Familiares dos jovens mortos por coronel da Força Aérea exigem justiça
Heitor Rocha e Bráulio Baltazar, de 19 e 20 anos de idade, respectivamente, foram a enterrar na semana passada no cemitério do Camama, em Luanda. Ambos jovens foram assassinados por um oficial superior da Força Aérea Nacional (FAN) no dia 7 do corrente mês.
Os assassinatos ocorreram no bairro Golf II, precisamente na Vila Estoril. André Francisco Ciundua, de 61 anos, coronel da FAN, é apontado como autor dos disparos que vitimaram mortalmente os dois jovens.
Tudo terá acontecido na madrugada do dia 07, quando Heitor Rocha, que em vida estudava Direito na Universidade Independente de Angola (UnIA), e Bráulio Baltazar, que estudava Engenharia Informática na mesma universidade, foram alegadamente confundidos por “bandidos” no momento em que os mesmos iam acompanhar à casa um amigo identificado por Ken, depois de um convívio organizado em casa de um dos amigos.
Em entrevista exclusiva à Rádio Angola, Luís Gomes, amigo das vítimas e residente na casa onde se terá realizado o convívio, que também esteve presente no momento do infortúnio, conta-nos como tudo terá acontecido.
“Passamos por um beco num prédio para sair no prédio do Ken, neste mesmo prédio o senhor sai armado com uma AK, mas ele não se assusta connosco, ele já estava preparado e diz, numa distância de um ou dois metros: ´afastem-se, vou fazer tiros´. Nos afastamos a uma distância de quatro ou cinco metros. O Ken reconhece o senhor e diz o nome [dele]: ´senhor Kuenda não faz isso, somos amigos do seu filho´, neste caso é o Nádio”, lembra Luís Gomes.
Tão logo ouviu chamarem pelo seu nome, o coronel “fez dois disparos, e da forma como fez foi mesmo para matar só que falhou porque o tiro bateu nas escadas mas passou acima das nossas cabeças”.
Sem saberem por onde se esconderem, os quatro amigos correram sem destino. O militar, segundo narração de Luís Gomes, perseguiu os jovens com disparos à mistura.
“Acho que um era para me atingir e o outro para atingir o Heitor”, explicou. Mais rápido que o amigo, Luís conseguiu desaparecer da mira do atirador, mas Heitor não. “O Heitor ainda não tinha feito a curva, atingiu o Heitor. O Heitor caiu. Antes de cair me lembro de ele ter dito ´meu Deus´ e chamou o meu nome”.
Gomes tentou voltar para socorrer Heitor “porque ele ainda estava a conseguir correr”, mas viu o “senhor Kuenda” à espera ainda com a arma, pois percebeu que o baleado estava a falar com alguém. “Quando vejo o senhor com a arma corro [até o] local [onde estávamos]. Chego lá a chorar”. Sem oportunidade de assistência médica, Heitor Rocha morreu mesmo ali, no chão.
Provavelmente passado dez minutos, soaram alto mais dois tiros. Eram os disparos que mataram Bráulio Baltazar. Enquanto o matador contemplava as vítimas, Luís e cinco amigos que permaneceram na casa onde decorria a confraternização tentavam contactar a polícia, sem sucesso.
Os vizinhos de Ken relataram que, antes de serem ouvidos os disparos, ouviram alguém dizer: “não dispara, por favor, sou neto da tia Rosa do bloco 36”, isto dito por três vezes seguidas. “Mesmo assim o senhor fez os disparos”.
Questionamos Luís Gomes se acredita que foram confundidos com delinquentes, respondeu: “Ele não nos confundiu, já estava no programa dele porque antes de acontecer isso já avisava aos vizinhos que podia matar e dizia que roubavam as peças do carro dele”.
Nádio, filho do coronel, também esteve no convívio. Às 20H, pouco depois do militar quase ter matado uma senhora que passava pela rua, a mãe e alguns irmãos lhe foram buscar. “Se calhar também o filho ia ser morto pelo próprio pai”.
André Kuenda está detido nesta altura. Os familiares exigem justiça aos órgãos competentes. O pai de Heitor Rocha não acredita no Estado.
“Se eu tivesse contacto físico com o cidadão faria justiça com mãos próprias, porque confiar no Estado também às vezes dá no torto que dá. Perdi um filho de 19 que estava a fazer a faculdade, tinha bons talentos, agora que está a perder sou eu”, deplora.
Com lágrimas nos olhos, o progenitor faz contas da vida perdida: “Mesmo que eu vá gerar um filho hoje ou amanhã tenho de voltar a sofrer para lhe ensinar, para lhe pôr na escola, vou gastar dinheiro, já não vai estar na universidade. Então quem está a perder sou eu”.
Em desespero, exige que “o Estado deve defender a população, porque se não houver população para quê vai haver Estado? Então os órgãos de justiça devem se cingir pela lei. Eu rogo que sobre este processo o Estado faça a sua justiça”.
Manuel Baltazar, pai de Bráulio Baltazar, disse que “a família clama por justiça que deve se realizar em torno de situações desse género”. Pediu que a justiça seja “clara e transparente e que não haja aquelas fugas, porque muitos casos são dados ao abandono, não terminam, pese embora não teremos o retorno do que perdemos porque não há nada que pague a vida de um ser humano”.
Acompanhe aqui nesta página, a entrevista completa concedida à Rádio Angola.
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