CAMPO DA MORTE: CASO N.º 16: A AVÓ MORRE TAMBÉM
VÍTIMA: João Tomás Pereira “Joãozinho”, 17 anos
DATA: 27 de Fevereiro de 2017
LOCAL: bairro Augusto Ngangula, município de Cacuaco
OCORRÊNCIA:
Como era habitual, Joãozinho jantou com os avós. Saiu à rua para conversar com o seu melhor amigo, Aniceto Gaspar “Mano”, junto à porta da cantina que o avô construiu no quintal, mas cuja entrada para os clientes dá para a rua. O adolescente ajudava aí o avô nos seus tempos livres. Era estudante.
Há já algum tempo, um carro da marca Toyota Starlet, de vidros fumados, fazia rondas na rua de forma ostensiva, causando desconfiança entre os moradores. À quarta volta, os três ocupantes da viatura encontraram os adolescentes à conversa.
“Só nos disseram para entrarmos para o carro e não conseguiram. Os três [ocupantes da viatura] tinham casacos pretos e capuchos pretos que tapavam a cara. Não perguntaram sequer pelos nossos nomes”, relata Mano.
“Desceram e pegaram-nos na cintura. Dissemos que éramos inocentes e estávamos em nossa casa. Eu empurrei um deles, desequilibrei-me e arrastaram-me para o porta-bagagens”, conta Mano.
De seguida, o motorista desceu do carro para obrigar também Joãozinho a entrar para o porta-bagagens, conforme depoimento do amigo. Mano afirma o que aconteceu naquele fatídico momento: Joãozinho foi sumariamente executado, e ele apenas conseguiu fugir. “O Joãozinho recusou-se [a entrar no porta-bagagens] e segurou-se ao gradeamento. O motorista disse, ‘esses rapazes estão a dar trabalho’. Pegou-lhe na cabeça, baixou-a e deu-lhe um tiro no pescoço, do lado direito, junto da orelha.”
“O [assassino] que estava comigo manipulou a pistola para disparar contra mim. Não sei como consegui fugir. Foi Deus. Fugi por um beco e já não me seguiram”, revela o sobrevivente. Mano conta que nunca esteve detido ou envolvido em actos de delinquência. A família teve de envia-lo para fora de Luanda, para protege-lo.
Graça Tomás, de 64 anos, acorreu ao quintal quando ouviu o tiro e, ao ver o neto estendido no chão, teve um ataque. Pedro Pereira julgou tratar-se apenas de um desmaio. Deixou o neto e tentou socorrer a mulher, levando-a ao hospital. Estava morta.
Enquanto Pedro Pereira seguia para o hospital, surgiu de imediato — com a celeridade de quem já se encontrava numa esquina à espera — uma viatura de recolha de cadáveres, que levou o corpo de Joãozinho.
“Eu criei o meu neto desde pequeno. Era órfão. Nunca esteve preso, nem teve problemas. Todo o mundo aqui sabe que a minha mulher não era gatuna e morreu também. Gostaria que esse caso fosse a tribunal”, desabafa Pedro Pereira.
Fonte: «O campo da morte – Relatório sobre execuções sumárias em Luanda, 2016/2017», Rafael Marques de Morais