desde logo, o reconhecimento da falta de consenso entre os membros da CNE, por divergências interpretativas quanto à metodologia do apuramento dos resultados eleitorais.
Fonte: Folha8
Por William Tonet
Enquanto os comissários do MPLA, capitaneados pelo juiz Silva Neto, estavam e estão preocupados em dar azo à cartilha partidária, em flagrante contravenção com a Constituição e a Lei 36/11 de 21 de Dezembro (Lei Orgânica das Eleições Gerais), os demais comissários, talvez ingenuamente, ou acreditando ser o Estado uma figura de bem, mantêm-se como fiéis guardiões da constitucionalidade e da legalidade, não abraçando a mentira da fraude.
Desde logo, o ambiente de divisão no seio da CNE, a nível da cúpula, com denúncias graves, sobre violações dos artigos 124.º a 130.º da Lei 36/11 de 21 de Dezembro, por parte da maioria dos comissários, que assumidamente se colocam como apêndices do partido no poder, ao invés da Constituição.
Vejamos o que diz a lei:
Art.º 124.º
(Informação dos resultados municipais)
“1. À medida que for recebendo as actas das Assembleias de Voto, a Comissão Municipal Eleitoral informa imediatamente à Comissão Provincial Eleitoral dos resultados apurados, por mesa de voto.
2. A Comissão Municipal Eleitoral remete todo o expediente do processo eleitoral à Comissão Provincial Eleitoral para efeito do disposto nos artigos seguintes (…)”.
Art.º 125.º
(Entidade competente do apuramento provincial)
A Comissão Provincial Eleitoral centraliza os resultados eleitorais obtidos na totalidade das mesas de voto constituídas dentro dos limites territoriais de sua jurisdição e procede ao apuramento dos resultados eleitorais a nível da província”.
(…)
Art.º 128.º
(Operação de apuramento provincial)
A operação de apuramento provincial consiste:
a) na verificação do número total de eleitores votantes na província;
b) na verificação do número total de votos obtidos por cada lista, do número de votos brancos e do número de votos nulos.
Art.º 130.º
(Actas do apuramento provincial)
1. Das operações do apuramento provincial é imediatamente lavrada acta onde constem os resultados apurados, as dúvidas e reclamações apresentadas no prazo de 24 horas e as decisões que sobre eles tenham sido tomadas.
2. Dois exemplares da acta do apuramento provincial são enviados imediatamente pelo Presidente da Comissão Provincial à Comissão Nacional Eleitoral.
3. O terceiro exemplar da acta cujas cópias são entregues às candidaturas concorrentes e todos os documentos das operações eleitorais que por força da presente lei não tenham que subir à Comissão Nacional Eleitoral, permanecem sob a guarda e responsabilidade da Comissão Provincial Eleitoral”.
É pelo incumprimento destes artigos da Lei 36/11, que os resultados eleitorais definitivos, anunciados e publicados, no dia 6 de Setembro, pelo presidente do órgão eleitoral, estão eivados de suspeição e vícios insanáveis, só possíveis vindo de um órgão dependente, quando deveria ser independente, de acordo com o
art.º 107.º
(Administração eleitoral)
“1. Os processos eleitorais são organizados por órgãos de administração eleitoral independentes, cuja estrutura, funcionamento, composição e competências são definidos por lei.
2. O registo eleitoral é oficioso, obrigatório e permanente, nos termos da lei”.
Como se pode depreender, no n.º 2 deste artigo a fraude começou quando o MAT (Ministério da Administração do Território) decidiu avocar a responsabilidade de realizar o registo eleitoral oficioso, violando a Constituição, mais a mais, sendo o seu ministro, Bornito de Sousa, candidato a vice-presidente da República e o secretário de Estado, Adão de Almeida, integrante da lista de deputado à Assembleia Nacional, pelo MPLA.
Parcialidade do Tribunal Constitucional
Na legítima contestação da sociedade civil e dos partidos da oposição (Grupos Parlamentares da UNITA, CASA-CE, PRS e FNLA), como era espectável o regime contou com um aliado de peso: o parcial Tribunal Constitucional, através do Acórdão n.º 412/2016 que dirimiu, obviamente, a favor do Titular do Poder Executivo, parte interessada, alegando poder este, não fosse o diabo tecê-las, realizar (via MAT) o registo eleitoral oficioso. Para tal não se coibiu de citar, infelizmente, mal, a obra Constituição Portuguesa Anotada, Tomo II, p.282-283, de Jorge Miranda e Rui Medeiros, no tocante à dupla função do registo eleitoral.
Esqueceu-se o TC que em Portugal os órgãos de Estado são independentes e a duplicidade referida por Jorge Miranda advém do facto de as freguesias, embaixadas e regiões autónomas não serem dirigidas, exclusivamente, por membros do partido no poder, mas por cidadãos eleitos, com base nas eleições gerais e nas do poder autárquico.
Outrossim, o BDRE (Base de Dados do Recenseamento Eleitoral) em Portugal, criado ao abrigo da Lei 130-A/97, de 31 de Dezembro, tem por finalidade organizar e manter permanente e actual a informação relativa aos cidadãos eleitores inscritos no recenseamento eleitoral. Mas este sistema é alvo de controlo através da Direcção-Geral da Administração Interna, contando ainda com o concurso da Comissão Nacional de Protecção de Dados (CNPD) que acompanha e fiscaliza as operações.
Logo, quando Jorge de Miranda e Rui Medeiros se referem à dupla função do registo eleitoral que decorre de funções subjectivas respeitantes aos eleitores e funções institucionais, respeitantes à estruturação dos procedimentos, não estão a atirar para canto o normatizado na Constituição portuguesa, mas a reafirmar o sistema de controlo existente, com base na independência dos órgãos e instituições a todos os níveis, diferente do que ocorre em Angola, onde a Constituição fala sobre o poder autárquico mas o regime nega-se à sua implantação e realização.
Logo, é uma heresia não só a interpretação parcial do Tribunal Constitucional, como o decidido, autorizando o Titular do Poder Executivo a realizar o registo oficioso.
Foi o início da largada para um desfecho eleitoral sinuoso (com o aumento da população para 25 milhões, segundo o INE, mas uma redução da população eleitoral, relativo a 2012), que culminou no 23 de Agosto, em claro desrespeito ao civismo demonstrado pelos povos soberanos de Angola.
O que está em cheque
Desde logo, o anúncio dos resultados provisórios, por Júlia Ferreira, violaram o preceituado na Lei 36/11 de 21 de Dezembro, pois carentes de uma base factual credível, assente no apuramento das actas de apuramento municipal e provincial (Actas Sínteses e Actas das Operações, estas cunhadas por todos os membros da Assembleia de Voto e dos Delegados de Lista dos partidos).
Ninguém no Centro de Escrutínio Nacional acusou a recepção de qualquer acta resultante do apuramento do escrutínio provincial, segundo denúncia dos comissários eleitorais, logo os dados provisórios tinham uma origem exterior à CNE.
Confrontada com o incêndio e a contundência da denúncia, a porta-voz da CNE do MPLA, tentou desmentir o indesmentível, alegando derivarem os resultados das Actas-Síntese, esquecendo-se que as actas credibilizadoras derivam do art.º 123.º
(Acta das operações), n.º 2, “Para efeitos de apuramento provisório, os resultados eleitorais obtidos por cada candidatura em cada mesa de voto, devem ser transmitidos pelos presidentes das Assembleias de voto às Comissões Provinciais Eleitorais, pela via mais rápida, devidamente certificada pela Comissão nacional Eleitoral.
3. A acta deve conter os seguintes elementos:
a) a identificação completa dos membros da mesa e dos delegados de lista, incluindo o número do cartão do eleitor;
b) a hora da abertura e do encerramento da votação, bem como a indicação precisa do local da mesa de voto e da assembleia de voto;
(…)
4. Cópias das actas a que se refere o número anterior são entregues aos delegados de lista.”
Com base neste manto de irregularidades, a CASA-CE decidiu e bem impugnar os resultados provisórios, junto do Tribunal Constitucional, nas vestes de Tribunal Eleitoral. Pese algumas falhas quanto à processualidade, grande parte dos fundamentos estavam na peça, mas, uma vez mais, o Tribunal Constitucional decidiu em sentido contrário sob alegação de os dados se tratarem de provisórios e não haver fundamento na propositura da coligação.
Uma visão errada, parcial, sem fundamento, porquanto pese tratarem-se de dados provisórios, eles devem merecer uma informação sobre a sua origem, de tal monta o Tribunal Eleitoral (Tribunal Constitucional), tem de analisar a norma geminada com os actos reivindicados, pelo concorrente eleitor, na base da acção político-partidária, tendo em linha de conta o estipulado no art.º 69.º (Habeas data) da CRA (Constituição da República de Angola).
“ 1.Todos têm o direito de recorrer à providência de habeas data para assegurar o conhecimento das informações sobre si constantes de ficheiros, arquivos ou registos informáticos, de ser informados sobre o fim a que se destinam, bem como de exigir a rectificação ou actualização dos mesmos, nos termos da lei e salvaguardados o segredo de Estado e o segredo de justiça”.
Como se pode verificar, uma vez mais o Tribunal Constitucional fez um frete a quem violou a Constituição e a Lei, colocando o país no impasse em que se encontra, muito também por falta de uma visão acima do cordão partidocrata do actual Presidente da República que após pronunciamento patriótico e de sentido de responsabilidade de Estado dos Comissários da CNE, que reafirmaram a violação da Constituição, da lei e da jurisprudência do próprio Tribunal Constitucional, deveria conclamar o art.º 204.º (Estados de necessidade constitucional)
“1. No âmbito da preservação da segurança nacional e da manutenção da ordem pública, o Presidente da República pode declarar, em conformidade com as exigências da situação, os estados de necessidade constitucional, nos termos da Constituição e da lei”.
Esse acto serviria, para os actores envolvidos na querela eleitoral, membros da sociedade civil e religiosa, se reunissem numa espécie de “Assembleia Constituinte da Crise Eleitoral” e desapaixonadamente analisassem, discutissem, encontrassem uma solução, um caminho para a saída da crise.
Mas a falta de cultura de diálogo, de humildade e de sentido de Estado do MPLA, não leva este partido a recuar na decisão tomada, pois acredita na tese de uma mentira repetida várias vezes acabará por se tornar numa verdade.
Pelo sim e pelo não, a decisão corajosa e responsável dos comissários, em contestarem, também, e não assinarem a acta final dos resultados definitivos, divulgados no dia 6.09, confere um elemento de prova bastante, para a impugnação dos partidos políticos reclamantes.
A recusa da CNE do MPLA em aceitar a recontagem dos votos deve-se ao conhecimento que tem de a contagem dos votos paralelos com base nas Actas das Operações em posse dos partidos políticos e a monitoria de alguns membros da sociedade civil, conferir os seguintes resultados:
a) MPLA – 46%
b) UNITA – 32%
c) CASA CE – 16%
d) PRS – 3,68%
e) FNLA – 1,32%
f) APN – 1%
Finalmente, temos de reconhecer que todo este frenesim do MPLA, que incluiu a militarização das cidades e o lançamento diário de panfletos, demonstram não querer aceitar a obtenção de maioria simples, que lhe permite governar, com base em consensos, para além do temor de a oposição poder revogar e alterar a Constituição e demais instrumentos legais, tendo a maioria parlamentar. É isso que tira o sono ao MPLA e ao seu candidato, que falou numa possível geringonça, à angolana, logo se na política não há coincidências, João Lourenço tem a certeza de o MPLA não ter ganho, pese toda máquina da batota e da comunicação social pública, pelos números que apresenta.