FMI: INGREDIENTES AMARGOS PARA ADOCICAR ECONOMIA

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Colocar a economia na rota do crescimento não é difícil, em teoria, mas a aplicação da receita é dolorosa e vai exigir muitos sacrifícios. Os governos não gostam de ser impopulares. Mas o FMI não se importa.

Quando, em Abril de 2011, o então ministro das Finanças português, Fernando Teixeira dos Santos, anunciou, à revelia do primeiro-ministro, a formalização de um pedido de resgate internacional, dada a “insustentável” situação das finanças públicas, agravada pelo ‘chumbo’ do Programa de Estabilidade e Crescimento, um mês antes levando, na altura, à demissão de José Sócrates poucos portugueses poderiam imaginar como seria duro o caminho a trilhar para salvar Portugal da ‘bancarrota’ que se aproximava a passos largos.

A chegada a Lisboa, em Maio desse ano, da troika Fundo Monetário Internacional (FMI), Banco Central Europeu (BCE) e Comissão Europeia (CE) -, com a promessa de um ‘envelope’ financeiro de €78 mil milhões, a libertar gradualmente ao longo de um programa de ajustamento de três anos, obrigou Portugal a reformas profundas que alteraram, nalguns casos para sempre, para o bem ou para o mal, a vida de milhares de famílias e empresas.

O ‘mau da fita’ viria a ser Passos Coelho, acusado de ir “para além da troika” na imposição de reformas estruturais que levaram a cortes de salários e de regalias nos funcionários públicos, ajustamentos na saúde, educação, aumento de impostos, reduções nas pensões de reforma e subsídios vários, e um sem-número de medidas impopulares.

Mais de sete anos depois, a economia portuguesa dá sinais de recuperação segundo os mais críticos, não tanto pelas reformas ou pelos milhões da troika, mas pela conjuntura mais favorável em termos europeus e globais. Mas o tempo, de uma forma ou outra, devolveu o emprego aos portugueses, atraiu mais turistas e investimento e, hoje, Portugal está mais ‘forte’ em termos de finanças públicas, com os melhores desempenhos em décadas, e com um sistema bancário mais ‘limpo’ e robusto.

Angola, na mesma altura, estava ainda ao abrigo de um Acordo de Stand-By (SBA, no acrónimo inglês) com o FMI, iniciado em 2009 e que se prolongaria até 2012, no valor de 1,4 mil milhões USD, uma ‘migalha’ a comparar com os €26,3 mil milhões desembolsados pela instituição no resgate a Portugal.

No quadro desse acordo, o País, então liderado por José Eduardo dos Santos, ‘obrigou-se’ a adoptar algumas reformas estruturais, em particular para o reforço da transparência, prestação de contas e gestão das receitas provenientes do petróleo. Na altura, Angola, por causa destas ‘falhas’ e da falta de disciplina orçamental, associada à crise financeira de 2008-2009, que provocou a queda do preço internacional do petróleo e das reservas líquidas internacionais, estava numa situação delicada.

O programa era, dentro da oferta do FMI, o que parecia adequado. Estes acordos destinam-se, ainda hoje, aos países de renda média e visam, segundo o FMI, ajudá-los a resolver “problemas de curto prazo do balanço de pagamentos”, sendo que os desembolsos são “condicionados” ao cumprimento de metas (a chamada “condicionalidade”).

‘Maldita’ alta do petróleo

Mas a subida do preço do petróleo, anos depois, acabou por retirar urgência às reformas de que o País precisava, e Angola manteve uma trajectória despesista, abrindo as portas a bons (e maus) parceiros, deixando fugir muitos milhões de dólares para o exterior, sem mudar, basicamente, nada de estrutural.

O resultado começou a surgir em 2014/2015, depois de mais um ‘trambolhão’ no preço do petróleo: crescimento anémico, primeiro, recuo do PIB (em 2016 e 2017), depois, inflação descontrolada, crise de divisas, bancos à beira de um ataque de nervos, défices sucessivos, escalada do endividamento (ver tabela na página seguinte), ‘fuga’ do investimento estrangeiro, quebra da produção de petróleo por ausência de investimento no sector, aumento do desemprego, aumento generalizado da pobreza.

Agora, em 2018, o FMI vai estar de regresso, um ano depois de João Lourenço ter chegado ao poder e dado início a reformas que já há muito eram necessárias – e pedidas – para salvar o País da banca rota. Em Outubro, uma equipa do Fundo irá iniciar negociações com o Governo, com vista à assinatura de um Acordo de Financiamento Ampliado (EEF), desta vez, num valor mais alto do que o SBA: 4,5 mil milhões USD, a três anos.

Trata-se de um programa, explica o FMI na sua página web, criado em 1974 “para ajudar os países a solucionar problemas de longo prazo do balanço de pagamentos decorrentes de profundas distorções que exijam reformas económicas fundamentais”.

“Por conseguinte, o prazo dos acordos no âmbito do EFF é mais longo que o do SBA (normalmente três anos). Os empréstimos devem ser amortizados no prazo de 4,5 a 10 anos a contar da data de desembolso”.

Melhor que em Portugal

Não são ainda conhecidas as condições deste empréstimo, mas o Governo já garantiu que serão favoráveis ao País (Portugal, que negociou um acordo semelhante, pagou ao FMI taxas médias na ordem dos 5%, agravadas pelo facto de o montante ser mais elevado).

Luanda assegura ainda que , com a instituição internacional com a qual já há um acordo de assistência técnica no terreno, Angola irá ter mais facilidade em recuperar credibilidade internacional, voltando a atrair investimento, equilibrando as contas públicas, reduzindo défices e necessidades de endividamento. Em resumo: voltando a ver a luz ao fundo do túnel.

No início desta semana, o ministro da Economia e Planeamento, Pedro da Fonseca, assegurou mesmo que , com o apoio do FMI, o Governo vai conseguir reforçar as acções para equilibrar as contas públicas, procurando conter as necessidades financeiras do Estado dentro dos limites compatíveis “com a capacidade do País”, de modo
a “promover uma justa repartição da renda e da riqueza nacional”.

Dias antes, o ministro das Finanças, Archer Mangueira que em Outubro do ano passado já tinha admitido que Angola poderia “eventualmente” a pedir auxílio financeiro ao FMI (em 2016, com José Eduardo dos Santos no ‘leme’, a possibilidade de pedir ajuda foi rejeitada), também não deixou de destacar as vantagens deste pedido e garantiu que as acções que o Governo tem tido vão prosseguir.

“Pretendemos continuar nesta senda de consolidação fiscal, corrigindo os desequilíbrios que ainda existem nas contas fiscais, e alterando a actual trajectória de endividamento público, alargando as maturidades e captando recursos financeiros junto do mercado com um custo financeiro menos oneroso para o Estado”, disse o ministro, à margem da visita à Alemanha, com o chefe de Estado.

Archer Mangueira acrescentou que Angola pretende “continuar com as medidas de regulação e supervisão do sistema bancário, com o objectivo de reduzir o crédito malparado e reforçar o sistema de compliance”.

O governante disse que a intenção principal das reformas fiscais pretendidas é permitir a arrecadação de mais receitas no sector não petrolífero. E adiantou que as reformas também incluem medidas, no sector empresarial público, nomeadamente, o programa de privatização.

Nota positiva para João Lourenço

Na verdade, o FMI tem feito uma avaliação positiva da governação de João Lourenço. Num relatório divulgado em Junho, os técnicos da instituição baseada em Washington elogiam várias das reformas levadas a cabo e reconhecem que o Executivo concorda com várias das propostas que o FMI tem vindo a fazer nos últimos anos, de forma a reforçar a crediblidade de Angola e das suas instituições, garantir robustez à economia e atrair investimento estrangeiro de que o País precisa como de pão para a boca para entrar num caminho de crescimento sustentado.

A Lei da Concorrência, o desmantelamento de monopólios, os sinais de empenho no combate à corrupção e à burocracia, a nova Lei do Investimento Privado, a nova Pauta Aduaneira, a desvalorização do kwanza, a procura de novos parceiros internacionais são algumas das medidas que o Fundo vê com bons olhos.

Mas os técnicos também alertam para a necessidade de aprofundar reformas que, até aqui, têm dado passos tímidos, por uma razão ou por outra, que não identificam, mas que, em muitos casos, foram travadas (ou nem avançaram) por razões políticas.

Não se pede que João Lourenço faça como Passos Coelho, ou seja, que, neste caso, vá “para além do FMI”. Mas é certo que o Presidente da República vai ter (que continuar) a ter coragem para que Angola se torne num País económica e financeiramente saudável.

Receita do sucesso

Na verdade, a receita a aplicar ao País que recebeu nesta semana uma má notícia do Instituto Nacional de Estatística, com o anúncio do recuo do PIB em 2,2%, face ao homólogo, no primeiro trimestre tem algumas semelhanças com a que foi aplicada em Portugal (ver página seguinte).

Na página à sua direita, está uma receita simples do que Angola precisa ‘ingredientes’ há muito conhecidos. Se correr tudo ‘bem’, vai doer, e muito, porque há várias medidas fortemente impopulares: eliminação dos subsídios aos combustíveis (o que, levado à letra, implica fazer duplicar os seus preços), energia e água; reduzir a massa salarial (e pessoal) na máquina do Estado; fechar empresas públicas ineficientes e cronicamente deficitárias; privatizar outras; apertar a supervisão aos bancos; aumentar a receita fiscal, introduzindo, já em 2019, o IVA; flexibilizar ainda mais a política cambial, deixando o kwanza desvalorizar ao sabor do mercado, cortar (ainda mais) o acesso a divisas… a lista é longa e dificilmente pode ser implementada numa legislatura, mas é previsível que, em Outubro, com o início das negociações com o FMI e a divulgação do Orçamento Geral do Estado para 2019, os angolanos comecem a ser obrigados a ‘cair na real’, porque há males que vêm por bem.

Em geral, a vinda do FMI é bem-vista pelos economistas, que acreditam que, apesar de tudo, a economia angolana está hoje mais preparada para choques (ver texto na página 9). “A confirmação do pedido de ajuda financeira ao FMI, para além de permitir responder de forma mais efectiva aos desequilíbrios na balança de pagamentos, com certeza será mais um elemento a pesar positivamente sobre as decisões dos investidores”, destaca o economista Alexandre Ernesto.

“A título de exemplo, observámos que após o anúncio do acordo entre o Governo e o FMI pelo ministro das Finanças, as yields das obrigações angolanas com maturidade para 2025 caíram consideravelmente em 27 pontos percentuais, ou seja, para 7,51% a maior queda dos últimos dois anos”, acrescenta.

Também o economista e um dos fundadores da Ordem dos Economistas de Angola, Fausto Simões, vê com bons olhos a vinda do Fundo, que é “há muito esperada e que aplaudimos”. O consultor Galvão Branco sublinha a necessidade de aprofundamento das reformas estruturais. “Não é compaginável com a actual situação económico-financeira que prevalece no País o modelo e a dimensão do aparelho do Estado e o estilo de governação por ele protagonizado”, afirma.

“A actual estrutura administrativa e o desempenho da sua actividade não se traduzem em serviços públicos a contento do interesse dos cidadãos e das empresas e os consequentes reflexos no desempenho da economia”, alerta o responsável.

“Temos, definitivamente, de enveredar para um desempenho das instituições do Estado que tenham como fundamento a eficácia dos procedimentos operacionais em prol da salvaguarda do interesse dos cidadãos e da integração de Angola no contexto das Nações”, conclui.

Fonte: Mercado | Ricardo David Lopes

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