A ARTE DE MANTER UM POVO FAMINTO E SURRADO A DANÇAR DE ALEGRIAS
Na semana transacta, o Presidente da República procedeu à anulação do projecto do Bairro dos Ministérios, deixando os cidadãos em estado de quase orgasmo político. A bem dizer, os cidadãos dançaram de alegria por o Chefe de Estado e do Governo ter anulado aquele megalómano projecto, que, no final das contas, teria beneficiado os mesmos chico-espertos de sempre.
Por: Nuno Álvaro Dala
A par da anulação, João Lourenço remeteu uma carta de apreço ao proprietário e administrador do site Maka Angola, Rafael Marques de Morais, que dias antes publicara um minucioso dossiê que expunha os contornos mafiosos do projecto em referência. Ou seja, foi como se o Presidente da República, que tem a seu dispor os serviços de inteligência e contra-inteligência, não soubesse de nada e tivesse sido induzido em erro, mais uma vez, ao aprovar o projecto do Bairro dos Ministérios. Além disso, ficou a impressão de que os protestos dos cidadãos nas redes sociais e nas conversas de bar não foram suficientes para que ele, o Chefe de Estado e do Governo, informado pelos seus assessores, percebesse que, além de inoportuno, o projecto em nada contribuiria para o esforço de racionalização dos recursos, tão essencial em tempos de crise – uma crise que diminuiu tremendamente o poder de compra dos cidadãos e aumentou pornograficamente o custo de vida, de tal sorte que é elevado o número de Angolanas e Angolanos que passam fome.
Tudo isso não passou, porém, de mais uma operação de charme político, circunscrita numa estratégia de psicologia política que consiste em manter a popularidade do Presidente da República no seio de um povo surrado por décadas de trágica má governação, saque do dinheiro público e corrupção, cujos efeitos se tornaram especialmente evidentes nos últimos 5 anos de profunda crise económico-financeira.
A caminho de completar 2 anos no poder, João Lourenço tem conseguido fazer com que os Angolanos dancem de alegria – apesar de estarem a ser surrados pela má governação, pelo saque do dinheiro público, pela corrupção, bem como pelo agravamento da pobreza e da miséria. De que modo? Isto tem sido possível através dos seus actos circunscritos na estratégia de errar-e-corrigir (ou errar-para-corrigir). Analisemos os seguintes factos:
- O «PALÁCIO AÉREO» DA TAAG: em Janeiro do ano em curso, através do Despacho Presidencial 12/2019, o Presidente da República autorizou os ministros das Finanças e dos Transportes, bem como a companhia aérea nacional TAAG (Transportes Aéreos de Angola), a negociarem a compra de 20 aviões às empresas Boeing e Bombardier. Os mesmos seriam para renovar a frota da TAAG. Avaliados em cerca de USD 100 000 000 00 (cem milhões de dólares americanos), cada um dos aviões seria uma espécie de «palácio aéreo» da TAAG. Mas, dias depois, o Fundo Monetário Internacional (FMI), bem como fontes nacionais, expuseram os contornos mafiosos tanto sobre de onde viria o dinheiro como o destino final do mesmo. Assim, o plano de compras foi apresentando como inoportuno, arriscado e de efeitos nefários ao Estado, que já pagara um valor prévio às referidas empresas. Então, o Presidente da República procedeu à anulação do processo. O Governo errou e o chefe corrigiu. A sociedade exultou de alívio e alegria.
- O «CONCURSO VENCIDO» PELA TELSTAR: visando apurar a quarta operadora de telefonia móvel em Angola, o INACOM (Instituto Nacional das Comunicações), adstrito ao Ministério das Telecomunicações e Tecnologias de Informação, organizou e realizou o Concurso Público Internacional para Quarta Operadora de Telecomunicações em Angola, ao qual concorreram várias empresas, nacionais e estrangeiras. Dias depois, o INACOM anunciou a Telstar como vencedora do concurso. Denúncias públicas expuseram o carácter fraudulento do processo e o nome do proprietário da empresa «vencedora». A sociedade manifestou desagrado e exigiu a reposição da verdade. E quando tudo parecia indicar que a fraude vingaria, o Presidente da República procedeu à anulação do concurso, tendo ordenado a criação de um novo concurso público. O Governo errou e o chefe corrigiu. A sociedade exultou de alívio e alegria.
- O «PROJECTO BAIRRO DOS MINISTÉRIOS»: em Julho deste ano, o ministro da Construção e Obras Públicas anunciou que um complexo administrativo seria construído para albergar as instituições do Governo. O Bairro dos Ministérios, avaliado em mais de USD 3 000 000 000 00 (três mil milhões de dólares americanos) acabaria com o problema do arrendamento de instalações para albergar ministérios, direcções nacionais, institutos etc. No quadro das reacções adversas da sociedade, pouco depois, o Maka Angola apresentou um extenso dossiê no qual denunciou o esquema mafioso em que, dentre outras incidências perniciosas, centenas de milhões de dólares acabariam drenados para empresas do MPLA e de figuras do MPLA. Escandalizada, a sociedade manifestou-se tanto contra o projecto como às jogadas que, no final, teriam lesado o Estado e propiciado o enriquecimento ilícito dos mesmos chico-espertos de sempre e da sua organização disfarçada em partido (o MPLA). Poucos dias depois, o Presidente da República procedeu à anulação do projecto. O Governo errou e o chefe corrigiu. A sociedade exultou de alívio e alegria.
O Presidente da República tem assim deixado patente perante os cidadãos a ideia de que ele, solícito e providencial, sempre intervém e anula processos e projectos que são nefários ao Interesse Nacional e ao seu compromisso de promover uma governação competente, anti-corrupção e decente. O resultado da anulação do «Palácio Aéreo» da TAAG, da anulação do «Concurso Vencido» pela Telstar, da anulação do projecto «Bairro dos Ministérios» e de outras operações de charme político tem sido João Lourenço ser celebrado como o bom presidente que, avisado e pressionado externamente sobre as maquinações mafiosas dos membros do seu governo, tem estado a intervir em momentos precisos – cruciais – para travar as tentativas de saque do erário, corrupção, tráfico de influência e outras.
Sim, João Lourenço continua a gozar de popularidade, e isto apesar de que, dois anos depois de ter começado a presidir Angola, não conseguiu (re)alavancar a economia, não conseguiu dizer aos Angolanos quem são os credores da dívida pública, não conseguiu apresentar um único caso em que um dos grandes gatunos tenha repatriado o seu património para Angola, não conseguiu fazer com que um único grande gatuno tenha sido julgado e condenado por ter praticado crimes contra o erário ou a economia nacional, não conseguiu reduzir a violenta taxa de desemprego, não conseguiu fazer baixar e controlar a inflação etc.
Antes, pelo contrário, a crise económico-financeira continua a somar e a seguir qual rio perene que desagua num oceano apocalíptico de astronómicos níveis de miséria e de fome e de destruição de empresas, os hospitais continuam a ser indústrias de aceleração da morte dos cidadãos, os preços dos produtos essenciais continuam a subir de forma quase pornográfica etc.
Acreditar que João Lourenço é o bom presidente que, induzido em erro, mas alertado a tempo, tem precisado intervir para travar as gulas dos membros do seu executivo, é uma ingenuidade de todo o tamanho.
Acreditar que João Lourenço é «o bom presidente que não sabe de nada», que é induzido em erro e «age a tempo de corrigir os males maquinados pelos seus ministros» é como acreditar que o rato Mickey é amigo pessoal do Bonga ou que a Branca de Neve e os Sete Anões vivem no Katchiungo.
João Lourenço tem pleno conhecimento das movimentações que ocorrem nos labirintos da sua administração. Não é difícil saber que o presidente sabe das coisas.
Ele, enquanto chefe de Estado e do Governo, tem a seu dispor os serviços de inteligência e contra-inteligência, os quais desempenham um papel fundamental em alertá-lo das maquinações que podem comprometer a sua governação e a própria segurança do País nos aspectos económico, financeiro, social, político, militar e paramilitar.
Não é nem de longe crível que ao Presidente da República sempre passem ao lado as movimentações dos seus ministros, secretários de Estado, governadores e outros, que visam afundar ainda mais o País.
O Presidente realmente não soube ou nem sequer suspeitou das maquinações dos muitos chico-espertos que fazem parte do seu governo, aos mais diversos níveis, em relação ao «Palácio Aéreo» da TAAG, ao «Concurso Vencido» pela Telstar e ao Projecto «Bairro dos Ministérios»? E o que dizer do «Ginásio Milionário dos Deputados»: também não sabe de nada nem tem suspeitas? É confiável um presidente que, apesar de dispor dos serviços de inteligência, constitucionais e paralelos, não sabe das coisas e nem suspeita de nada, e é frequentemente «induzido em erro»?
Não, o Presidente da República não é ingénuo.
Ingénuos são os cidadãos que dançam o semba de João Lourenço, celebrando-o como o anulador das maquinações dos marimbondos do seu Governo, «o bom presidente que tem boas intenções, mas que está cercado de más pessoas» e que «está a governar bem, mas tem de anular os estorvos dos eduardistas», ao passo que continuam famintos e surrados por uma infinidade de problemas sociais.
A estratégia demagógica de errar-e-corrigir (ou errar-para-corrigir) tem sido um êxito. O Povo, anestesiado por actos de charme político, tem dançado o semba da ordem, ao passo que João Lourenço tem conseguido manter o fôlego, gerindo os fracassos da sua governação através da estratégia dos actos de errar-para-corrigir, mantendo o benefício da dúvida necessário para ser reeleito em 2022.