Ana Gomes: “Governo angolano não quer observação porque vai manipular o processo”

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Fonte: DW

Para a eurodeputada, Angola “não quer observadores que possam expor essa manipulação”. Ana Gomes afirma que, a continuar, as conversações com as autoridades angolanas estão a decorrer com a Comissão Europeia.

A apenas um mês das eleições gerais em Angola, não se sabe ainda se o processo contará com a  observação da União Europeia. Apesar de o governo angolano ter recusado assinar um memorando de entendimento com a União Europeia, o representante desta instituição em Luanda, Tomas Ulicny, reiterou, esta semana, a disponibilidade para enviar uma equipa de observadores. Numa entrevista à DW África, a eurodeputada Ana Gomes afirmou que, a existirem ainda conversações entre o governo angolano e as instituições europeias, estas estão a acontecer com a Comissão Europeia e não com o Parlamento Europeu. Ana Gomes dá conta que, uma vez que o parlamento europeu está suspenso até à última semana de agosto por causa das férias, já não há tempo para o envio de uma missão de observação eleitoral . A única opção possível agora é, acrescenta, enviar uma missão de peritos.  A eurodeputada afirma ainda que o governo angolano vai manipular o processo eleitoral do próximo dia 23 de agosto.

DW África: Confirma que continuam as conversações com as autoridades angolanas para o envio da missão de observação eleitoral da União Europeia a Angola?

Ana Gomes (AG): Não sei. Se continuam não é por parte do Parlamento Europeu, é por parte da Comissão Europeia (CE). Mas é estranho, se houver essa tal missão, é uma missão de peritos, não é uma missão normal de observação, visto que já não há tempo para a posicionar no terreno e acompanhar todo o processo eleitoral. O parlamento europeu está suspenso, neste momento, por causa das férias e, portanto, não haverá missão parlamentar de acompanhamento como é normal. Em 2012, já houve uma missão de peritos. Recordo que o Dr. Durão Barroso, na altura presidente da Comissão Europeia, visitou Angola pouco antes e disse aquilo que o governo de Angola queria que fosse dito que era que Angola era uma democracia madura e já não precisava de observação eleitoral. A União Europeia, nessa altura, mandou uma missão de peritos com duas peritas. Essa missão fez um relatório para a Comissão Europeia, mas esse relatório nunca foi publicado, devia ter sido, mas não nunca foi, portanto, se é o mesmo estilo de missão que a CE está a cozinhar é por um propósito político de agradar ao governo angolano e não é, obviamente, uma missão de obervação eleitoral com independência e capacidade de acesso, e com garantias de acesso.

DW África: A única opção possível agora seria enviar uma missão de peritos…

AG: Exatamente, mas não é um missão de observação eleitoral. É bem diferente.

DW África: Quais são as restrições desse tipo de missão?

AG: As missões de observação eleitoral têm obervadores de longo e curto prazo. Por exemplo, agora em Timor-leste, um território tão pequeno, a missão incluiu 45 observadores. Obviamente, seriam necessários muitos mais para cobrir o território angolano e isso não vai ser possível. Quanto muito, terá dois ou três peritos. Claro que obviamente duas pessoas não vêem o que 200 vêem. Não substitui de maneira nenhuma uma missão de observação eleitoral.

DW África: Recentemente, o ministro das Relações Exteriores de Angola disse que o governo não iria aceitar acordos específicos com as organizações convidadas para observar as eleições e rejeitou a assinatura desse memorando de entendimento com a UE. A União Europeia teria que prescindir desse acordo especifico para enviar essa missão de peritos?

AG: Não, a União Europeia nunca prescinde disso, e bem. Não prescinde porque essa é uma condição “sine qua non”. ]E que nós vamos fazer observação eleitoral onde somos queridos, onde é reconhecido o interesse da nossa observação, não é de maneira nenhuma para “robot stamp”, portanto, para pôr um carimbo de credibilidade nas eleições – que parece ser o propósito do governo angolano – , mas não é esse o objetivo das missões de observação eleitoral. É de observar, é de ver, fazer recomendações com vista à melhoria do processo, quando estamos perante um governo que genuinamente está interessado em fazer eleições sérias. Ora bem, não é de maneira nenhuma essa a situação de Angola e, portanto, neste momento, também acho que não vale a pena ir fazer observação em Angola porque aquilo está trocado, está cheio de truques e manipulado, e portanto não vale a pena ir. Se Angola não quer corresponder a essas condições é porque, efetivamente, não quer observação eleitoral, é porque sabe que no fundo é um processo que está trocado e vai ser manipulado.

DW África: A eurodepuatada já tinha previsto este cenário e acusou as autoridades angolanas de não estarem  interessadas na observação europeia. A sua visão continua pessimista?

AG: Exatamente, quer todos os partidos da oposição angolana, quer as organizações da sociedade civil pediram explicitamente esta missão de observação eleitoral. O governo angolano não quis fazer o convite, se não muito tarde no mês de junho porque não queria. E quando fez esse convite, não deu essas garantias básicas, portanto, temos a demonstração daquilo que, infelizmente, eu sempre suspeitei que se ia passar. O Governo angolano não quer observação eleitoral da União Europeia, nem de lado nenhum, porque  vai manipular o processo. E portanto, não quer observadores que, eventualmente, possam expor essa manipulação. Mas o povo angolano penso que não se deixa enganar. O processo vai, inevitavelmente, implicar uma mudança porque o presidente José Eduardo dos Santos não está em condições físicas de continuar mais tempo. Portanto, esperemos que com paz, embora com truques, de facto a mudança se faça e o povo angolano saiba fazê-la corresponder àquilo que, efetivamente, são as suas aspirações e interesses.