Familiares de Zé Van-dunem e Sita Vales rejeitam ossadas duvidosas
O acto oficial de entregas das alegadas ossadas de José Van-Dunem e Sita Maria Dias Valles, foi sujeito a atrasos, por conta de exigências apresentadas pelas famílias dos malogrados, que desejam estar satisfeitos de que, os que lhes está, a ser entregues, corresponda aos verdadeiros restos mortais dos seus ente queridos executados pelo MPLA, do processo do “27 de Maio de 1977”, refere o portal de notícias Club-K.
A fonte descreve que, uma irmã de Zé Van Dunem, Francisca Eugénia da Silva Dias Van Dunem e um sobrinho, João Ernesto Valles Van Dunem (filho de Zé e Sita), exigiram para este processo de averiguação e autenticidade das ossadas, a participação de um professor catedrático português, que é perito em antropologia forense para realizar os trabalhos em conjunto com os especialistas angolanos.
O governo de Luanda, terá inicialmente manifestado resistência pelo que o processo de entrega e enterro das ossadas, que se alegam ser dos mesmos, atrasou. As partes continuam em conversações, apesar de o responsável pelo processo da parte do governo, o ministro Francisco Queiroz apresentado um aparente discurso de transparência mas exigindo as famílias para que não façam perguntas.
Duas filhas de Alves Bernardo Baptista “Nito Alves”, terão também feito exigências quanto a autenticidade das supostas ossadas do pai, mas não foram atendidas pelas autoridades. As duas, que atendem pelo nome de Marilia e Eunice Baptista decidiram distanciar-se do processo, e não participaram no acto de recolha de amostrar para os exames de DNA.
Colocadas de fora, o governo angolano que deseja ver este assunto resolvido o mais breve possível, foi buscar uma suposta filha de Nito Alves, com uma outra mulher, mais um sobrinho (filho de um irmã do malogrado) que aceitaram recepcionar as ossadas cujo enterro esta marcado para segunda-feira (13).
“Somos de paz, o que se passou já passou e todos que estiveram envolvidos na morte do meu tio, estão perdoados”, referiu o sobrinho Alves do Amaral Panzo, frisando que, com este acto, a família esta calma.
O comandante Nito Alves teve uma esposa já falecida, que trabalhou como enfermeira no hospital Militar de Luanda, de quem teve as duas filhas, Marilia e Eunice. A “nova” filha, Olivia dos Santos, descoberta pelo governo angolano terá nascido da relação de uma outra mulher com quem Nito Alves se relacionou meses antes de ser assassinado. Fontes que acompanham o processo, não põem em causa a se é ou não filha, mas advertem que juridicamente a mesma não é filha de Nito Alves, uma vez que não foi registrada pelo mesmo nem mesmo a titulo póstumo, pelo que a sua posição, não envolve a família.
De entre todas as famílias, a do comandante Jacob João Caetano mais conhecido por “Monstro Imortal”, foi a que mais flexível se mostrou, visto que em setembro do ano passado, o Presidente João Lourenço, elevou a um sobrinho deste, Mário Augusto Caetano João, para o cargo de ministro da economia do seu governo.
O inesperado atraso do processo das entregadas das restantes ossadas colide com a agenda do governo que precisa de ver este assunto resolvido por causa das próximas eleições marcadas para Agosto e do centenário do Presidente Antônio Agostinho Neto, uma vez que o assunto “27 de Maio”, atrapalha a publicidade de líder humanista, projectada pelas autoridades.
As reservas que as famílias de Zé Van Dunem e Nito Alves manifestam quanto a autenticidade das ossadas tem também como fonte as varias versões respeitantes aos locais do enterro dos falecidos que contradizem com o local onde as autoridades estão a desenterrar. Segundo fontes próximas, as vitimas dos sobreviventes e dados de relatos de livros, indicam que a vala comum onde o governo está a desenterrar as ossadas das vitimas terá sido feita dois dias depois da insurreição do dia 27 de maio de 1977, pelo que entende que Nito Alves não pode ter sido ai enterrado uma vez que executado meses mais tarde.
Em vida, o antigo ministro da defesa, Henriques “Iko” Carreira, que participou no assassinato de Nito Alves, disse a uma entrevista ao Jornal “Comercio e Actualidade” de Victor Aleixo, na década de 90. que Alves Bernardo foi morto em 1978. As fontes próximas as vitimas, reiteram questionando como as ossadas de Nito Alves poderiam estar localizadas na mesma vala onde foram despejados vários corpos dias depois do 27 de Mario.
As referidas duvidas começaram a surgir no passado mês de março, quando o ministro da Justiça e dos Direitos Humanos de Angola, Francisco Queiroz, anunciou a localização, em Luanda, de dez ossadas, presumindo serem de alguns dos protagonistas dos acontecimentos de 27 de Maio de 1977.
A Plataforma 27 de Maio (que congrega os familiares das vitimas) reagiu com enormes reservas à comunicação do ministro, que é também o coordenador da Comissão de Reconciliação em Memória das Vítimas dos Conflitos Políticos (CIVICOP).
“A informação prestada seria motivo de satisfação, se resultasse de um trabalho sério de exumação e análise forense, o que não é manifestamente o caso”, acusou a Plataforma, em comunicado, lembrando que a “exumação e identificação dos restos mortais de vítimas de massacres” deveriam ser “levados ao conhecimento dos familiares das mesmas”, que teriam de ser “chamados a testemunhar os atos de exumação”. Por outro lado, impunha-se a participação de especialistas com experiência na matéria, “que permitissem estabelecer conclusões sobre a causa da morte.”
A notícia da localização das ossadas passou no noticiário da TPA com imagens de retroescavadoras cavando valas, algo impensável numa escavação forense séria, em que não pode haver contaminação das ossadas. Todo o trabalho teria de ser acompanhado por técnicos habilitados. Porém, é notório que isso não está a acontecer, apontou ainda a Plataforma 27 de Maio.
Corpo de Nito Alves terá sido atirado ao mar
Membros da Plataforma 27 de Maio, ouvidos pelo Esquerda.net, consideram muito estranho o facto de serem encontrados no mesmo terreno as ossadas de pessoas que se sabe terem sido presas e executadas em datas muito diferentes.
Existe mesmo a possibilidade de que nunca se venham a encontrar os restos mortais de Nito Alves, uma vez que, segundo Jean-Michel Mabeko-Tali, na mais importante obra publicada sobre o MPLA1, o corpo de Nito terá sido atirado ao mar. O historiador cita “testemunhos concordantes, nunca desmentidos” que fundamentam esta afirmação.
A possibilidade de se encontrarem, no mesmo lugar, as ossadas quase intactas dos dirigentes políticos Nito Alves, José Van-Dunem, Sita Valles e Pedro Fortunato, dos militares Monstro Imortal, Bakalov e Sianouk, e dos músicos David Zé, Urbano de Castro e Artur Nunes parece remota. Monstro Imortal, o chefe do Estado-Maior do Exército, terá morrido numa sessão de tortura, nos dias seguintes; Sita Valles terá sido executada em julho; já Bakalov só foi preso no fim do ano. Os corpos eram “enterrados à pressa, em valas comuns”, relata, no livro citado, o historiador Mabeko-Tali.
Como seria, então, possível encontrar no mesmo lugar os restos mortais de quatro dirigentes políticos, três militares e três músicos ligados à corrente de Nito Alves, presos em datas e lugares diferentes, assassinados na tortura ou por um pelotão de fuzilamento?
A suspeita de estarmos diante de uma encenação ganha contornos reais. A Plataforma 27 de Maio conclui o seu comunicado denunciando a “encenação”, apelando a que “se imprima um rumo diferente aos trabalhos, com o recurso, nomeadamente, à cooperação internacional e adoção das medidas complementares exigidas: acompanhamento pelas famílias, identificação dos responsáveis e assunção de responsabilidade integral pelo Estado de Angola”.