DESABAFO DE UM ANTIGO BOLSEIRO DA SONANGOL
No passado mês de Setembro completamos 20 anos desde que regressamos à Angola depois de nos termos formado no estrangeiro.
Cinco anos antes e naquele que terá sido considerado o processo mais abrangente e transparente de seleção de estudantes angolanos integramos orgulhosamente um grupo de 100 bolseiros angolanos que a Sonangol enviou para os EUA, Portugal, Itália, França e Reino Unido.
Faziam parte deste grupo jovens provenientes dos quatro cantos do país, das mais diversas origens sociais, credos religiosos, raças e tribos. Nós éramos a verdadeira salada de fruta ou a prole de Angola.
Os nossos sonhos não tinham limites. Tínhamos sido abençoados por termos sido seleccionados num processo que levou quase dois anos entre várias baterias de testes psicotécnicos, testes de conhecimento geral, testes de diversas disciplinas académicas e por ultimo o processo de entrevistas junto de um painel de juizes que procurava determinar até que ponto éramos suficientemente patriotas para depois de formados regressarmos para o país e desta forma contribuirmos para o seu desenvolvimento.
Ainda hoje me recordo com emoção a tensão vivida a cada momento que abríamos o Jornal de Angola para ver se o nosso nome constava da lista dos que passavam para a bateria seguinte.
Ao longo dos quase dois anos fomos fazendo amizades e, apesar de sabermos que estávamos a concorrer uns contra outros, sofremos solidariamente cada vez que alguém não passava para a fase seguinte.
Tínhamos consciência do sofrimento que havíamos passado para chegar onde chegamos. Entre abraços e lágrimas nos recordávamos das longas noites a estudar sob a luz da lamparina e que acordávamos quase sempre com as narinas com ranho preto do carvão. Outros se lembravam de terem sentado em latas de leite Nido e debaixo das árvores foram conseguindo passar de classe em classe. Foi muito sacrifício para conseguir chegar onde se chegou mas mesmo assim ainda estávamos no início.
No entanto não faltava a solidariedade entre nós. A solidariedade que se aprendeu no tempo dos campos dos pioneiros, campos de férias da juventude, de quem não tinha um pai que podia enviar os filhos estudar no estrangeiro, das lojas do povo, dos cartões de abastecimento, dos sábados vermelhos, das longas marchas pelos ideais que nos haviam passado os mais velhos – o de termos o direito inalienável à nossa soberania e a de decidir o nosso próprio destino.
As nossas famílias e amigos nos apoiavam incondicionalmente. Era o momento em que se abria para cada um de nós individualmente, e para as nossas famílias, a oportunidade da vida. A oportunidade de ir estudar para o ocidente com uma bolsa de estudo completa.
A única exigência que se fazia era a seguinte: estudem, venham formados e muito bem formados. Não se esqueçam que o país está em guerra mas esta guerra vai acabar um dia. Quando a guerra acabar vamos precisar de vocês e dos vossos conhecimentos e competências para desenvolver o país que vos viu nascer e crescer. Não se esqueçam dos que ficam e das vidas de soldados que por vezes não vão ter o que comer ou munições para combater porque optamos por investir em vós pois acreditamos num futuro melhor para Angola.
Recordo com incontida emoção o momento em que assinei o contracto de formação em cerimónia organizada na Fortaleza de São Miguel em Luanda e das palavras de apoio do então Director Geral da Sonangol.
Segundo constou na altura, o evento foi realizado no referido local para servir de marco para o novo recomeço – um recomeço no local construído com sangue e suor dos escravos Angolanos mas que agora era a referência para o futuro promissor da maior empresa do país.
A nossa média de idade não passava dos 20 anos mas já sentíamos nos ombros o peso da responsabilidade de não deixar mal quem em nós acreditou.
Já não encontro o meu exemplar do contracto mas me recordo daquela que foi para mim a cláusula mais importante – depois de concluir os estudos me comprometo a regressar a Angola, ingressar nos quadros da Sonangol e servir onde os seus dirigentes decidirem por um período mínimo de 20 anos.
Assim como eu, mais de noventa porcento dos que comigo foram para o estrangeiro se formar, regressaram à Angola e ingressaram na Sonangol ou nas empresas e instituições para onde foram colocados conforme estabelecido no contrato de formação.
Adicionalmente, e ao longo da década seguinte, o país, em geral, e a Sonangol, em particular, enviaram várias centenas de angolanos para o exterior do país e muitos regressaram ao país. As questões que não se querem calar são: onde param estes quadros? Porque motivo terão sido colocados à margem? Porque motivo foram colocados nas lista de “aguarda colocação”? O que foi feito para que estes não se perdessem? Quem foram as más influências? Se eram assim tão maus como foi que concluíram os estudos em algumas das melhores universidades?
Enquanto ontem éramos desafiados e colocados perante projectos de missão para o país, para a consolidação de uma visão em que o núcleo de decisão seria sempre baseado na defesa dos mais altos interesses dos angolanos e para angolanos, hoje, lamentavelmente a discussão parece se resumir à volta da influência e controlo exercido por interesses estrangeiros que se terão infiltrado habilmente na Sonangol que nem cavalos troianos.
Infelizmente, tanta tem sido a gritaria à volta das recentes nomeações para o Conselho de Administração da Sonangol que, entre ruídos, acabamos por ouvir argumentos que podem levar a pensar que alguns que não aceitam a entrada de estrangeiros no núcleo de decisão da Sonangol são imbuídos de sentimentos nacionalistas xenófobos e racistas. Puro debalde e ruído para inglês ver!!
Quando falo sobre o nosso percurso quero demonstrar que existem quadros angolanos, ponto final. Muitos de nós foram simplesmente escorraçados porque não conseguiam perceber os esquemas por detrás do grande golpe de transferência de recursos da Sonangol para a esfera privada de determinadas famílias de influência política.
Quantos colaboradores da denominada prole da Sonangol foram colocados de lado por se negarem pactuar ou branquear muitos destes empreendimentos e como tal foram colocados à margem? Quantos colaboradores da denominada prole se deixaram inocentemente levar pela sede da oportunidade pois estavam a ver o que estava a acontecer e aproveitaram a desorganização para se organizar?
Nenhum país entrega a gestão do mais importante recurso estratégico ao controlo e influência significativa de estrangeiros.
Hoje a Sonangol conta com mais de 200 consultores estrangeiros exercendo o papel de gestores sombra com acesso ao mais importante património que qualquer empresa pode ter – informação sobre quais são as verdadeiras reservas petrolíferas do país.
Basta ficar à porta das empresas do grupo Sonangol onde estão colocados estes consultores para se perceber que a maior partes deles nem 10 anos de experiência profissional têm e são pagos à preço de ouro e em divisas – as tão necessárias divisas.
Antigos Directores Gerais e Presidentes da Sonangol como Hermínio Escórcio, Albina Assis, Desidério Costa, Joaquim David, Manuel Vicente e Francisco Maria como quaisquer outros gestores de grandes corporações podem ter cometido erros graves mas dificilmente comprometeram a soberania do país.
Não foram eles quem aprovaram as diversas legislações que levaram à criação de incentivos perversos que no final obrigaram a Sonangol E.P. a prestar garantias e financiamentos corporativas para investimentos privados detidos pela família do Presidente cessante.
Somente um cego é que não vê que, sob a capa de fomentar e incentivar o investimento privado, foram criados os mecanismos e instrumentos legais que levaram à promoção de incentivos perversos e conflitos de interesse.
Aquele que se diz que quer ser lembrado como um bom patriota é o responsável disto tudo bem que seja por omissão.
O petróleo é um recurso estratégico do país e como tal cabe aos angolanos gerirem de forma efectiva e eficaz este recurso para o bem das futuras gerações.
O petróleo é estratégico porque pode ser utilizado para a condução da política econômica e de defesa da soberania e da integridade nacional.
A Sonangol, E.P. é o instrumento do Estado para a condução da referida política e como tal a sua gestão deve integrar pessoas de indubitável alinhamento e fidelidade com os mais altos interesses de Angola.
Quando se entregam a estrangeiros informações sobre as reservas, modus operandi, capacidade operacional, sistemas de informação, recursos e tecnologias de produção, dados sobre o capital humano e processos de trabalho é meio caminho aberto para que essa informação seja utilizada num futuro cenário de enfraquecimento da soberania de um Estado.
A manutenção da independência política ou a capacidade de controlar os processos políticos num país residem na capacidade, controlo e influência significativa sobre os recursos estratégicos da referida nação.
Nenhum país mantém inalienável a sua soberania se não dominar e controlar os fluxos financeiros decorrentes da comercialização dos seus recursos estratégicos.
Quando os colaboradores de uma empresa estratégica se sentem alienados e desmotivados é um dos primeiros processos de desagregação do Estado. É o tecido da nacionalidade que se rompe pois não se consegue assegurar as alianças necessárias para a manutenção do equilíbrio social.
As empresas que gerem recursos estratégicos devem sim ser geridas com base em princípios de solidez e sustentabilidade. A rentabilidade financeira e económica é secundária se o preço for a manutenção da soberania nacional.
A soberania nacional não deve ser vendida na feira popular como levianamente se entregou a Sonangol a um grupo de empresas controladas por interesses inconfessos.
Em resumo, o que a Sonangol E.P. necessita é de uma liderança comprometida com o país e não com interesses pessoais ou de grupos de influência.
A Sonangol E.P. necessita de uma liderança disponível e conhecedora dos meandros e do seu contexto histórico.
Uma liderança perfeitamente alinhada com a manutenção do país enquanto ente soberano e que tenha uma visão baseada em princípios fundamentais de que o mais importante é a Nação.
Esta liderança comprometida com Angola vai certamente encontrar os quadros angolanos comprometidos com a visão de longo prazo para a nação.
Que se pare de humilhar quadros com dezenas de anos de experiência profissional com testes psicotécnicos e de conhecimento geral concebidos para Portugal com o objectivo de denegrir o angolano.
Devolvam a Sonangol aos angolanos comprometidos com o país e que não estão a tentar esconder e destruir documentos do passado.
Que sejam passadas instruções claras a estes Angolanos e a supervisão seja apertada.
Que seja dado tempo para com serenidade estes angolanos renovem a confiança e consigam congregar e motivar o capital humano que ainda quer ver a empresa progredir.
Que seja dada mais uma oportunidade aos angolanos de conduzirem os destinos daquilo que é de todos nós – o petróleo.
Presidente João Lourenço, cumpra a constituição e defenda os interesses superiores do Estado Angolano.
Assino: Aguarda Colocação
Fonte: Facebook