CAMPO DA MORTE: CASO N.º 29: O FILHO DO TENENTE-CORONEL

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VÍTIMA: Avelino Zacarias António “Bebu”, 20 anos, natural de Luanda (pai do Uíge, mãe do Huambo)

DATA: 20 de Janeiro de 2017

LOCAL: bairro do Compão, município de Cacuaco

OCORRÊNCIA:

Em Setembro de 2016, Avelino “Bebu” foi detido, na companhia de dois amigos, quando se encontravam a beber cervejas numa pracinha perto de casa. Zeca assume que o irmão fazia parte do gangue Bate à Toa. O caso a propósito do qual foi detido é revelador do estado da investigação criminal, conforme explica o pai. O tenente-coronel José António acompanhou o filho durante os quatro meses em que este esteve detido, com breves passagens na Esquadra do Cauelele e no Comando Municipal de Cacuaco, bem como na Penitenciária de Kakila, onde cumpriu pena.

“O investigador do Serviço de Investigação Criminal que estava com o processo exigiu-me um pagamento de 270 mil kwanzas pela libertação do meu filho. Vendi a minha viatura, paguei ao investigador e ele recebeu a soltura em Dezembro”, conta.

Dias depois, “entre 10 e 15 de Dezembro, se não me engano, um indivíduo das FAA, fardado, veio a minha casa com os homens do SIC e detiveram novamente o meu filho. Acompanhei-o até à sede do SIC, onde me informaram que era apenas para fazer o controlo”. Bebu ficou lá detido seis dias e recebeu soltura. Na semana seguinte, nova visita do SIC, desta vez por um “agente vizinho identificado como Zé”, que o deteve novamente e aos outros dois amigos.

“Os três passaram mais seis dias nas celas do SIC, e o agente Zé cobrou-nos mais 30 mil kwanzas pela libertação do miúdo”, informa o pai.

Segundo o tenente-coronel António, o seu filho raramente saía de casa após a sua soltura em Dezembro e as duas semanas subsequentes que passou nas celas do SIC. Foi nesse ambiente doméstico que os matadores o encontraram, depois das 18h00, sentado frente ao portão de casa, a brincar com os sobrinhos que o ladeavam. Estava com Joel, de sete anos, que brincava com o seu telefone, e o Gelson, de cinco anos. Os atacantes circulavam em duas viaturas Hyundai i10 ou i20. As testemunhas têm dificuldades em distinguir entre os dois modelos.

“Um deles, que vinha a caminhar, perguntou ao meu filho se o seu telefone tinha saldo e este respondeu que não. Dois indivíduos desceram da viatura e empurraram-no”, adianta o pai.

Testemunhas oculares indicam que os ocupantes da viatura tinham um iPad para confirmar a identidade do alvo através de fotografias, tendo-lhe previamente perguntado se era o Bebu.

“Eu estava no quintal e vi dois indivíduos a agarrarem o meu irmão. Ele perguntou o ‘que eu fiz?’”

As mesmas testemunhas que observaram a partir da rua confirmam que a seguir os assassinos o obrigaram a voltar-se de costas para o carrasco, o que ele recusou. Foi atingido primeiro no abdómen, e depois levou o tiro fatal na cabeça. As crianças assistiram a tudo.

Ao aproximar-se do corpo do irmão, os executores dispararam duas vezes contra Zeca. “Só não morri por sorte”, refere.

“Essa é a vida do MPLA. Estamos na escravatura. Matam-se as pessoas como se fossem cabritos e não temos onde nos queixarmos”, lamenta o tenente-coronel.

O pai enlutado acusa directamente o Serviço de Investigação Criminal (SIC) e a Polícia Nacional de serem responsáveis pela onda de assassinatos que também ceifou o seu filho.

“Bandidos não matam assim: tantos no mesmo dia, com listas, três ou quatro carros com vidros fumados? É impossível. O meu sobrinho é inspector da Polícia Nacional, e fizemos diligências junto do SIC. Como são eles próprios a matar, não investigam. Não dão valor, estão a matar cabritos”, vocifera o veterano de guerra.

O tenente-coronel conta que o grupo que matou o seu filho procedeu ao abate de outros jovens minutos depois, na vizinhança. “Vivemos junto a uma unidade da UPIP [Unidade de Protecção de Individualidades Protocolares] e estes não se envolveram porque sabem que são os colegas que estão a matar”, denuncia.

“Estou no MPLA há muito tempo. O colono e a UNITA assassinavam às escondidas. O MPLA mata abertamente. Nem cabrito ou galinha se mata assim. Sinto muita dor”, afirma.

Durante dois anos, o tenente-coronel comandou o Batalhão 106 em missões na República Democrática do Congo. Esteve antes na República do Congo e recusou cumprir uma terceira missão na Guiné-Bissau, o que lhe valeu o corte dos seus salários.

 

Fonte: «O campo da morte – Relatório sobre execuções sumárias em Luanda, 2016/2017», Rafael Marques de Morais

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