A “REPUGNANTE” REPÚBLICA DO “PALIATIVO” (I parte)

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Benja Satula | Jurista, Advogado e Professor Universitário

Numa mesa redonda organizada pelo grupo de cidadãos por um repatriamento justo, foram-me colocadas questões tão profundas pela MJ que saí de lá a reflectir claramente sobre o estado de coisas que se vive nesta nossa Angola. O último episódio sobre a morte de um “ delinquente perigoso” a queima-roupa e a fracturante divergência de opinião que se gerou nela, principalmente a “qualidade” de cidadãos envolvidos e as posições que defenderam deu maior alento ao continuado processo de reflexão. A conclusão não podia ser, para mim, mais desoladora: estamos de facto próximos da perdição total, estamos acossados por uma crónica doença, a doença do um dia talvez alguém o faça, a doença do discutir futilidades, atacar consequências, privilegiar superficialidade…não se querem discutir causas, não se tomam decisões ou atitudes profundas, transformadoras e/ou regeneradoras. De facto olhando para os mais simples aspectos da nossa Angola, da nossa gente, dos nossos bairros, serviços e comportamentos percebe-se quão moribunda é a nossa situação/condição e para que cada um faça a sua própria viagem reflexiva e retire as ilações, ouso apresentar em tópicos as constatações/preocupações:

  1. Ver trabalhadores honestos varrer areia do asfalto quando a sua fonte – “canteiros ou resquícios de passeios” – continua intacta e cheia de areia percebe-se a incoerência daquele trabalho que será repetitivo pois não se estanca o mal pela raiz;
  2. O Imenso e atractivo combate contra à malária quando as poças de águas pútridas, os charcos, as valas e valetas a céu aberto se mantém assim e as autoridades preferem distribuir mosquiteiros, cônscios de que por ano haverá mais, percebe-se o crónico e paliativo ataque às consequências deixando as causas perpetuarem-se…! deste modo quando se erradicará à malária? Recorde-se que no tempo colonial tinha já sido extinta…
  3. Basta sobrevoar Luanda ou Lobito para perceber o musseque desordenado que são parte do Prenda, Samba, Corimba, Rocha, Coreia, Boavista, Santa Cruz, São João, Canata (entre outros) que noutras latitudes são zonas de grande luxo, por oferecerem vista ao mar e por cá não passam de tristes musseques, sem urbanização, sem água canalizada, sem ruas, travessas, largos e parques, criando apenas referência de caos aos seus moradores…em contraposição com os ilustres moradores de condomínios luxuosos cujo preço da fracção é igual ao muro que os cerca de cidadãos perigosos e do caos circundante…que referências teremos de capacidade de restruturação e refundação dos nossos kimbos? Que referência de beleza e sustentabilidade as crianças e jovens terão?
  4. Sucatas ambulantes pela cidade sem inspecção, verdades armas de arremesso contra outros veículos e peões…Viaturas Hiaces e afins adulteradas na lotação que passam as barbas da DNVT…alteração das regras de trânsito, com agora circulação mais à esquerda e a directa tornou-se via rápida…retornos concebidos para os automobilistas apanharem já a via da esquerda (rápida) com todas as consequências para a vida, integridade física e para os próprios veículos…sempre com o cúmplice silêncio das autoridades que nada podem dizer ou fazer. Pois, foram os responsáveis pela falência do sistema de transportes públicos herdados da pré – independência, destruindo as linhas, os trajectos e transformando os transportes públicos em autêntica humilhação dos cidadãos, sem lotação, sem AC, sem controlo, sem paragens…isto justifica o silêncio em relação ao caos e adulteração dos hiaces e afins…incapacidade de manter o que existia e de transportar convenientemente os cidadãos por “TCUL’s e pares”…
  5. Passagens superiores/áreas que mais parecem andaimes em obra de chinês do que digna passagem segura para o cidadão…sem beleza e com curvas infindáveis que desencorajam o cidadão de as usar, preferindo arriscar a vida na estrada do que usar daqueles artefactos vergonhosos que na prática custam tanto ou mais que as passagens superiores de Azerbaijão concebidas, maioritariamente em betão e ornamentados com mármores, escadas mecânicas, iluminação, sistema de refrigeração e elevadores, para quem não quer/pode/consegue subir a escada mecânica ou convencional…ups, cá não se pode falar em escada mecânica ou rolante “através” da crónica ausência de energia nas cidades e arredores…
  6. O lixo cresce tanto que os recipientes para o seu depósito já se confundem com o conteúdo, e quais pretensões expansionistas, ele (o lixo) vai reclamando para si espaços maiores nas cidades e arredores. A forma que as autoridades encontraram de o combater foi fixar-lhe uma taxa…quando noutras latitudes combateu-se com educação ambiental, introduzindo nas classes escolares, nas comunidades, nas empresas, nos transportes públicos mensagens de reciclagem e tratamento diferenciado de lixo (orgânico e inorgânico; plástico vs. papel/papelão; alumínio/lata vs. vidro, etc.), com horários diferenciados de recolha e aproveitamento diferenciado de cada componente… mas entre nós sem ruas, sem passeios, com valas a céu aberto “para quê reciclar basta que se distribuam mosquiteiros e se paguem taxas e estamos quites” vai tudo parar ao passeio (que na verdade nem dá para lá passear, quando dá é sem arte, sem estilo, é betão bruto e sem dignidade) …
  7. Enfim, com este caos todo tende a crescer sem que ninguém lhe tome conta ou se predisponha a isso, não surpreende que:

– A incompetência e a arrogância sejam sempre coroadas…

– O nada fazer enriqueça mais do que fazer alguma coisa…

– quem sempre teve parte do saque queira hoje passar-se por honesto…

– Um traçado de duas faixas de cada lado seja chamado de auto-estrada…e

-“gente bem falante e bem escrevente” tenta convencer o País que fuzilar um cidadão em agonia de morte, indefeso em pleno dia é pena de morte e que esta é a única forma de combater a criminalidade…

Haja coragem, atitude, comprometimento e responsabilidade de atacarmos as causas dos males e não apenas as consequências, sob pena de a cada ano a nossa vergonha aumentar até chegarmos “ao ponto de nos arrependermos de termos alcançado a independência”…reduzindo Angola a uma repugnante República de soluções paliativas, superficiais e de ataque as consequências porque as causas são tão gigantes que todos temos medo de as atacar e combater …

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