A CORRUPÇÃO E A CONFUSÃO, A ARTE DA MESMICE

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Foi tornado público pelo Diário da República de 15 de Março o surgimento de uma nova Direcção no Serviço Investigação Criminal. O Decreto Presidencial n.º 78/18, de 15 de Março, no seu artigo 1.º (criação) cria a Direcção de Combate aos Crimes de corrupção como serviço executivo central do Serviço e por isso alterou a alínea k, do artigo 8.º do Decreto Presidencial n.º 179/17 e foi aditado o artigo 38-A, do Regulamento Orgânico do Serviço de Investigação Criminal, pelo artigo 3.º do Decreto Presidencial n.º 78/18, onde se lê: «A Direcção de combate aos crimes de Corrupção é o órgão executivo central, ao qual compete a concepção e execução de procedimentos estratégicos e operacionais de prevenção e repressão dos crimes de corrupção». Entretanto a Lei n.º 22/12, de 14 de Agosto, Lei Orgânica da Procuradoria Geral da República e do Ministério Público, no seu artigo 71.º Direcção Nacional de Prevenção e Combate à Corrupção estrutura-se em três Departamentos: (i) transparência e Probidade, (ii) inteligência Criminal e (iii) Combate à Corrupção.

Texto de Benja Satula | no Facebook

O DP n.º 78/18, de 15 de Março, quanto a mim, representa de facto uma trapalhada legislativa e a cultura da mesmice quanto à inversão de papéis constitucionais reservados à órgãos e entidades, fez-me lembrar a “transformação dos juízes em fiscais dos procuradores” quando a missão de fiscalização da legalidade é por natureza do Ministério Público. É que atribuir à Polícia Criminal a responsabilidade de «concepção e execução de procedimentos estratégicos e operacionais de prevenção e repressão dos crimes de corrupção», pergunto-me: que papel será reservado ao Ministério Público? Os integrantes desta novel Direcção virão de onde? Têm alguma formação especial? Que actos praticarão? Estarão fora do âmbito da acção criminal? Podem fazer o primeiro interrogatório? Podem requisitar documentos confidenciais? Podem abrir inquéritos preliminares? A resposta, nos termos da Constituição da República e da Legislação vigente em Angola (Estado de Direito e Democrático) é negativa. A Polícia não pode fazer isso. Então compreender o DP n.º 78/18, de 15 de Março só pode ser fora do âmbito da acção penal (será?), mas aí seria quase que consentir a repartição de competências entre o SIC e a IGAE – cuja vocação, de entre outras, é aferir da lisura, conformidade e transparência do erário público, i.e, no seu uso, gestão, aquisição e finalidades. Angola ratificou a Convenção das Nações Unidas contra a Corrupção em 2006, através da Resolução n.º 20/06 de 23 de Junho, que prova, para adesão, a Convenção das Nações Unidas Contra a Corrupção. Desde então, foi criado um grupo de trabalho para estudar e elaborar uma proposta de implementação da Convenção no Ordenamento Jurídico Angolano, pelo Despacho Presidencial n.º 82/13, de 5 de Setembro e pelo Despacho n.º 175/14, de 9 de Setembro, e na sequência aprovada a Lei n.º 3/10, de 29 de Março, Lei da Probidade Pública que se funda na exigência do respeito pelos deveres de lealdade, imparcialidade, probidade e outros deveres de natureza profissional e pública e asseguramento da moralidade na prestação de serviços públicos. Antes disso, e ainda em vigor, a Lei n.º 17/90, de 20 de Outubro: sobre os princípios a observar pela administração pública; Lei n.º 3/96 de 5 de Abril, Lei da Alta Autoridade contra a Corrupção: visa a necessidade de moralização e transparência dos actos da administração pública e dos respectivos agentes, bem como de titulares dos órgãos de soberania e de garantir que os sinais exteriores de riqueza possam ser efectivamente controlados, através da obrigatoriedade de declaração de rendimentos, de molde a inspirar confiança dos cidadãos nas instituições públicas. Propósito de combate contra as práticas e omissões que possam ser consideradas actos de corrupção ou fraude, de delitos contra o património público, de exercício abusivo de funções públicas ou quaisquer outras lesivas dos interesses públicos ou da moralidade da administração.

Ora, diante destes diplomas, é efectivamente a um órgão de Policia Criminal que se deposita confiança? Repare-se que o Serviço de Investigação Criminal é um serviço afecto ao Ministério do Interior da República de Angola e o Director Geral “depende” do Ministro, o Ministério do Interior é um Departamento Ministerial que depende do Titular do Poder Executivo, logo podemos concluir que o Titular do Poder Executivo criou o DP n.º 78/18 de 15 de Março para que seja ele próprio (incluindo todos os titulares de cargos políticos e públicos que ele nomeia) jogador, arbitro e fiscal na batalha da corrupção! Não seria desejável e recomendável que se ampliasse e densificasse do ponto de vista dos recursos (humanos, materiais e tecnológicos) a Direcção Nacional de Prevenção e Combate à Corrupção da Procuradoria da República e alocar-lhe um grupo operacional que transitasse do SIC, se a intenção é conferir maior dinamismo no combate? Ou pretendemos combater a corrupção com GLOCKs, MAUSERs e WALTHERs em substituição da BECA (quando estados diversos estão a transformar a polícia criminal num órgão operativo com dependência funcional ao MP, Angola prefere rivalizá-los)? Não é prudente que se peça uma avaliação urgente dos nossos pares das Nações Unidas ou enviarmos uma missão ao Botswana para percebermos como se faz? De um ou outra forma num Estado de Direito o combate à corrupção quer em processo penal preliminar, quer na acção penal deve, necessariamente, passar por fortalecer o MP e não criar “entidades paralelas” cujo mote é mesmo esvaziar o MP e cairmos na mesma truculência e inércia crónica de sempre, com “gladiadores e feras” a morrerem no “COLISEU” e os amos e senhores a desfilarem toda a riqueza por cima da indigência, miséria e “desdignidade” do povo… Era para ser diferente…afinal…

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