A CONTINUIDADE DA REPRESSÃO ÀS MANIFESTAÇÕES
No seu discurso de tomada de posse João Lourenço fez cinco menção à sociedade civil, mas retivemos o parágrafo seguinte: “Vou procurar auscultar os diferentes estratos da população e os vários grupos organizados da sociedade civil, pois só assim poderemos executar com êxito a acção governativa. Apelamos, pois, ao apoio de todos nesta difícil caminhada”.
Ter frisado que vai “procurar auscultar […] os vários grupos organizados da sociedade civil” é sintomático da visão do presidente sobre o que é sociedade civil. Mas vamos por parte.
Com recurso a tiros, no início de Outubro de 2017 a polícia deteve três trabalhadores da BCOM que com outros colegas reivindicavam salários por pagar desde 2010. Foi a manifestação inaugural de João Lourenço, e a repressão foi a resposta.
No dia 24 de Fevereiro a polícia reprimiu brutalmente os participantes à manifestação que decorreu nas Lunda Sul e Norte. Mais de cem pessoas foram detidas e seis estão desaparecidas. Circularam pelas redes sociais imagens de um jovem manifestante com o pulso partido aspergindo sangue. E, como antes, o Executivo adoptou o seu característico silêncio tumular.
O resultado da manifestação em Malange contra o governador é outro episódio que revela a continuidade do modus operandi do Executivo. Não sendo possível sustentar legalmente as detenções, as autoridades sempre alegam que os manifestantes vandalizam bens ou que a manifestação não era autorizada. E mais dois jovens foram condenados sob essas acusações, à igualdade de outros julgamentos e condenados à época de José Eduardo dos Santos.
A reacção do administrador do Cazenga à manifestação lembra JES quando disse que são “uns jovens frustrados” que têm feito manifestações. Se tivesse o mínimo de ética, no dia seguinte demitir-se-ia por dizer que mais de cem pessoas não representam os administrados. Não demitiu-se nem o seu superior hierárquico o demitiu, ambos “doentes de Húbris”.
Logo à primeira manifestação por um processo de repatriamento de capitais sem o carácter de amnistia que o Executivo quer, a polícia “decretou” a estátua de Agostinho Neto em órgão de soberania. Grave e anedótico, mas os organizadores cederam. À segunda manifestação, realizada no sábado último, não houve restrições mas deu-se um encontro com um grupo de aduladores do ex-PR.
Em geral, o nível de violência mantém-se, apesar de baixar na capital, e permanecem também os elementos que sempre a sustentaram, e destaco a convicção de que as manifestações carecem de autorizações, a reacção agressiva da polícia, o desprezo às reivindicações e a negativa rotulagem de quem protesta.
Os elementos descritos aliados à visão de João Lourenço, a mesma de JES e MPLA, de que sociedade civil apenas são os grupos organizados institucionalmente, constituem o leitmotiv para a continuidade da repressão. E o silêncio do presidente perante esses actos mostra que mantém-se fiel às suas declarações de 2004 quanto ao que pensa sobre a sociedade civil.
Fonte: Vanguarda