A MENTIRA GROSSA SOBRE A ECONOMIA ANGOLANA
Ninguém percebe sobre a Economia Angolana. Num país rico, cheios de recursos minerais e naturais. Somente as balas nunca são perdidas. As balas são negócios com alta margem de lucros e altos retornos sobre o investimento. Negócio muito bem representado em Angola pelo nosso Executivo, que não perde tempo em aprovar leis para estimular a indústria da bala. A violência e a repressão dão muito mais lucros do que a Educação e Saúde. Os ganhos transbordam pelas duas pontas. O crime e o seu combate. Só há ganhos. Perdidas são as vidas de tantas crianças, adultos fora do sistema do ensino, milhares e milhares de crianças e adolescentes desnutridos, a morrerem através da fome. Sem retorno. Vidas roubadas por balas certeiras. Sóis e estrelas que se apagam para sempre. Talvez “Seríamos capazes de apagar o sol e as estrelas, pois eles não pagam dividendos”, como afirma Dr. John Maynard Keynes.
Há muitas manchetes e artigos dos jornais públicos que falam sobre a economia angolana que são mais um exemplo de manipulação grosseira e quotidiana. Quando se lê “crescimento acima do previsto” dá a entender que houve de fato um crescimento acima das previsões. Mas não é esse o caso. O que houve não foi crescimento acima do esperado. O que houve foi mudança na expectativa de crescimento, que é algo totalmente diferente. E tal mudança de expectativa não implica que ela se confirmará. Em resumo, um governo e sem legitimidade que faz da mentira seu principal veículo de comunicação não é fonte confiável para prover a sociedade com informações acerca de crescimento económico futuro. E os jornais manipuladores e mentirosos em suas essências. Fazem os trabalhos sujos de fabricar as manchetes de modo a confundirem o que é esperado com o que é realizado de fato. Enfim, não houve nenhum crescimento acima do previsto, mas revisão da expectativa de crescimento realizada por um governo que, por sua vez, é parte interessada em distorcer as projecções económicas em benefício próprio.
“´Você poderia me dizer, por favor, por qual caminho devo seguir agora?”, perguntou ela. “Isso depende de onde você quer ir´, respondeu o gato”, Lewis Carroll.
Simplificadamente: “O MUNDO DA ECONOMIA”.
Há duas correntes significativas no pensamento económico actual sem mentiras, de acordo o professor Ignacy Sachs, que influenciam as políticas públicas e dominam os discursos nos meios de comunicação. Em cada uma dessas vertentes há um elemento preponderante: crescimento económico impulsionado pelas forças de mercado e o crescimento económico com inclusão social e redução das desigualdades, para os desenvolvimentistas.
Há, portanto, uma luta entre dois paradigmas: o neoliberal e o desenvolvimentista. E há ainda uma terceira corrente, minoritária, sustentada pelos economistas chamados pós-modernos, cujo principal objectivo seria a preservação do meio-ambiente mediante uma política de crescimento zero ou negativo. Tais vertentes, a neoliberal, a desenvolvimentista e a pós-moderna, vêm sendo amplamente debatidas pela comunidade científica e seus principais teóricos têm, na maioria das vezes, utilizado argumentos estanques e excludentes para defender suas posições. O professor Ignacy Sachs, um notável teórico de desenvolvimento, em seu livro “Desenvolvimento: Includente, sustentável e sustentado”, busca escapar da armadilha do pensamento compartimentado e nos oferece uma solução sistémica em que o crescimento económico, as forças de mercado, as questões ambientais, as políticas de inclusão social e redução da desigualdade são conciliadas e sintetizadas em torno de um conceito denominado desenvolvimento includente. Para se compreender a síntese proposta pelo professor Sachs é importante analisar, ainda que de forma breve, cada uma dessas correntes que coexistem no pensamento económico actual.
Os neoliberais
A corrente neoliberal ou, nas palavras de Sachs, os fundamentalistas de mercado, “consideram o desenvolvimento um conceito redundante. O desenvolvimento, para essa corrente, viria como resultado natural do crescimento económico, graças a um ‘efeito cascata’ (trickle down effect)”. Para os neoliberais, não haveria necessidade de uma teoria do desenvolvimento económico. Bastaria aplicar os princípios da economia moderna, “uma disciplina a-histórica e universalmente válida” que tudo entraria em perfeito equilíbrio. Seria um pouco como as ciências da natureza, a Física ou a Química, por exemplo. A chuva chove, o vento venta, a maré mareia. Não há o que se possa fazer em termos de política económica. Em resumo, economia não seria uma questão de escolha e sim de forças económicas autónomas, impulsionadas pelo livre mercado.
Segundo Sachs, essa teoria neoliberal, ainda que funcionasse, já seria totalmente inaceitável do ponto de vista moral e ético. Mas como a experiência histórica e os resultados empíricos nos mostram, trata-se de uma teoria que jamais funcionou na vida prática dos cidadãos de carne e osso. É aplicável apenas nos livros-textos de economia. De acordo com o professor, “num mundo de desigualdades abissais, é um absurdo pretender que os ricos devam ficar mais ricos ainda, para que os destituídos possam ser um pouco menos destituídos”. Esse argumento contesta sumariamente a tese de que bastaria fazer “crescer o bolo” que todos seriam beneficiados, ainda que em proporções desiguais.
O que se tem visto na prática, e isso tem sido muito bem documentado em trabalhos científicos e estatísticas como a do professor Thomas Piketty, é que não apenas a renda cresce de forma cada vez mais desigual, mas sobretudo a riqueza, cuja desigualdade é ainda mais perversa. Sachs acrescenta ainda que, “as economias não se desenvolvem simplesmente porque existem. O desenvolvimento económico tem sido uma excepção histórica e não a regra. Não acontece espontaneamente como consequência do jogo livre das forças de mercado. Os mercados são apenas uma das muitas instituições que participam do processo de desenvolvimento. Sendo míopes por natureza, socialmente insensíveis e, segundo George Soros, amorais, a sua regulação – melhor seria dizer sua re-regulação – é urgente, tendo em vista o resultado negativo da aplicação das prescrições neoliberais, resumidas pelo Consenso de Washington”. Mas a despeito do fracasso das políticas neoliberais em todo o mundo capitalista, suas ideologias ainda predominam em grande parte da academia e nos principais meios de comunicação.
Os desenvolvimentistas
Para enfrentar essa questão de aumento crescente das desigualdades, Sachs aponta para a necessidade de uma urgente reaproximação da ética, da economia e da política. E isso só possível, na visão do professor Sachs, mediante actos de “políticas públicas que promovam a necessária transformação institucional e ações afirmativas em favor dos segmentos mais fracos e silenciosos da nação, a maioria trabalhadora desprovida de oportunidades de trabalho e meios de vida decentes, e condenada a desperdiçar a vida na luta diária pela sobrevivência”. A teoria do desenvolvimento surgiu cerca de meio século atrás para lidar com essa contradição entre crescimento económico e desigualdades sociais.
As primeiras teorias desenvolvimentistas, segundo Sachs, nasceram inspiradas na cultura económica de uma época, por volta do início dos anos 1940, e pregavam “a prioridade do pleno emprego, a importância do Estado de Bem-Estar, a necessidade de planejamento e a intervenção do Estado nos assuntos económicos para corrigir a miopia e a insensibilidade dos mercados”. Decorridos mais de meio século, muitas dessas preocupações ainda continuam válidas. Como lidar com o fato de que o capitalismo tem apresentado significativos ganhos de produtividade, aumentado a renda e riqueza agregada de uma maneira sem precedentes na história da humanidade, ao mesmo tempo em que o meio-ambiente vem sendo sistematicamente destruído e a maior parte da população mundial tem sido violentamente explorada e vive excluída desse notável progresso económico? Como nos ensina Sachs, “o rápido crescimento económico impulsionado por empresas modernas não reduzirá por si só a heterogeneidade social. Pelo contrário, tende a concentrar riqueza e renda na mão de poucos felizardos que controlam o mundo da alta produtividade, relegando ao mundo da baixa produtividade todos que se tornam redundantes, devido à substituição do trabalho pelo capital”.
Os pós-desenvolvimentistas
Como mencionado na introdução deste texto, há ainda uma terceira corrente, que começa a ganhar força, liderada pelos economistas auto-denominados de pós-modernos. Segundo o professor Sachs, esses teóricos propõem renunciar ao conceito de desenvolvimento, para avançar em direcção do que chamam de estágio de pós-desenvolvimento, sem explicitar o significado concreto desse estágio. Advogam o crescimento zero em razão dos limites ambientais ao crescimento infinito. Essa vertente tem sido muito cara àqueles que já possuem um alto padrão de conforto material. Artistas, celebridades e activistas verdes costumam apoiar as ideias de tais economistas e se manifestam favoráveis a um estilo de vida mais simples e ecologicamente sustentável. Ignoram tudo.
No caso de Angola contudo, que grande parte da população vive em condições precárias e sequer atingiu padrões mínimos de conforto material.
É inegável que esses economistas pós-modernos estejam certos quando questionam “a possibilidade de crescimento indefinido do produto material, dado o carácter finito do nosso planeta. Porém, esta verdade óbvia não diz muito sobre o quê deveríamos fazer nas próximas décadas para superar os dois principais problemas herdados do século XX, apesar do seu progresso científico e técnico sem precedentes: o desemprego em massa e as desigualdades crescentes”.
O desenvolvimento includente
Para enfrentar os desafios de uma economia cada vez mais excludente e predatória do ponto de vista ambiental, surge a necessidade de uma nova resposta para lidar com uma equação muito mais complexa, cuja resposta vai muito além da solução simplista de deixar tudo por conta do crescimento económico impulsionado pelas forças de mercado; ou da mera interrupção da actividade económica e de políticas desenvolvimentistas para dar luz a uma economia sem crescimento, como querem os economistas pós-modernos. É preciso, em vez de soluções simplistas e reducionistas, alargar a visão do que já existe, reconhecer as experiências bem sucedidas do passado, levar em conta os erros históricos e buscar, de forma inédita, implantar acções integradoras e sistémicas, que levem em conta a existência das forças de mercado, as necessidades de crescimento em países que foram excluídos dos ganhos de produtividade das últimas décadas, assim como as restrições ambientais e os imperativos de inclusão social e redistribuição de renda e riqueza.
O professor Sachs propõe alargar o conceito de desenvolvimento sustentável, tão em voga nos discursos políticos e corporativos actuais, para um tipo de desenvolvimento que seja também includente. Um desenvolvimento que “pretende habilitar cada ser humano a manifestar potencialidades, talentos e imaginação, na procura da auto-realização e da felicidade, mediante empreendimentos individuais e colectivos. Segundo Sachs, um desenvolvimento verdadeiramente sustentável “obedece ao duplo imperativo ético da solidariedade com as gerações presentes e futuras, e exige a explicitação de critérios de sustentabilidade social e ambiental e de viabilidade económica. Estritamente falando, apenas as soluções que considerem esses três elementos, isto é, que promovam o crescimento económico com impactos positivos em termos sociais e ambientais, merecem a denominação de desenvolvimento”. E clama por um desenvolvimento que permita uma inclusão verdadeiramente justa, ou seja, um desenvolvimento includente.
Conclusão
A grande questão económica de nosso tempo não se traduz nos indicadores de sempre, tão comum nos noticiários económicos. Assim, se tais indicadores já não traduzem mais as necessidades actuais, tampouco as soluções podem se dar a partir desses indicadores. Apesar de os meios de comunicação, os governos, a sociedade civil e grande parte da academia ainda se orientarem por parâmetros obsoletos expressos nos indicadores económicos tradicionais, o momento é de promover uma grande revolução científica na economia e, consequentemente, em tudo que é impactado por ela. Não se trata de abandonar os antigos indicadores e sim de ir além deles. É preciso romper, de uma vez por todas, com paradigmas que nos levam invariavelmente a solução excludentes. O momento, mais do que nunca, é de inclusão, em todos os níveis: social, político, ambiental, jurídico, sociológico e, fundamentalmente, económico. O mundo já não suporta mais soluções compartimentadas, estanques, mecanicistas, tecnicistas, cartesianas, que conduzem a otimização das partes em detrimento do todo. A fragmentação do conhecimento e a formulação de políticas encapsuladas nos conduziu a um mundo estilhaçado, despedaçado, fraturado. Um mundo de fissuras inconciliáveis, partições, segregações, injustiças e violências reais e simbólicas.
É preciso lutar por um novo tipo de desenvolvimento, includente e integrado. Um desenvolvimento em que políticas de sustentabilidade ambiental sejam pensadas e implantadas em conjunto com políticas de inclusão social, redução da pobreza e uma melhor distribuição de renda e riqueza. Somente conciliando questões ambientais com políticas de inclusão social é que realmente estaremos caminhando para uma economia includente, sustentável e sustentada. E uma economia assim só é possível mediante decisões políticas. Escolhas humanas. Acordos civilizatórios. Racionais, justos e includentes. É necessário que sejam criados novos pactos sociais, novas directrizes, em escala global, para vivermos num mundo que não seja autofágico, autodestrutivo, excludente e ponto. Com isto, é preciso que o nosso governo angolano comece a ver e colocar em prática uma economia realmente nova, que seja capaz de promover bem-estar, educação, cultura, lazer, saúde, preservação ambiental, renda e riqueza para todos. Se não de forma idêntica, pelo menos de um modo mais justo e igualitário.