ENTREVISTA COLECTIVA: «ENCONTRÁMOS A BOCA DO PRESIDENTE VAZIA»

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Por Nuno Álvaro Dala

Os enunciados do Presidente da República, em resposta às perguntas dos jornalistas presentes na entrevista colectiva de 21 de Dezembro, configuraram um desastre em matéria de comunicação política, bem como revelaram falta de atino sobre outras questões.

Apresentarei aqui exemplos que demonstram a asserção da abertura do presente texto.

1. SOBRE O REPATRIAMENTO DE CAPITAIS: o Presidente João Lourenço não forneceu dados concretos sobre o ponto de situação do processo de repatriamento de capitais. Limitou-se a fazer considerações generalistas e superficiais, remetendo para muitos anos o tempo eventualmente necessário para que o Estado consiga reaver os bens financeiros saqueados durante a nefária governação de José Eduardo dos Santos. Não indicou nenhum caso de alguém entre os grandes gatunos e larápios que tenha repatriado o capital ao longo dos 6 meses que correspondem ao período de graça concedido pelo Governo, que encerra em 2 dias, já que a partir de 26 de Dezembro, entrará em vigor a fase coerciva do processo. Infere-se que os primeiros 6 meses (fase do período de graça) do repatriamento de capitais foi um fiasco. É de crer que a fase seguinte será diferente?

2. SOBRE A TAXA DE DESEMPREGO: o Presidente da República disse que o nível de desemprego em Angola é de 20%. Este dado está longe de ser verdadeiro. É falso. No período 2014-2018, a economia nacional tem estado a decrescer. Os anos 2014, 2015, 2016 e 2017 foram marcados por uma taxa média de crescimento económico de 3,5%, isto é 0,8% (quase 1) inferior à média do subperíodo intermédio 2009-2013 (a economia angolana durante a crise mundial) e da mini-idade de ouro da economia angolana (2002-2008). Em 2018, a taxa de crescimento da economia nacional foi cerca de 1% inferior à de 2017. A economia tem estado em queda, pois, no primeiro ano da crise, 2014, o crescimento económico do País foi de 4,2%; em 2015 foi de 4%; em 2016 foi de 3,3%; em 2017 foi de 2,7. Logicamente, não há como a taxa de desemprego ser de apenas 20%, na medida em que o período 2014-2018 tem sido marcado por um violento aumento da taxa de desemprego, por causa da também violenta falência de centenas de empresas, que, depauperadas, acabaram encerradas. Como é que num país com a economia em queda livre desde 2014, em que milhares de empresas foram à falência e milhares de cidadãos e cidadãs caíram no desemprego regista-se apenas 20% de desemprego?

3. SOBRE O CASO MANUEL VICENTE: o Presidente da República, talvez sem percebê-lo, acabou por confirmar as suspeitas de milhentos Angolanos, traduzidas na crença de que Manuel tem sido pelo Estado protegido contra o processo movido contra si em Portugal, onde o tribunal competente condenou os seus então co-arguidos a penas exemplares. É verdade que Manuel Vicente não é membro do Governo, mas deputado, logo, não deve ser o Presidente da República a levar a cabo o processo de retirada da imunidade para ele estar à disposição das autoridades judiciais. Mas, então, como é que se explica que até agora a Procuradoria Geral da República (PGR), ciosa em fazer anúncios na mídia sobre «peixes de outras águas», não tenha dado passos significativos, limitando-se a dizer à mídia que «o processo corre os seus trâmites»? Se o Estado realmente não está a proteger Manuel Vicente, por que a PGR ainda não remeteu a competente solicitação à Assembleia Nacional, para que esta retire as imunidades ao mesmo? E se remeteu a solicitação, por que informa o facto à mídia, como fez em relação a outros processos? Enfim, notou-se na sua resposta que o Presidente da República não eliminou a inquietação dos cidadãos sobre o assunto. Antes, pelo contrário, de forma tácita, legitimou as suspeitas daqueles, e são muitos, que não acreditam na mentirola de que Manuel Vicente não goza da protecção do Estado angolano. Deve ser lembrado que, quando incorreu nos graves crimes de que é acusado, Manuel Vicente não agia em nome nem em benefício do Estado angolano.

4. SOBRE O COMBATE À CORRUPÇÃO: o Presidente da República não forneceu dados concretos que demonstrem que, de facto, existe um genuíno processo de combate à corrupção, ao peculato e a outros males que levaram Angola ao marasmo. Não forneceu elementos concretos de elucidação de que os poucos ex-titulares de cargos públicos presos não constituem exemplos de um processo da pimpa, a fingir. As dúvidas continuam. E é grande o número de cidadãos que não acredita na seriedade, abrangência e profundidade do processo.

5. SOBRE OS TITULARES DE CARGOS PÚBLICOS NÃO RECORREREM AOS HOSPITAIS DO PAÍS: na verdade, a infeliz resposta do Presidente João Lourenço revelou que não existe da parte dos titulares de cargos do seu Governo a agenda de valorizar o Serviço Nacional de Saúde através da valorização com recurso a os mesmos fazerem recurso aos hospitais públicos, o que necessariamente levaria a um processo de melhoria da sua qualidade a uma velocidade superior à actual. Esperar que João Lourenço recorra ao Hospital Maria Pia para beneficiar de tratamento médico é uma ingenuidade inadjectivável. Se o Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, passou uma bem-sucedida intervenção cirúrgica num hospital público do seu país, tal não se deveu a populismo, mas a um facto notável: o serviço nacional de saúde de Portugal é de elevada qualidade. João Lourenço seria submetido a uma intervenção cirúrgica no Hospital Geral de Luanda ou no Hospital Maria Pia? Nunca, porque nem mesmo por causa de uma gripe ele recorreria a um destes hospitais! O Presidente da República, imperturbável na sua resposta, disse que já esteve várias vezes na Clínica Girassol, tanto nos tempos em que foi Ministro da Defesa como na actual qualidade de Chefe de Estado e do Governo. A Clínica Girassol não é um hospital público. É uma instituição privada, apenas acessível a cidadãos com rendimentos altos. Bem, pode ser que o Presidente João Lourenço tenha pretendido dizer que os governantes podem ao menos passar a recorrer à Clínica Girassol ou outras unidades hospitalares privadas do País . . .

6. SOBRE A «EXUMAÇÃO, INUMAÇÃO» E FUNERAL DE JONAS SAVIMBI: o Presidente da República deu uma resposta enganosa. Na verdade, o Governo pretendia realizar o processo a 20 de Dezembro, ou seja, na quinta-feira passada. Deu a entender que o problema reside na UNITA. Ou seja, a «exumação, inumação» e o funeral do fundador e primeiro presidente do partido em referência apenas não aconteceu por culpa da própria UNITA! A verdade é que o Governo apresentou um presente envenenado à família e ao partido, pois, em primeiro lugar, durante Dezembro, chove abundantemente na localidade indicada para ser realizado o enterro de Jonas Savimbi, o que dificultaria grandemente os esforços da família e da UNITA em realizar uma cerimónia sem os constrangimentos do clima. Em segundo lugar, a UNITA realizaria o evento às pressas, por causa do apertado calendário elaborado pelo Governo. Em terceiro lugar, aliás, em consequência de cumprir uma agenda governamental longe de ser a mais bem-intencionada, a UNITA não teria conseguido realizar o funeral que entende à altura do seu fundador e primeiro presidente. É legítimo que o faça conforme convencionado entre a família e estrutura directiva do partido. Em quarto lugar, a agenda do Governo, visa(va) inviabilizar o que as autoridades temem vir a ser um autêntico funeral de Estado, facto que deixaria muitas figuras do sistema incomodadas até ao fígado.

7. SOBRE O CASO DOS 4 JOVENS MUÇULMANOS: é verdade que os muçulmanos, Angolanos e estrangeiros, têm podido realizar os seus actos de adoração a Alá, em mesquitas ou em casa. Também é verdade que não existem de facto cidadãos, nacionais ou não, presos pelo simples facto de terem sido encontrados a ler o Corão. O que não é verdade é a afirmação que tem sido ventilada, segundo a qual, os mesmos, já radicalizados, estavam a preparar-se para realizar actos de terrorismo em conexão com o Estado Islâmico (Daeshi). O Presidente João Lourenço não disse que os jovens foram detidos, presos, julgados e condenados por causa da velha neurose de que o Estado angolano padece, traduzida em ver conspirações terroristas ou golpes de Estado em tudo quanto se mexa.

Além de ter dado respostas vazias, sofismais, generalistas e superficiais aos jornalistas, o Presidente da República cometeu um erro que nenhum político avisado ousaria sequer cogitar: debochar implicitamente das crenças religiosas do povo. Na tentativa de condimentar a sua resposta sobre as evidentes limitações eficiência e eficácia do Governo, João Lourenço acrescentou que, não sendo possível ele e seus ministrados fazerem milagres, «Jesus Cristo já morreu há muito tempo». A tirada foi deselegante, pois, por mais que um chefe de Estado ou de governo seja ateu ou algo parecido, é desaconselhável vociferar frases que ferem a sensibilidade religiosa do povo em nome do qual em em prol qual governa. Por outro lado, é preciso que o Presidente da República analise se o uso de palavras pomposas ou bombásticas («malandros» . . .«marimbondos») tem serventia aos seus esforços de promover uma governação reformista e desprovida de mensagens subliminares ou semelhantes que, em última análise, servem a uma agenda de humilhação pública e sistemática de indivíduos que praticaram actos nefários ao Estado. Na verdade, num País que mais precisa de mudanças económicas e sociais, em que os cidadãos estão cada vez mais desesperados e desejam ardentemente a «paz no bolso, na conta e no prato», as palavras ou expressões bombásticas, mesmo que celebradas pelos cidadãos, são dispensáveis.

De facto, os jornalistas, representando os Angolanos enquanto Povo ansioso em saber do Presidente sobre como o Governo está a cumprir com as suas tarefas, saíram do Palácio com a percepção traduzida na seguinte frase: «encontrámos a boca do presidente vazia».

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